Saiu no site UNIVERSA
Veja publicação original: Me chame pelo meu nome: pessoas trans contam problemas ao usar nome social
.
Por Camila Brandalise
.
Uma pessoa trans, que se reconhece como sendo de outro gênero que não aquele com o qual foi identificada no nascimento, normalmente muda de nome em seu processo transição, para que o nome tenha a ver com a sua aparência. Esse é o chamado nome social, aquele que ela escolhe para si.
.
Muitas vezes, essa pessoa possui uma documentação onde consta seu nome de registro, o antigo. Ou então, mesmo possuindo documentos com o nome novo –que podem ser feitos em qualquer cartório, segundo decisão de março de 2018 do STF (Supremo Tribunal Federal) –, há quem continue sendo desrespeitado.
.
No caso da estudante Beatriz Pagliarini Bagagli, o constrangimento era em sala de aula, no momento da chamada, de uma faculdade pública. Depois de exigir a mudança junto à diretoria da instituição, ela conseguiu mudar seu nome no cadastro universitário, mas, antes disso, passou alguns meses respondendo à chamada por um nome masculino, com o qual não se reconhecia, mesmo tendo aparência e se entendendo como mulher.
.
Leia, abaixo, o relato de Beatriz e de dois homens trans:
.
.
“Professores faziam comentários constrangedores em sala de aula”
.
.
A doutoranda em letras Beatriz Pagliarini Bagagli consultou a secretaria da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) em 2012 para pedir que seus registros como estudante da instituição fossem alterados para o nome social, que ela usa atualmente. “Naquela época ninguém sabia como fazer isso”.
.
Beatriz, então, recorreu à letra da lei. Explicou que havia um decreto, assinado pelo então governador José Serra, em 2010, que exigia que pessoas transexuais e travestis fossem chamadas pelos nomes sociais nos órgãos públicos do Estado de São Paulo, mediante apresentação de um pedido. Se não fosse cumprido, seria aberto um processo administrativo para investigar a violação. Com isso, Beatriz conseguiu que seus registros foram alterados.
.
“Foram alguns meses de luta. Até então, os professores faziam a chamada e falavam alto meu nome de registro. Eu respondia, constrangida. Alguns chegavam a fazer comentários. Uma vez, um deles disse: ‘Nossa, não sabia que esse nome era feminino’. Outra professora ficava me perguntando: ‘Ué, mas qual a origem desse nome da chamada?’, como se tivesse algum problema, no meio da sala inteira. Eu ficava besta, sem nem saber o que responder.”
.
Procurada, a Unicamp informou, por meio de nota, que “repudia toda manifestação ou ato que implique em discriminação de qualquer natureza”. Afirma, ainda, que “desde novembro de 2012 oferece aos estudantes matriculados a opção de nome social” e que atualmente conta com 10 estudantes usando o nome social.
.
.
“Mesmo com minha identidade social, fui obrigado a sair do banheiro masculino”
.
.
Mesmo com o nome nome social reconhecido com um novo RG, o auxiliar contábil Gabriel Van Silva, de 30 anos, passou por uma situação de transfobia. Assim que fez a nova identidade, em janeiro deste ano, ele tentou usar um banheiro masculino de um shopping.
.
Já dentro da cabine individual, se assustou quando um segurança começou a bater na porta, com força, gritando para que ele saísse dali.
.
“Me vesti, saí e comecei a me explicar. Disse que fui ao banheiro masculino porque sou homem e mostrei minha identidade social”, afirma Gabriel. “Não adiantou. O segurança me deu um tapa na nuca, disse que eu não tinha pinto e que o documento não servia para nada”, diz. Logo depois, Gabriel procurou a administração do shopping e fez uma reclamação formal. “Falaram que iam verificar o caso, mas nunca entraram em contato comigo.”
.
.
“No hospital, falavam meu nome de registro alto, e todos olhavam para mim”
.
.
“Fiz o pedido para usar meu nome social em um hospital público, neste ano. Foi um processo complicado”, relata Kauê Machado Mendonça, de 24 anos, técnico de informática. “No começo, eu apenas pedi para a secretária do hospital me chamar de Kauê. Mas, na hora da consulta, falaram meu nome de registro, feminino, alto, no meio da sala de espera. Quando me levantei, foi aquele estranhamento das pessoas em volta, todas me olhando”, afirma.
.
“Depois da segunda consulta que me chamaram pelo nome feminino, voltei e levei um ofício da Defensoria Pública, em que constava a obrigatoriedade de eles usarem meu nome social”, diz. “E, agora, toda vez que tenho consulta, apresento esse documento.”
.
Kauê frequentava o hospital para consultas com um clínico geral, que depois lhe encaminhou para o endocrinologista especializado em terapia hormonal para transexuais. Agora, ele está em processo de retificação dos documentos. “Já levei tudo ao cartório e estou esperando uma nova certidão de nascimento. Até lá, exijo que me chamem pelo meu nome. É um direito meu.”
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.