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Tales de Carvalho, filho de Olavo de Carvalho, nega acusações de estupros, tortura e violência psicológica feitas por ex-mulheres
Quatro mulheres entrevistadas pela coluna nas últimas semanas afirmam ter sido vítimas de estupros, tortura física e psicológica cometidas pelo astrólogo e empresário Tales de Carvalho, filho do escritor Olavo de Carvalho e um dos proprietários da escola de cursos Instituto Cultural Lux et Sapientia (ICLS). Os relatos incluem depoimentos de uma das ex-mulheres de Tales, Calinka Padilha de Moura, e das duas filhas mais velhas do casal, Julia Moura de Carvalho e Ana Clara Moura de Carvalho. Elas narram episódios de sadismo e crueldade que teriam ocorrido ao longo de mais de duas décadas, além da formação de uma espécie de seita, em torno do ICLS. A coluna também conversou com outras três ex-mulheres de Tales. Sob a condição de anonimato, uma delas aceitou gravar entrevista. Todas as denunciantes detalham experiências duras, que podem despertar gatilhos emocionais. Portanto, se este conteúdo for desconfortável para você e possa lembrar alguma experiência, talvez seja importante buscar um especialista no assunto para falar sobre isso ou não prosseguir na leitura.
Tales foi notícia em março deste ano, quando a família de uma estudante de Goiás conseguiu na Justiça decisão que obrigava a moça, então com 18 anos e havia dois meses morando com Tales de Carvalho em Curitiba, a retornar ao estado e dizer perante um juiz se, por vontade própria, havia viajado ao encontro do empresário e decidido morar com ele. Para cumprir a decisão judicial, a família teve que mobilizar, com a ajuda de um advogado, a Polícia Federal e a polícia do Paraguai, já que a estudante foi localizada na cidade paraguaia de Presidente Franco, fronteira com Foz do Iguaçu, na casa de Luiz de Carvalho, outro filho de Olavo e irmão de Tales. Dias antes da decisão judicial, por ordem de Tales de Carvalho, a moça havia ido para lá.
Luiz Gonzaga de Carvalho, o Gugu, irmão de Tales, é, segundo palavras das ex-mulheres do empresário, o “guru” do ICLS. Famoso na ultradireita, Gugu foi durante muitos anos respaldado pelo pai — Olavo certa vez gravou um vídeo em que recomendava os cursos do ICLS e, empolgado, dizia que Gugu era “o máximo”. A entidade oferece cursos cujos conteúdos vão de temas como religião, astrologia e segredos para se ter um bom matrimônio a leituras de autores clássicos, como Platão e Shakespeare. De acordo com as denunciantes, o ICLS é usado por Tales de Carvalho para obter dinheiro de “benfeitores”, como são chamados os alunos que, após um longo processo de convencimento sobre a necessidade de seguir os preceitos estabelecidos pela entidade, contribuem com quantias mensais, além das assinaturas, e que em alguns casos chegariam a cifras como até R$ 100 mil. Mas o ICLS, segundo elas, não serviria a Tales somente para captar dinheiro, mas também esposas. Sim, no plural.
Tales de Carvalho chegou a ter quatro mulheres ao mesmo tempo, sob o mesmo teto. A primeira a se casar com Tales foi Calinka de Moura, em setembro de 1997, quando ela tinha 18 anos e ele, 22. Hoje, ela tem 46, e ele, 50. Os dois eram budistas à época, mas o astrólogo converteu-se ao islamismo em 1998 e convenceu a mulher a fazer o mesmo. Naquele tempo, os dois moravam em São Paulo, conviviam pouco com Olavo, já separado de Eugênia, mãe de Tales, e tinham uma vida normal na comparação com o que Calinka conta que viria depois.
Com cerca de quatro anos de casamento, de acordo com Calinka, Tales comunicou que pretendia ter uma segunda esposa: uma criança de 12 anos. O empresário, ouvido pela coluna, negou que a menina, hoje com 35 e ainda casada com Tales, tivesse essa idade. Na nota enviada por seu advogado ao Metrópoles, Tales afirma que ela tinha 14, idade a partir da qual uma relação sexual não caracterizaria estupro de vulnerável. Calinka lembra que o novo relacionamento do marido caiu como uma bomba em seu casamento, inclusive porque a menina era enteada da mãe de Tales, Eugênia. A união de Tales de Carvalho com quem em algumas famílias seria considerada uma irmã, disse Calinka, envolvia um contrato, que previa a consumação do casamento apenas quando ela completasse 16 anos. A ex-mulher do astrólogo afirma, no entanto, que isso aconteceu quando a jovem tinha 15 anos. Assista a esta parte da entrevista de Calinka.
