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Mulher denuncia marido após 20 anos de agressões

Saiu no site O TEMPO:

O crime é recorrente em Minas Gerais; só no ano passado, foram mais de 126 mil ocorrências de violência por parte dos respectivos parceiros

A cada hora, 14 mulheres são agredidas por seus companheiros em Minas Gerais, segundo dados do Centro Integrado de Defesa Social (Cinds/PCMG). Em 2016, foram 126.710 ocorrências dos mais diversos tipos de violência, incluindo ameaças, violência psicológica, moral e patrimonial, estupro, agressões físicas e verbais. Deste total, 494 homens cumpriram suas ameaças e tiraram a vida de suas companheiras.

No último fim de semana, a diarista *Estela, 33, decidiu romper o ciclo de violência que vivia com o marido na região metropolitana de Belo Horizonte há 20 anos. No domingo (29) foi a última vez que ele a agrediu na frente dos filhos do casal – uma menina de 3 anos e um adolescente de 17. O rapaz conseguiu imobilizar o pai e impedir que a violência acabasse em feminicídio.

Um vizinho chamou a Polícia Militar (PM) e foi necessário o uso de um teaser para imobilizar o suspeito que resistiu à prisão. Ele foi solto após receber atendimento médico e ela preferiu não formalizar a denúncia contra o companheiro. “Fui informada de que ele seria solto de qualquer forma e se ele tivesse que pagar a fiança caso eu representasse contra ele, seria pior. A nossa conta no banco está praticamente zerada. Naquela hora, pensei mais no lado financeiro, nas contas a pagar”, conta a vítima.

Isso porque, segundo a Polícia Civil, a soltura do preso mediante fiança só não cabe quando há lesões aparentes na mulher, configurando crime que infringe a Lei Maria da Penha. No entanto, Estela ainda tem um prazo de seis meses para formalizar a denúncia contra o homem, segundo a corporação. Ela pediu uma medida protetiva contra o marido, mas ainda não obteve uma resposta sobre ela, apesar de o prazo legal para isso acontecer ser de 48 horas. A medida ainda não foi concedida e nessa segunda-feira (30) o homem voltou para casa e ela precisou deixar a residência levando os filhos por segurança.

“Eu tinha 13 anos quando demos o primeiro beijo, era uma menina. Por causa disso, minha família até chamou a polícia na época, mas a denúncia acabou não indo pra frente. Foi bem turbulento. Mas eu estava muito envolvida. Sabe aquela paixão de adolescente?”, conta a vítima. Desde então, ela começou a se relacionar com o agressor, que hoje tem 57 anos. Ele a levou para sua casa e eles se casaram, no civil e no religioso, há oito anos. “Em todo este tempo eu perdi as contas de quantas vezes fui agredida fisicamente. A penúltima vez que ele me bateu, há quatro anos, um pouco antes da gestação da minha menina, foi a primeira vez que reagi e disse que nunca mais permitiria que ele me batesse. Durou quatro anos para que ele fizesse isso de novo. Os outros tipos de violência, no entanto, nunca cessaram”, lembra.

Violência verbal e psicológica, injúrias e ameaças eram recorrentes no relacionamento. Mas Estela não entendia, até pouco tempo, que essas situações também configuram violência doméstica. Para a delegada Ana Paula Balbino, da Delegacia Especializada de Violência Contra a Mulher de Belo Horizonte, o desconhecimento é comum. “É importante deixar claro que a lei 11.340/2006, em seu artigo 7º, determina que a violência doméstica não é só física. É a violência psicológica, sexual, patrimonial e moral também. Muitas vezes a vítima não entende que se trata de uma violência, porque faz parte do ciclo de violência em que ela está envolvida. E geralmente, um homem que pratica esses atos não demora para chegar às agressões físicas ou até mesmo, ao feminicídio”, explica.

Ranking

A ameaça desponta como o crime mais comum praticado pelos agressores. Dos mais de 126 mil registros feitos no ano passado, 49.471 foram por causa de ameaças feitas pelos companheiros. Em segundo lugar, estão as lesões corporais: com 22.398 registros.

“Ele sempre jogava coisas na minha cara, me xingava. Eu sempre me sentia culpada por alguma coisa. Tudo era eu que fazia, entregava os pratos de comida pra ele na mão, pegava a roupa que ele iria usar para trabalhar e também entregava na mão. Quando eu deixava de fazer alguma dessas coisas ele achava ruim e me humilhava”, exemplifica Estela, que é diarista.

Ela já tentou se separar do marido várias vezes, mas não conseguia romper o ciclo de violência. “Como começamos a namorar quando eu era nova, sentia que como se ele tivesse me criado, uma relação meio paternal”, conta.

Ciclo sem fim

A delegada Ana Paula Balbino explica que situações de violência doméstica, geralmente, envolvem um ciclo de violência, onde a vítima dificilmente consegue sair. “O ciclo começa na iminência dessa violência, depois acontece a violência propriamente dita seguida pela fase que chamamos de lua de mel, que é quando o autor se arrepende, pede desculpas, jura nunca mais fazer aquilo e a mulher acaba perdoando acreditando que não vai sofrer violência e acaba retomando o relacionamento. Depois disso, o ciclo se repete e se ele não for quebrado, a violência vai evoluir para agressão física e até para um feminicídio”, afirma.

Ela ainda esclarece que a violência contra a mulher compreende várias formas de violência que não somente a física. “A violência sexual, por exemplo. A mulher pode ser casada com o homem e ainda assim ser estuprada por ele. Por isso é imprescindível quebrar esse ciclo de violência. A partir do momento em que a mulher se sente ameaçada, ela deve imediatamente procurar ajuda”, explica.

A falta de denúncias por parte das mulheres que vivem em um relacionamento afetivo com seus agressores é motivada por inúmeros fatores. “Dependência financeira, dependência emocional, filhos, medo ou receio do agressor, são algumas das muitas causas que levam as mulheres a não denunciarem. Mas é preciso entender que esse ciclo só vai ter fim se a mulher tomar coragem, se empoderar, buscar orientação, ajuda, e fazer a denúncia”, determina a delegada.

Estela ainda tem medo mas, ao mesmo tempo, se sente aliviada de ter saído de casa. Ela não quer que sua filha cresça presenciando cenas de violência. “Estou receosa sim, hoje (terça-feira) vim trabalhar olhando para todos os lados na rua, imaginando que ele poderia chegar. Nem a medida protetiva vai me dar muita garantia, né? Enquanto andava para o trabalho, só conseguia me lembrar daquela cabeleireira que foi assassinada pelo ex dentro do salão”, diz.

Em Belo Horizonte, a Delegacia Especializada de Mulheres fica na av. Augusto de Lima, 1942, no Barro Preto, inclusive o plantão. Em cidades onde não há uma delegacia especializada para casos de violência contra a mulher, a denúncia pode ser feita em qualquer delegacia ou mesmo pelo telefone 180. Neste mesmo número, é possível obter, de forma anônima, informações e orientações sobre como proceder e se reconhecer como vítima de violência.

*Nome fictício

 

 

Publicação Original: Mulher denuncia marido após 20 anos de agressões

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