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Veja publicação original: ‘Minha filha era uma criança alegre e falante’
Você está acostumado a ler aqui sobre a indústria automobilística. Hoje, peço licença para contar a história da Priscila*
O texto a seguir aborda violência contra a mulher.
Minha filha, hoje com dez anos, era uma criança alegre e falante. Desde muito pequena ela vivia com meus pais. Seu pai foi embora logo depois de ela ter nascido e eu, na época com 17 anos, não tinha condições financeiras de cuidar dela. Mas todo final de semana ela passava comigo.
Há um ano, notei que ela estava calada, ficava trancada no quarto e parecia assustada. Depois de muito insistir, ela contou que meu cunhado – marido de minha irmã que vive com sua família no andar de cima da casa dos meus pais – vinha fazendo coisas que ela não gostava e que a faziam chorar.
Disse que frequentemente sua prima de seis anos, filha do meu cunhado, a chamava para brincar em sua casa e, chegando lá, ele passava a mão em várias partes de seu corpo. Ela começou a chorar e não quis contar mais nada. Falei então com uma tia, que foi buscá-la em minha casa e a levou para passear e, com jeito, conseguiu que ela contasse mais coisas. Fiquei horrorizada e revoltada.
Do seu jeito, e com muita dificuldade, ela disse que o tio, que tem 40 anos, a obrigava a fazer sexo oral, com a própria filha assistindo e que as duas eram ameaçadas caso contassem para alguém. As ameaças passavam por não levá-las mais para passear, não levá-las mais ao McDonald’s e até que as mães ficariam muito bravas e as deixariam. Que elas nunca mais as veriam.
Nesse mesmo dia eu e minha mãe fomos com ela à uma delegacia do nosso bairro e fizemos boletim de ocorrência. Fomos orientadas a levar minha filha para fazer exames e meu cunhado foi intimado, mas chegou à delegacia com advogado e, passado um ano, ele segue solto. Minha irmã não acredita na história e continua vivendo com ele.
Eu, meu atual marido, meus dois outros filhos, meus pais e minha filha mudamos de cidade, fomos para o interior. Nos primeiros meses a menina seguiu entristecida, falando pouco, não querendo sair de casa. Trabalho como manicure e conseguimos atendimento gratuito com uma psicóloga. Agora, na nova casa e na nova escola, ela está começando a ficar mais animada, mas percebo que ela amadureceu antes do tempo. Já não é mais uma criança, muitas vezes age mais como uma adolescente e sabe o que aconteceu com ela.
Eu me sinto culpada por não ter podido ajudar minha filha, que passou por tudo isso quando tinha apenas nove anos. E sinto uma revolta muito grande por nada ter acontecido com ele e tenho medo de que ele faça o mesmo com a própria filha.
Os policiais e o delegado que me atenderam sequer recolheram o celular dele, onde certamente tinha provas, pois minha filha disse que ele mostrava fotos e vídeos sobre as coisas que ela deveria fazer. Em relação a eles, me sinto como se não fosse ninguém: fui pedir ajuda e bateram a porta na minha cara.
Entender o tamanho do problema é urgente e diz respeito a todos nós. Informe-se, apoie e denuncie. Outras colunistas do Estadão também cederam seus espaços. Leia mais histórias aqui. #DeUmaVozPorTodas
*O nome foi trocado para preservar a identidade da vítima.
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