Saiu no EL PAIS.
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Para entender e desconstruir o lugar do negro na sociedade brasileira, Lélia Gonzalez (Belo Horizonte, 1935-1994) esteve em todos os lugares. Filha de pais pobres, um operário negro e uma empregada doméstica descendente de indígenas, teve a oportunidade de estudar e se formou historiadora e filósofa. Já “perfeitamente embranquecida, dentro do sistema”, encontrou no mundo acadêmico contradições e barreiras sociais que a levaram para a militância no feminismo e no movimento negro. Lançou mão da psicanálise ao candomblé para explicar a cultura brasileira. Foi intelectual, ativista e política: participou da formação do PT, foi do PDT, atuou nas discussões sobre a Constituição de 1988 e integrou o primeiro Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, na mesma década. Correu o mundo e, ao representar o Brasil em debates sobre as condições de exploração e opressão dos negros e das mulheres em eventos nos Estados Unidos, na África e na América Latina, conjugou experiências e criou um marco conceitual para a compreensão da identidade brasileira e de seus irmãos de continente: a amefricanidade.
“Por que vocês precisam buscar uma referência nos Estados Unidos? Eu aprendo mais com Lélia Gonzalez do que vocês comigo”, resumiu Angela Davis, ícone do feminismo negro norte-americano, ao visitar o Brasil em 2019, num indicativo de que os brasileiros precisam reconhecer mais a sua própria pensadora, uma das pioneiras nas discussões sobre a relação entre gênero, classe e raça no mundo.