Saiu no site G1:
Veja publicação original: Mulheres descobrem talento musical em coral na prisão e tentam refazer a vida fora dela por meio da música
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Por Rafaela Putini
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Presas por tráfico de drogas, seis sul-africanas e duas malaias participaram de projeto da USP na penitenciária feminina de São Paulo e, desde que saíram, se reúnem no coral Mulheres Livres para compartilhar o talento que descobriram no cárcere: cantar.
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Em semicírculo nove mulheres aquecem a voz enquanto uma delas explica: “Essa música que vamos fazer agora a gente cantava sempre que alguém ganhava liberdade, é o nosso grito de liberdade”.
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Desde que deixaram a Penitenciária Feminina da Capital de São Paulo, no Carandiru, na Zona Norte de São Paulo, seis sul-africanas e duas malaias se reúnem no coral Mulheres Livres para compartilhar o talento que descobriram no cárcere: cantar.
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O projeto surgiu em 2014, no Coral Universidade de São Paulo, da vontade dos integrantes de fazer um projeto de ressocialização para mulheres no cárcere por meio da música. No ano seguinte, a professora e psicanalista Carmina Juarez deu tom a ideia e a fez sair do papel. Entrou em contato com a penitenciária, que “desde o princípio se mostrou aberta. O projeto se mostrou muito feliz lá dentro, então teve todo apoio”, explicou Carmina.
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Toda semana, as mulheres têm duas horas de ensaio com aulas de técnicas vocais, ritmo, canto coletivo, entre outros aprendizados. Desde sua criação, o Voz Própria já teve cerca de 200 participantes vindas de todos os continentes.
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Os ensaios e apresentações foram tão transformadores para algumas dessas mulheres que assim que ganharam a liberdade elas procuraram por Carmina pedindo para continuar o trabalho. A professora incluiu as novas artistas em uma peça de teatro de formatura de uma turma da USP, no final de 2017. A estreia no palco foi também o início do Mulheres Livres, um coral que virou a extensão do Voz Própria do lado de fora.
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Integrantes do coral Mulheres Livres, formado por seis sul-africanas e duas malaias (Foto: Celso Tavares/G1)
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“Elas criaram um vínculo forte comigo. No caso das estrangeiras, eu que vou e visito. Então, de certa forma me tornei a família delas”, contou Carmina, que é chamada pelas cantoras de “mãe”, “parceira”, “amiga”, “anjo da guarda”.
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Carmina Juarez, coordenadora e professora do ‘Mulheres Livres’ (Foto: Celso Tavares/G1)
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Luta pela permanência
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Nduduzo Godensia Dlamini deixou a África do Sul, onde nasceu e trabalhava como aeromoça até 2013. O plano era ficar pouco tempo no Brasil, mas ao tentar voltar ela foi detida no aeroporto, acusada de ser “mula” para o tráfico de drogas.
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“Naquele momento eu aprendi o que significava ‘a casa caiu’. Foi a primeira coisa que aprendi em português e que marcou o resto da minha vida”
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Dentro da penitenciária, participava de todas as atividades para conseguir remissão de pena. Foi em uma específica, o Voz Própria, que descobriu a paixão e o talento para música. “Eram duas horas em que eu podia sonhar, uma forma de lembrar que nós éramos humanos”. Hoje, Nduduzo sobrevive trabalhando como artista, cantando e dando aulas de dança com ritmos típicos sul-africanos.
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Nduduzo Godensia, cantora sul-africana do coral Mulheres Livres (Foto: Celso Tavares/G1)
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Ela diz, no entanto, que no momento não pode sonhar. Isso porque aguarda a Justiça brasileira decidir sobre um processo administrativo que pode expulsá-la do país. A artista quer ficar para ser a voz daquelas que passaram pela mesma coisa que ela. “O que a gente passa com a liberdade é muito injusto. Não tem trabalho, não tem moradia. Se é bandido, vai para a prisão, mas e depois que sai? A gente continua existindo”.
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A campanha #ndududzotemvoz juntou pessoas que tentam lutar ao lado dela para que a permanência seja possível.
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Unidas pela música
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Ingoma, no idioma zulu, significa canção. Foi o nome escolhido por Sibo G., Maya Chibi e Baby Mokoatle para o trio que elas criaram depois de cantarem juntas no Voz Própria e no Mulheres Livres. Sibo explica:
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“Ingoma é derivado de um jeito cultural de viver dos africanos, de contar histórias e transmitir mensagens pela alma, ainda que não entendam o que estamos cantando”.
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As três amigas não querem lembrar do passado na prisão. “Nos conhecemos em uma situação ruim aqui no Brasil. Mas decidimos tirar algo bom disso que é o que sabemos fazer, que é música. Queremos entrar em uma nova era por meio da música, olhar para frente”, diz Maya.
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O grupo virou a atividade profissional para as amigas, que sobrevivem fazendo shows e cantando pelas ruas da cidade. Apesar de ser o projeto principal da vida das artistas, Maya ressalta que elas não pensam em deixar o Mulheres Livres. “Nós continuamos juntas com as outras mulheres. Somos todas indivíduos do Mulheres Livres, nós nos aponhamos, somos um grupo”.
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Sibo G., Maya Chibi e Baby Mokoatle criaram o ‘Ingoma’, um trio musical que se apresenta em SP (Foto: Celso Tavares/G1)
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África encontra Ásia
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Dentro e fora da Penitenciária, a adesão de sul-africanas ao coral sempre foi muito grande. “Acredito que pelo fato de a tradição zulu ser muito forte, tradição de coral, elas se envolveram mais”, explicou Carmina.
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Essa tradição acabou atraindo outras mulheres. Análie Ananda e Imelda Akira, da Malásia, aprenderam a falar e cantar em idiomas africanos, como zulu e xhosa, para acompanhar as outras artistas nas apresentações. “Foi automático. Temos essas irmãs da África do Sul, e eu me aproximei delas, sempre tentando entender o significado do que cantavam para poder sentir a música”, contou Imelda.
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“A gente desconfia que os pais dela tenham cometido um erro, talvez ela seja sul-africana”, falaram rindo as amigas que ensinaram zulu para Imelda.
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Na vida de Análie, a cultura africana ganhou ainda mais espaço. Ela se casou com um sul-africano e teve um filho, Michael, que é “um terço malaio, um terço africano e um terço brasileiro”, brinca. O sonho dela é abrir um restaurante em que as pessoas possam vir e cantar, ter “um espaço em que as pessoas possam ter a oportunidade de mostrar seu talento e se desenvolver”.
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O coral Mulheres Livres reúne cantoras em ensaio na USP (Foto: Celso Tavares/G1)