A coluna obteve um e-mail enviado por Tales a Calinka em 2003, em que ele fala sobre “algo muito forte” que sentia pela menina. Na mensagem, ele pede à esposa “compreensão” por querer uma segunda mulher e relata ter tido visões sobre um “destino glorioso” à espera do futuro trio.
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No fim de 2006, Tales manifestou o desejo de levar a menina para morar na mesma casa em que ele vivia com Calinka, o que a levou a decidir sair de casa e voltar com as duas filhas, Julia e Ana Clara, para perto de sua família, em Curitiba. A ideia dela era que fosse uma separação, sem divórcio.
Conforme o relato de Calinka, no entanto, cerca de um mês depois, no começo de 2007, Tales pediu o divórcio por telefone — mas teria que ser sob os preceitos islâmicos. A regra seria a seguinte: Calinka deveria ficar quatro meses sem ter relações com ele ou outros homens, o que ela afirma ter respeitado. Depois desse período, ainda de acordo com Calinka, já solteira, ela passou a trabalhar em um salão de beleza, frequentar festas e namorar. Foi quando Tales viajou a Curitiba, disse ter tomado conhecimento de que a ex-mulher havia virado “uma vagabunda” desde a separação e pediu que reatassem o casamento, o que, segundo ela, não foi aceito.
Calinka conta que sua vida separada seguiu sendo um incômodo a Tales de Carvalho. Em julho de 2007, as filhas do casal foram passar férias com o pai em São Paulo, ocasião em que ele deu a Calinka um ultimato: ou ela reatava o casamento, ou as meninas não voltariam a Curitiba. Calinka lembra ter insistido, inclusive indo presencialmente a São Paulo, mas, ao fim de um mês, com medo, cedeu e voltou para ele. Os dois casaram-se novamente em agosto de 2007 e, no fim daquele ano, passaram a viver juntos. Tales, Calinka, as duas filhas e… a nova esposa.
Agressões e torturas
A volta para Tales de Carvalho foi o começo do que Calinka Moura conta ter sido seu inferno: dois anos e meio de agressões e torturas constantes. Todos os dias ou, no mínimo, dia sim, dia não. As torturas começaram em agosto de 2007 e terminaram no fim de 2009. Ainda inconformado com a vida dela de solteira, Tales teria passado a querer saber detalhes do período. Nesse contexto, ela conta ter passado a ser agredida, primeiro, com um cinto, para que respondesse. Para evitar deixar marcas, conforme o relato dela à coluna, Tales passou a fazer xixi ou molhar o corpo de Calinka com água e chicoteá-la com um fio de telefone. Principalmente, lembra ela, na vagina.
“Ardia que nem fogo. Ele disse que havia pesquisado que o fio de telefone no corpo molhado era bom porque doía mais e não deixava marca”, lembra, enumerando uma sequência de atos de sadismo, como ameaçar arrancar seu clitóris com uma lâmina ou quebrar com um martelo os ossos de sua perna. As sevícias incluiriam ainda estupros com outros requintes de crueldade.
Ela não era a única torturada. A outra esposa, na época já maior de idade, também teria sido vítima de técnicas como a do fio de telefone, em razão de uma suposta traição cometida quando ela tinha 17 anos e descoberta por Tales de Carvalho. Algumas das sessões de suplícios ocorriam com as duas juntas.
As agressões, segundo a ex-mulher de Tales lembra ter ouvido repetidas vezes, eram algo previsto pelo Islã e destinado a “purificá-las”, “limpá-las” de pecados. A prática, porém, não tem base no islamismo.
“Muitas pessoas têm práticas erradas, mas as associam e misturam ao nome da religião. O profeta Mohammed disse que ‘o melhor entre vós é aquele que é melhor para a sua esposa’. Ele deixa bem claro que a bondade da pessoa é representada, principalmente, com a esposa”, diz o Sheikh Mohamad Al Bukai, líder da Mesquita Brasil, maior templo islâmico de São Paulo. O religioso falou à coluna em tese, sem ser informado sobre o caso concreto envolvendo Tales.
Ora “religião”, ora “seita”
A forma de tratar as esposas não é o único traço da fé muçulmana que Tales de Carvalho diz professar e que merece atenção. Tales se diz integrante de uma “tariqa”. Também sem se referir ao caso concreto do filho do Olavo de Carvalho, o Sheikh Mohamad Al Bukai falou sobre o que significam as “tariqas”, as confrarias esotéricas islâmicas que são regidas também sob o Alcorão, mas contam cada uma com líder religioso próprio e práticas distintas entre si. “A pessoa que não tem conhecimento religioso, quando vai à Tariqa, fica extremista, porque não tem base. Vai a uma área que não domina e acaba desviando, praticando coisas erradas. Por isso não se pode seguir Tariqa sem conhecimento da religião”, diz o Sheikh Mohamad Al Bukai.
