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Ao ficarem como únicas responsáveis pela casa e pelos filhos, elas perdem a oportunidade de manter relações de amizade
A situação exibida na tela não é incomum na realidade. A psicóloga Renata Borja recorre a um fator cultural para explicar a solidão vivenciada por muitas mulheres no casamento. “Até 60 anos atrás, a mulher não saía para o mercado de trabalho. O homem era responsável pelo sustento da família, enquanto a mulher tinha obrigações com a casa e os filhos”, comenta. Essa clara separação interferia nos relacionamentos para além do matrimônio, pois a mulher ficava restrita aos laços familiares, ao passo que o homem acabava convivendo com colegas de trabalho, que se tornavam amigos.
Balança
Renata observa que, ainda que de uma maneira mais implícita do que antigamente e com a mulher já devidamente inserida no mercado de trabalho, permanece “uma expectativa da sociedade sobre a mulher para que ela arque com as responsabilidades referentes ao lar e ao cuidado dos filhos”. “Para as mulheres, parece que está prescrito, culturalmente, que elas devem querer ser mães, o que não significa que os homens também não desejem constituir família”. No cômputo geral, no entanto, o resultado foi a sobrecarga das mulheres, o que pode interferir no tempo de lazer com outras pessoas.
“Ainda que haja mudanças em curso e a gente perceba os homens mais ativos e participativos na vida em família, como pais, participando dos processos e não somente delegando as atividades para as mulheres, ainda há uma pressão maior sobre elas no que se refere ao cuidado da casa e com os filhos. Ou seja, as mulheres não perderam essa responsabilidade que já existia e passaram a acumular, também, as do mercado de trabalho”, constata a especialista. Com relações construídas por parte da nova geração em torno de um maior equilíbrio, essa balança ainda pesa contra as mulheres.
Estudo
Renata pontua que “nem todos homens se adequaram aos ventos da nova realidade”. “Ainda existe, em nossa sociedade, preconceitos em relação a funções domésticas, como se elas só pudessem ser exercidas por mulheres”, avalia. Seria a famosa e ultrapassada frase “isso é coisa de mulher”, que procura limitar a pessoa em uma camisa de força. Nessa perspectiva discriminatória, sair com os amigos para jogar bola aos fins de semana e tomar uma cerveja seria “coisa de homem”, enquanto para as esposas estaria reservado o papel de ocupar-se do lar, isoladas em uma cativa solidão.
A psicóloga, todavia, não perde a esperança de um futuro mais justo e igualitário. “A mudança leva um certo tempo para que possa finalmente acontecer”, afirma. Em sua pesquisa de mestrado, Renata encontrou resultados que mostram pouca discrepância na importância conferida por homens e mulheres à família, no que tange a considerar-se bem sucedido, “havendo praticamente um empate em todas as faixas etárias”, informa ela. As exceções foram pontuais. Por exemplo, a partir dos 65 anos, a importância conferida pelas mulheres à família era de 78%, contra 55% dos homens.
Curiosamente, as mulheres que estabelecem conexões para além do núcleo matrimonial, seja com amigas, irmãs, primas ou outras parentes, tendem a manter com mais assiduidade, na opinião de Renata, essas relações. “De uma forma geral, vejo as mulheres não perdendo esses contatos. Enquanto os homens, à medida que ficam mais velhos, muitas vezes ficam mais restritos, perdendo o contato com os amigos. As mulheres que mantêm amigas costumam sair para almoçar juntas ou fazer outros eventos, em que elas não deixam esses laços se perderem com o tempo”, diz Renata.
Pesquisador alerta para perigos em se dedicar somente aos outros
Criador da chamada terapia cognitivo-comportamental, o psiquiatra norte-americano Aaron Beck (1921-2021) desenvolveu um estudo em que dividiu as pessoas em dois grandes grupos de análise: aqueles que se dedicam aos outros, conhecidos como sociotrópicos; e os autônomos, focados em independência e autossuficiência. “Em termos de gênero, podemos entender que, culturalmente, as mulheres foram condicionadas à sociotropia e os homens à autonomia, embora, por se tratar de um perfil de personalidade, haja homens e mulheres com ambas as características”, explica a psicóloga Renata Borja, para quem essa “moldagem” prejudicou as mulheres.
“As mulheres que se dedicaram a cuidar dos outros e não desenvolveram estratégias autônomas, se deprimiam quando perdiam o marido por separação ou morte, ou quando os filhos saíam de casa, com a famosa síndrome do ninho vazio”, sublinha ela, em referência aos estudos conduzidos por Aaron Beck. Por outro lado, homens habituados a atuarem apenas de forma autônoma tendiam à depressão ao perderem o emprego ou não conseguirem uma vaga almejada. “O ideal seria a pessoa investir tanto em seus projetos pessoais quanto no cuidado com o outro, para conseguir um equilíbrio e conseguir se segurar nos casos de perda que acontecem”, pondera Renata.
O risco de uma vida dedicada ao outro é que, inevitavelmente, uma hora esse outro irá partir, seja para assumir a função de cuidado, por exemplo, com filhos que virão, não dependendo tanto mais da proteção de outrora, ou mesmo para se autocuidar, numa postura de autonomia e independência recorrente na evolução da vida adulta. “Quando se perde a pessoa que era a fonte do cuidado e para a qual o sentido da vida foi direcionado, a sensação de vazio pode levar a quadros de depressão”, finaliza Renata.