Saiu no EL PAÍS
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O laudo do Instituto Médico Legal deixou claro que se tratou de um crime de ódio. Ódio contra uma mulher. Segundo a perícia, das 16 facadas que ceifaram a vida da juíza Viviane Vieira do Amaral, 45, dez delas foram desferidas no rosto. A magistrada foi assassinada pelo ex-marido na frente das três filhas na véspera do Natal. Ao menos outras cinco mulheres tiveram destino semelhante no feriado, em casos que ganharam repercussão na mídia —o número pode ser ainda maior. Esta barbárie choca, mas não surpreende quem acompanha a situação de violência contra a mulher no país em um ano no qual os feminicídios cresceram quase 2% no primeiro semestre de 2020, totalizando 648 casos segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Nos meses mais críticos da pandemia, entre março e abril, a alta foi ainda maior: em São Paulo o número de mulheres assassinadas por companheiros ou ex-companheiros subiu 41,4% no período.
A morte de Viviane e das demais vítimas assassinadas na véspera ou no feriado de Natal (são elas Thalia Ferraz, 23, Evelaine Aparecida Ricardo, 29, Aline Arns, 38, Anna Paula Porfírio dos Santos, 45, e Loni Priebe de Almeida, 74), escancarou o machismo estrutural que permeia a sociedade e instituições, e que ganha força no país em um contexto no qual o próprio presidente conquistou notoriedade por suas atitudes misóginas —”você não merece ser estuprada”, afirmou o então deputado federal Jair Bolsonaro a uma colega em 2014. O arroubo mais recente do mandatário contra mulheres ocorreu na segunda-feira, quando ele cobrou que a ex-presidenta Dilma Rousseff apresentasse um “raio-x” para comprovar que ela foi vítima de tortura e teve o maxilar quebrado durante a ditadura militar.
A ocorrência destes crimes no final do ano não é apenas uma coincidência. A promotora de Justiça Gabriela Mansur aponta que historicamente situações de violência contra a mulher tendem a aumentar em feriados e datas marcantes, como Carnaval, Páscoa, Natal e Ano Novo. “Há um aspecto de reflexão familiar e tristeza, as pessoas ficam mais sensíveis, e muitas vezes os homens que estão separados de suas mulheres por serem agressivos ou abusivos ficam com ainda mais raiva da ex-companheira, como se elas fossem as culpadas pela separação e pelo distanciamento dele da família”, explica.
O assassinato destas seis mulheres provocou forte reação na opinião pública, o que obrigou o Judiciário a tomar medidas para além das notas de repúdio e solidariedade aos parentes e amigos das vítimas. O grupo de trabalho do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) responsável pela elaboração de estudos e propostas para combater a violência doméstica e familiar contra a mulher convocou uma reunião extraordinária no sábado para discutir propostas para amenizar o problema. Em nota, a entidade sugeriu “a tipificação dos crimes de stalking —perseguição reiterada e obsessiva— e de violência psicológica contra a mulher, bem como o aumento das penas dos crimes de ameaça, de injúria e de lesão corporal” contra mulheres. “Na maioria dos casos, esses crimes antecedem a prática de feminicídios e precisam encontrar uma resposta penal adequada, numa tentativa de se impedir a escalada da violência”, afirmou a coordenadora do grupo do CNJ, Tânia Regina Silva Reckziegel.
O Supremo Tribunal Federal também pareceu sensibilizado com as mortes. Em nota após o assassinato de Viviane e das demais vítimas, o presidente da Corte, Luiz Fux, divulgou nota afirmando que “deve ser redobrada, multiplicada e fortalecida a reflexão sobre quais medidas são necessárias para que essa tragédia não destrua outros lares, não nos envergonhe, não nos faça questionar sobre a efetividade da lei e das ações de enfrentamento à violência contra as mulheres”.