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MT tem taxa de feminicídio maior que média nacional; negras e pardas são maiores vítimas

Saiu no site Olhar Direito:

Com sete mortes por cada 100 mil mulheres, Mato Grosso apresenta taxa de feminicídio superior à média nacional, de 4,6 homicídios pela mesma quantidade de vítimas. Os dados são do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, e apontam que, como em quase todos os estados, o maior índice de mortes diz respeito às negras e pardas. O levantamento do Ministério da Saúde,feito em 2014, foi divulgado na última semana e representa ainda uma inversão do panorama com relação ao ano de 2006, quando começou a ser realizado, já que, à época, o maior número de assassinatos era de mulheres brancas.

Enquanto os números relativos a assassinatos de mulheres brancas residentes no estado subiu para 7%, passando de 5,5 a 5,9, a taxa de homicídios dos outros dois grupos foi para 56%, passando de 4,8 a 7,5.Neste cenário, outro dado alarmante para a segurança das mulheres foi divulgado no Anuário Brasileiro de Segurança Pública publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em 2016: com média de um estupro a cada seis horas,a região é a terceiro no país com maior registro deste crime.

No período, que compreende os anos de 2014 e 2015, o Estado também apresentou um número de ocorrências de estupros para cada grupo de 100 mil mulheres consideravelmente superior ao número registrado no Brasil. No total foram registrados 1478 casos em 2015, representando um aumento de 13,6% em comparação a 2014, quando houve 1300 ocorrências do tipo. Os números representam uma taxa de 45,3 estupros, mais que o dobro da taxa nacional, de 22,2.

O levantamento, realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, considera os dados dos dois últimos anos e também conta com informações relativas à tentativa de estupro, que subiram de 142 para 188, aumento de 32% entre os períodos avaliados.  No ranking, Mato Grosso fica atrás apenas de Mato Grosso do Sul, onde os registros de estupro chegam a 53,9 e do Acre, com 65,2%.

A respeito das ocorrências de violência contra as mulheres registradas pela Polícia Civil, o Senado Federal, onde o SIM foi veículado, informou que Mato Grosso não disponibiliza ao público relatórios periódicos com esses dados consolidados. Além disso, não forneceu a este Observatório, mesmo após solicitação formal, nenhuma informação relativa ao total de ocorrências de violência contra mulheres registradas no estado.

De acordo com a psicóloga Naiana Marinho Gonçalves, representante do movimento Frente Feminista em Cuiabá, diante dos dados é necessário situar historicamente a condições sob as quais as mulheres foram submetidas para compreender a origem da violência.  “Vivemos em um sistema que é racista, capitalista e patriarcal. São essas ideologias que estruturam todas as nossas relações e como estas se desenvolvem no cotidiano, ainda que não nos seja visível e consciente a todo tempo”.

Assim, a reprodução destes comportamentos, mediada pela mídia, na propagação de imagens e discursos racistas, machistas, lgbtfóbicos e misóginos, continua a tornar “natural” todas essas violências. “Nesse sistema que tem como padrão hegemônico de poder o homem, branco, heterossexual, chefe da família, nós mulheres sempre somos vistas sob a ótica de objetos, e a lógica da objetificação fica ainda muito mais grave quando olhamos para a condição da mulher negra, pobre, da periferia, da mulher negra lésbica, bissexual, transgênero, que tem marcada em seu corpo a história da escravidão.”

Ela também reforça os inegáveis efeitos das relações estabelecidas no período da escravidão, que se arrastam até hoje e permeiam a existência de milhões de brasileiras. “Você sempre vai encontrar a maioria de pessoas pretas, pobres e moradoras das periferias nas cidades, e não se pode achar que isso ocorre à toa, ou mesmo porque essas pessoas não se esforçaram suficientemente diante de oportunidades de sucesso, quando até pouco mais de 100 anos atrás as mesmas eram tratadas objetos vendidos para senhores, brancos, da casa grande, e nunca tiveram sequer a oportunidade de serem tratadas como seres humanos.

Por isso, a luta contra o racismo, da violência contra as mulheres e em especial contra as mulheres negras deve ser encarada como uma tarefa que compreenda como os conceitos de etnia/raça, gênero, orientação e identidade sexual estão imbricados à perspectiva da luta de classes, já que o capitalismo refuncionaliza todas as formas de opressões específicas, de forma a utilizá-las para aumentar ainda mais o ganho de poucos empresários.