Toda a tortura que teria sido impingida à Calinka e à mulher com quem Tales até hoje vive tinha como base as regras da tariqa. Calinka diz ter carregado até pouco tempo uma marca física daquele período. Segundo ela, Tales teria marcado mãos e pés das duas esposas com uma faca, mas, em seu caso, as cicatrizes não são mais visíveis. Ela diz que, até 2021, quando decidiu fugir da casa em que ainda vivia com Tales, a outra mulher e outras duas moças, a cicatriz de sua companheira de sessões de tortura ainda eram visíveis.
“Aquilo virou uma seita”, diz a ex-nora de Olavo de Carvalho sobre o ICLS.
Em seu caso, ela lembra, as marcas mais profundas não são aparentes fisicamente.
Vídeos de estupros de crianças
Calinka conta que um dos piores momentos das sessões de tortura era quando Tales as obrigava a assistir a vídeos de crianças sendo estupradas. Meninos e meninas com menos de dois anos. O empresário, excitado com as cenas, teria o hábito de, na sequência, estuprar e sodomizar Calinka. Essa, porém, não seria a única conexão do empresário com o universo da pornografia infantil.
As duas filhas de Tales entrevistadas pela coluna, Julia e Ana Clara, hoje com 26 e 24 anos, respectivamente, relataram ter encontrado no computador do pai, ainda crianças, vídeos de estupros de meninos e meninas.
No período em que Calinka foi torturada, Tales revezava as noites de suplícios entre ela e a segunda mulher. Havia ocasiões em que ele agredia as duas ao mesmo tempo, mas o mais comum era fazer uma alternância. Calinka relatou à coluna que, nos dias em que não apanhava do marido, tinha sentimentos conflitantes. Em parte, sentia-se aliviada, mas também aflita por saber o que a outra mulher estava sofrendo. Calinka classifica sua situação na época como “sub-humana” e diz que era chamada e tratada como “escrava sexual” por Tales. “Ele dizia que eu era a escrava sexual dele. E eu durante boa parte disso tudo acreditava que merecia passar por aquilo. Eu tinha passado por uma lavagem cerebral”, lembra. Havia momentos, porém, em que parecia sair da situação de pleno domínio e insurgir-se. Diz que, numa madrugada, tentou fugir, mas foi alcançada por Tales, que a arrastou pelos cabelos de volta para casa. Naquele dia, lembra que ele quebrou-lhe duas costelas.
O sofrimento, relatou Calinka, só parou porque tanto ela quanto a segunda mulher perceberam que havia uma maneira de fazê-lo parar: engravidar.
O próprio foi quem disse que pararia de agredi-las sistematicamente caso engravidassem. Esse seria um sinal de que Deus as havia “perdoado”. Calinka propositalmente, então, engravidou da terceira filha, hoje com 14 anos e, à revelia da mãe, vivendo com Tales. Mesmo assim, no início da gestação, ainda sem que tivesse contado a Tales sobre a gravidez, Calinka afirmou ter sido estuprada com uma garrafa de vodca. Nesse momento, durante as sevícias, ela teria revelado a ele que estava grávida.
Fuga em 2021 e processo na Justiça
Calinka decidiu separar-se de Tales de Carvalho em abril de 2021, após, segundo ela, tomar coragem para romper com um estado de infelicidade. Saiu da casa de Tales fugida, com a filha mais nova, hoje uma adolescente de 14 anos; a filha mais velha, Julia; e o genro, um ex-aluno do ICLS a quem Julia havia sido prometida aos 16 anos. Ana Clara também já estava casada em 2021, com um muçulmano, paraguaio, e vivia em Foz do Iguaçu (PR).
Calinka diz ter guardado o histórico de violência em segredo até das filhas, o que ambas corroboram, mas lembram que pouco adiantara. Julia Moura tem a lembrança de que cresceu escutando o pai bater na mãe e na outra mulher. Ela e Ana Clara contam que passavam as noites em claro, com medo. “Ele era uma figura assustadora a maior parte do tempo”, resumiu Julia, recordando-se da vez em que ele arrombou a porta do quarto das filhas, entrou e arrancou Calinka pelo cabelo.
