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Brigadeiro afirmou não confiar em relato feito por denunciante contra coronel, acusado por outras cinco militares mulheres
O membro mais graduado do colegiado que absolveu um coronel da acusação de assédio sexual contra seis oficiais mulheres citou o “histórico” de uma das supostas vítimas para colocar em dúvida seu relato sobre o caso.
A avaliação sobre o comportamento da vítima sem relação com o fato em julgamento contraria, segundo especialistas, recomendação do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) sobre políticas de gênero.
O brigadeiro Álvaro Marcelo Alexandre Freixo integrou o Conselho de Justiça formado também por três coronéis (sendo uma mulher) e um juiz federal civil. O colegiado absolveu por 4 a 1 o coronel José Arnaldo do Nascimento, ex-comandante do GAP-DF (Grupamento de Apoio ao Distrito Federal).
De acordo com o Ministério Público Militar, as vítimas relataram que o coronel, chefe de uma unidade em Brasília, fazia “abraços inconvenientes, apertos de mãos diferenciados e ‘pegajosos’, toques no queixo, nos braços e nos seios, com a desculpa de ‘ajeitar’ a tarjeta de identificação”.
A maioria do conselho entendeu não haver provas de que o coronel tinha como objetivo, com suas atitudes, obter “favorecimento sexual” das vítimas, requisito imposto na lei para a configuração do assédio. Durante a sessão, porém, os membros do conselho criticaram a conduta do oficial. O Ministério Público disse que vai recorrer da decisão.
As principais denúncias foram feitas por uma tenente temporária, que relatou constantes abordagens constrangedoras do coronel. Os comentários e toques, segundo o relato da militar, se tornaram mais acintosos durante uma carona solicitada pelo oficial. Ele teria acariciado a coxa dela próximo à virilha de forma prolongada.
Ao proferir seu voto, o brigadeiro, integrante mais graduado do conselho, disse que essa tenente temporária tinha um histórico que não lhe passava confiança.
“Ela tem um histórico que não lhe permite, não me dá confiança de dizer de fato… Nesse momento a gente trabalha também baseado nos autos e na nossa experiência profissional. Quando a gente vê determinados fatos, a gente consegue extrair daí: ‘Será que isso é confiável ou não?’ Talvez por isso que estejamos julgando. No caso da tenente, não senti confiança”, disse ele.
Freixo não mencionou a que episódio se referia ao proferir seu voto. A defesa do coronel Arnaldo afirmou que a tenente tinha um histórico de avaliações baixas e buscou retaliar o acusado antes da iminente dispensa do serviço –militares temporários podem ficar nas Forças por oito anos, mas dependem de renovação anual.
Ministério Público contestou essa versão, afirmando que a oficial tinha bom desempenho profissional até o ano em que relata ter sofrido assédio sexual, quando passou a apresentar problemas emocionais. Apontou ainda que, mesmo com as dificuldades, foi elogiada por outros superiores após o caso.
Para a advogada Gabriela Manssur, ex-promotora que atua em casos de defesa da mulher, os comentários sobre a vida pretérita da suposta vítima contraria recomendações do CNJ e decisões do STJ (Superior Tribunal de Justiça).
“Não há possibilidade de se analisar a vida pretérita de uma vítima para avaliar os casos presentes. A vítima não tem que se defender de nada. Se temos mais de uma vítima, mais razão deve ser levado em consideração a palavra dessa mulher”, disse ela.
A defesa do coronel alegou que as vítimas articularam as denúncias em razão de investigações conduzidas pelo acusado sobre a gestão anterior do GAP-DF. O próprio brigadeiro, porém, refutou essa tese em seu voto.
As demais denunciantes também afirmaram terem sido alvo de comentários invasivos e toques indesejados atribuídos ao coronel.
Freixo afirmou que os depoimentos lhe davam certeza de que o coronel tocou de forma inapropriada as colegas de trabalho. Mas disse não ter segurança em apontar uma intenção de “favorecimento sexual” por parte do coronel.
“Eu não tenho dúvida de que houve constrangimento. Eu não tenho dúvida de que o réu tocou, passou a mão. Não tenho dúvida que mexeu na tarjeta. Isso na frente de todo mundo. Será que isso de fato é uma obtenção de favor sexual? Eu fiquei com dúvida”, disse ele.
“Num palanque, numa formatura. Ele acariciou. Era com esse intuito, de favor sexual?”, questionou, antes de votar pela absolvição do réu.
O caso do coronel Nascimento passa a integrar a lista de absolvições e arquivamentos de acusações por assédio sexual contra oficiais superiores da FAB (Força Aérea Brasileira).
Outro coronel também foi denunciado sob acusação de assédio e importunação sexual no período em que atuou em uma unidade no Rio de Janeiro.
O inquérito foi aberto a partir de uma denúncia anônima que relatava os comentários feitos pelo oficial sobre o corpo de uma tenente. Chamada a prestar depoimento, a militar confirmou o relato.
Ela disse que, numa oportunidade, o coronel a segurou pelo antebraço para dar dois beijos no rosto como cumprimento, mas, ao se aproximar, tentou beijar sua boca.
O oficial da FAB, ainda na ativa, chegou a ser denunciado em 2022, mas a acusação não foi recebida. Os fatos caracterizados como assédio sexual haviam ocorrido em 2017, tendo prescrito (prazo para apresentação de denúncia) em 2021. A acusação por importunação sexual também não foi acolhida porque o crime só foi tipificado em 2018, após a tentativa de beijo relatada.