Assim, segundo Nainana, pensar nessas lutas articuladas dentro da realidade que vivemos no estado de Mato Grosso, o estado representante do agronegócio, é imprescindível à sobrevivência de nós mulheres negras, uma vez que a elite latifundiária, que detém em massa o poder e os lugares de representação do poder público estaria interessada somente em manter seus privilégios privados. Ou seja, em todas as decisões de âmbito público pouco ou nada se importam com políticas públicas que venham, ainda que paliativas, tentar garantir direitos a nós mulheres, negras e negros, LGBTs.


“É fato que nós somos parte de uma geração que nasce em um mundo de individualismo cego, de imposição dos modos de viver, pensar e amar, de uma relação predatória entre os seres humanos e a natureza, de exploração e retirada de direitos, de guerra as drogas e aos pobres e de extermínio da juventude negra, mas não é porque nascemos neste mundo assim organizado que aceitaremos isso como natural! E como modo de resistência continuaremos lutando pela implementação e consolidação de políticas públicas que façam valer nossos direitos, conquistados com muita luta organizada, pela discussão de gênero nas escolas, pela equidade de gênero, e pela construção verdadeira de uma sociedade que busque a emancipação humana”, finaliza.

Atendimento às vítimas de estupro e denúncias

Em ato contra a cultura do estupro realizado no último ano, a titular da Delegacia da Mulher, Jozirlethe Criveletto, defendeu a humanização do atendimento às vítimas, focando principalmente na capacitação de profissionais que possam ouvi-las sem julgamentos. “Nós vivemos uma cultura patriarcal, na qual a premissa neste tipo de crime é a de duvidar da mulher. Por esse motivo, como já pudemos acompanhar, muitas tem medo de procurar ajuda por conta da possibilidade de ser responsabilizada.”

A delegada também destaca a importância dos exames periciais e da profilaxia, já que os casos também oferecem o risco de contaminação por doenças sexualmente transmissíveis. “A vítima de violência sexual que nos procura é prontamente atendida e, se no momento em que aconteceu o fato ela não se sentir bem para dar alguma declaração, ela será encaminhada diretamente ao serviço de psicologia, que faz esse primeiro atendimento. A partir daí ela será encaminhada ao serviço médico.”

Deste modo, por sua especialidade, a delegacia funciona como uma rede de enfrentamento à violência contra a mulher. “A delegacia se torna então a porta de entrada para que a vítima obtenha os outros encaminhamentos que a situação exige”, explica.

As denúncias de violência doméstica podem ser feitas em qualquer delegacia, com o registro de um boletim de ocorrência, ou pela Central de Atendimento à Mulher(Ligue 180), serviço da Secretaria de Políticas para as Mulheres. A denúncia é anônima e gratuita, disponível 24 horas, em todo o país.

Enfrentamento

No total, funcionam no Estado 15 Unidades Especializadas de Atendimento (UEA), o que representa uma taxa de 0,94 unidades para cada 100 mil mulheres residentes aqui, mais uma vez, número inferior à média nacional, de 1,03 unidades especializadas para cada 100 mil mulheres. De acordo com o Senado Federal, para enfrentar o problema, entidades, governamentais ou não, receberam da União, desde 2006, recursos da ordem de 4,7 milhões de reais (em valores atualizados referentes a novembro de 2016).

A quantia, paga por meio de convênios firmados com a Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), correspondem a R$ 2,94 por mulher residente no estado no período analisado. Esse valor é inferior à média nacional de repasses da União, por mulher, no mesmo período (R$ 4,19).

Contudo, segundo a pesquisa,mesmo que a União houvesse destinado ao estado do Mato Grosso recursos por mulher semelhante aos destinados a outras unidades federativas, o valor de pouco mais de R$ 4, por mulher, nos mais de dez anos, provavelmente é pouco representativo se comparado a recursos provenientes de outras fontes que o estado dispõe para a área. Os valores seriam destinados a pagar, por exemplo, a manutenção das estruturas de delegacias, dos centros de atendimento, das casas-abrigo, ou o pagamento dos salários de agentes públicos ou privados necessários ao funcionamento dessas unidades.

 

 

 

 

Publicação Original: MT tem taxa de feminicídio maior que média nacional; negras e pardas são maiores vítimas

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