A filha mais nova do casal atualmente tem 14 anos e vive com Tales por escolha própria, mediante acordo judicial entre o pai e a mãe. O ex-casal assinou o trato em 12 de maio de 2022, com previsão de guarda unilateral da garota para Tales de Carvalho, convivência dela com Calinka em finais de semana alternados e a renúncia, por Tales, ao recebimento de qualquer pensão alimentícia da ex-mulher. O acordo também encerrou duas queixas-crime que Tales de Carvalho movia contra Calinka Moura na Justiça em razão de acusações feitas por ela contra ele. Os dois se comprometeram a não divulgar “afirmações caluniosas, difamatórias ou injuriosas” um contra o outro. O astrólogo ainda se comprometeu a pagar R$ 60 mil à ex-mulher a título de indenização — Calinka, contudo, afirma ter recebido apenas R$ 5 mil.
Outros casamentos de Tales
Tales também se casou, segundo Calinka e as filhas, com uma terceira mulher, marroquina, que ele teria conhecido remotamente. A vinda dela ao Brasil, em 2011, atenuou por alguns meses o ambiente de violência na casa. Apesar disso, Tales, conforme diz Calinka, maltratava a terceira mulher, reclamava que ela era “feia” e “mais velha que o esperado”. A moça acabou sendo mandada de volta ao Marrocos em junho de 2011, três meses depois de sua chegada, também de acordo com Calinka.
Depois disso, Tales de Carvalho casou-se com outras duas brasileiras: uma com quem ele ficaria quase 10 anos, e que o deixou em fevereiro deste ano, e uma jovem de 17 que ele conheceu em um site de relacionamentos e com quem ficaria por cerca de três anos. A moça de 17 era aluna do ICLS, tal qual a estudante goiana encontrada no começo deste ano no Paraguai.
Relação com Olavo de Carvalho
Embora mantivesse sua própria plataforma de conteúdos, o Curso Online de Filosofia (COF), o escritor Olavo de Carvalho foi um importante chamariz de alunos para os cursos ministrados pelos filhos no ICLS. Olavo participou da primeira transmissão ao vivo do instituto no YouTube, em junho de 2014, poucos meses após a entidade ser criada. No vídeo de mais de uma hora e meia, ao lado de Gugu, Olavo situou a si próprio e ao filho entre nomes que vêm “renovando a alta cultura no Brasil” por meio de seus cursos on-line. “Nas universidades não há nada que se compare”, gabou-se o escritor.
O ICLS, por sua vez, costumava exaltar Olavo de Carvalho, um ativo nas mãos dos filhos para ampliar a clientela. Em novembro de 2014, o perfil do instituto no Facebook escreveu que a atuação de Olavo e Gugu estava “criando as condições necessárias para que surjam pessoas com um grau de autoconsciência muito maior do que nossa terra já presenciou”. Após a vitória de Jair Bolsonaro na eleição de 2018, o ICLS apoiou a ideia, aprovada pelo próprio Olavo, de que ele fosse nomeado embaixador do Brasil nos Estados Unidos.
O escritor, no entanto, por alguma razão, externou publicamente o desagrado com ao menos uma prática dos filhos. Em 2016, Olavo publicou no Facebook que, se algum de seus filhos se aproximasse de seus alunos convidando-os para aderir a alguma “tariqa” islâmica, ele não tinha “nada a ver” com isso.
Outro lado
A coluna enviou a Tales de Carvalho 13 perguntas a respeito dos relatos de Calinka, Julia e Ana Clara, e a atuação no ICLS. Por meio de seu advogado, Frank Reche Maciel, o filho de Olavo de Carvalho respondeu que as acusações da ex-mulher “foram utilizadas por ela para tentar privá-lo da guarda da filha menor”. “A Justiça não deu crédito a essas mentiras, a guarda foi decidida em favor de Tales, e Calinka se comprometeu com não repeti-las em troca da extinção de duas queixas-crime (vã promessa, como se vê)”, afirmou a nota.
Calinka, entretanto, nega à coluna que Tales tenha ganhado a guarda de Raquel. Os dois entraram em acordo judicial, comprovado nos autos do processo, sobre a guarda da filha mais nova.
Sobre o casamento com uma menor de idade, a nota disse ser “fato público que Tales e ela se enamoraram quando ela tinha 14 anos, passando a morar juntos quando ela já contava com 18 anos, depois do casamento segundo a religião islâmica”.
A coluna não conseguiu contato com a mulher que ainda vive com Tales, a quem, segundo Calinka, ele pediu em casamento aos 12 anos.
Luiz Gonzaga de Carvalho, o Gugu, o filho de Olavo apontado como “guru da seita do ICLS”, também foi procurado pela coluna por meio de um telefonema. Ao ser informado do teor da reportagem, desligou o telefone. Antes, num estilo fiel ao DNA, disse: “Não confio em jornalista. Jornalista é tudo filho da puta”. O espaço está aberto a manifestações.
No próximo capítulo da série, conheça a história de uma das alunas do ICLS que largou tudo para viver com Tales. Fique atento a metropoles.com/guilhermeamado!
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