Saiu no site O GLOBO
Veja publicação original: Mulher trans busca fazer história na Suprema Corte americana
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Aimee Stephens foi demitida do emprego após solicitar um uniforme feminino; agora a Justiça decide se seu caso se enquadra em discriminação sexual
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Por Charlotte Plantive
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WASHINGTON — Seis anos depois de perder o emprego em uma funerária de Detroit, Aimee Stephens aguarda a Suprema Corte dos EUA decidir seu caso em uma audiência histórica, que determinará se a lei que proíbe a discriminação sexual no local de trabalho também protege pessoas transgêneras .
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Em uma semana, o mais alto tribunal de justiça americano examinará pela primeira vez os direitos de uma comunidade que, apesar de ter maior visibilidade, ainda é alvo de discriminação, principalmente no trabalho. A demissão de Stephens estará no centro do debate.
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Stephens, 58 anos, nasceu menino, na cidade de Fayetteville, na Carolina do Norte. Mas diz que, a partir dos cinco anos, começou a sentir um conflito com sua identidade masculina.
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Em uma sociedade em que conceitos como “identidade de gênero” eram praticamente desconhecidos e ainda menos aceitos, ele seguiu em frente com sua vida como homem. Casou-se com uma mulher e, mesmo tendo estudado para ser um pastor da Igreja Batista, segundo a revista americana “Newsweek”, começou a trabalhar como diretor de uma companhia funerária.
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Em 2010, no meio de uma depressão, Stephens dividiu com sua mulher seu conflito, e ela aceitou sua identidade feminina. Começou, então, a se vestir como mulher em casa e em alguns passeios. Mas, no trabalho, continuou se vestindo como um homem.
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— Eu estava vivendo duas vidas: uma em casa, outra no trabalho. Com o tempo, cheguei a um ponto em que ser duas pessoas se tornaram algo impossível — disse Stephens, durante uma entrevista coletiva em Michigan, onde mora.
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O peso emocional dessa vida dupla ficou tão pesado que ele considerou o suicídio:
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— Acabei no quintal da minha casa com uma arma no peito — disse. — Mas percebi que gostava demais de mim para simplesmente desaparecer.
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Foi quando Stephens decidiu assumir completamente sua identidade feminina, e começou a revelá-la a alguns colegas. Em entrevista ao “Guardian”, contou que seu pai sempre disse que seu cabelo “deveria ser curto” e que “apenas garotas têm cabelo grande”.
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Décadas depois, ainda segundo o jornal britânico, após se reconhecer como trans, enviou fotos ao seu pai, mostrando seus cabelos grandes. “Ele olhou para as imagens e disse para uma das minhas irmãs: ‘Ela é uma mulher muito mais bonita do que era como homem’. Acho que foi a percepção dele de que, depois de todos esses anos em que discutimos sobre cabelos, havia uma razão”, relatou.
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No verão de 2013, após um longo conflito interno, escreveu uma carta ao chefe, com quem tinha uma boa relação, explicando sua situação e solicitando um uniforme feminino.
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Duas semanas depois, recebeu a resposta: “Isso não vai acontecer”, disse o chefe, que a demitiu. Com a condição de ela não entrar com nenhuma ação judicial, ele ofereceu um pagamento equivalente a três meses de salário.
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— Dói — diz Stephens. — Fui pra casa, conversei com minha esposa. Ela concordou que isso não estava certo, que tínhamos que fazer algo a respeito.
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Stephens levou o caso à Justiça, mas um tribunal de primeira instância ficou do lado da funerária. Enquanto isso, ela tentou, sem sucesso, conseguir outro emprego, e teve que suspender suas buscas por causa de um problema nos rins que a forçou a fazer diálise três vezes por semana.
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Sua situação financeira e humor se deterioraram. Até que, em março de 2018, um tribunal federal de apelações decidiu que sua demissão era uma forma de discriminação sexual.
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Thomas Rost, o proprietário da funerária, que se descreve como um “cristão fervoroso”, em sua tentativa de anular essa decisão, invocou “sua liberdade de consciência” e a necessidade de “evitar qualquer coisa que possa incomodar seus clientes”, e recorreu novamente, mas desta vez perante a Suprema Corte.
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Donald Trump
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Rost encontrou, no presidente americano, um aliado, que reverteu várias medidas de proteção a pessoas trans, incluindo a lei promulgada por seu antecessor, Barack Obama, que permitiu que pessoas trans se alistassem no exército.
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Para o governo Trump, a lei federal sobre discriminação se aplica apenas ao sexo biológico, não à identidade ou orientação sexual. O caso será analisado por um tribunal com tendência conservadora. Dessa forma, a vitória de Stephens e do resto da comunidade LGBT não é garantida.
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Antes do caso Stephens, o tribunal também examinará a demissão de dois homens gays.
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— Todo ser humano merece os mesmos direitos. É tudo o que pedimos — disse Stephens. — Não estamos pedindo para ser tratado de maneira diferente, mas da mesma.
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