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Martha Batalha: ‘Ainda falta muito para as mulheres brasileiras adquirirem direitos básicos’

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Veja publicação original: Martha Batalha: ‘Ainda falta muito para as mulheres brasileiras adquirirem direitos básicos’

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Por Renata Arruda

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Autora de ‘A vida invisível de Eurídice Gusmão’ fala sobre seu novo livro, a efemeridade da vida, feminismo e política.

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Há dois anos, Martha Batalha estreava na literatura com A vida invisível de Eurídice Gusmão (Companhia das Letras, 192 págs.), romance que trata sobre a opressão e invisibilidade as quais estavam sujeitas as mulheres na sociedade carioca. O livro caiu nas graças de editoras estrangeiras, conquistou os leitores brasileiros, foi finalista do Prêmio São Paulo de Literatura, e em breve irá virar filme nas mãos do diretor Karim Aïnouz (Praia do Futuro), com produção de Rodrigo Teixeira (Me chame pelo seu nome) e Gregório Duvivier no elenco. Na época, a autora me concedeu uma entrevista, onde falou sobre feminismoracismo e as ideias por trás da trama do livro.

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A escritora retorna agora com Nunca houve um castelo (Companhia das Letras, 248 págs.), cuja ambição é reconstruir a história de Ipanema através das vidas íntimas de alguns de seus moradores ilustres e outros tantos anônimos, partindo da memória há muito esquecida da construção de um pequeno castelo erguido no bairro carioca pelo cônsul da Suécia no início do século passado, hoje inexistente. “Achei a história fascinante, era tentador criar um universo a partir destas informações. Eu poderia associar o início do bairro à construção de um castelo, inventar personagens, construir a minha Ipanema”, conta a escritora que, em paralelo, aproveita para mostrar que na privacidade de suas casas, a mentalidade das famílias do bairro não era tão avançada quanto aquela vista pelas ruas.

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“Esta é uma das questões que o livro aborda. Como que as grandes transformações pelas quais o país passou, além das discussões sobre emancipação feminina e sexualidade, podem ser indiferentes para uma família de classe média, preocupada com questões como status, manutenção do casamento, aparências”, diz ela.

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Em uma conversa por e-mail, Martha Batalha falou sobre questões presentes em Nunca houve um castelo, como o cotidiano por trás das aparências e a relação entre empregadas domésticas e patroas, além de dar sua opinião sobre como enxerga a situação das mulheres hoje no Brasil.

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HuffPost Brasil: Durante a leitura de seu novo livro, lembrei de Elena Ferrante, que através da história das amigas Elena e Lila, expõe as transformações ocorridas na Itália durante o século XX, mas especificamente em Nápoles. No seu caso, o recorte é a Ipanema carioca, cenário onde a vida de múltiplos personagens se entrelaçam enquanto famílias alcançam a glória e entram em decadência, o país vive uma ditadura militar. Gostaria de saber qual foi o embrião que deu origem ao livro e por que Ipanema?

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Marta Batalha: Por muito tempo Ipanema foi a vanguarda do Brasil. Era onde estavam os artistas, músicos, escritores, jornalistas. Mas Ipanema também era o bairro das famílias brasileiras de classe média, e sempre tive a impressão de que as mudanças que se discutiam nos bares do bairro – principalmente a partir da década de 60 – não aconteciam dentro dos apartamentos. Esta é uma das questões que o livro aborda – Como que as grandes transformações pelas quais o país passou, além das discussões sobre emancipação feminina e sexualidade, podem ser indiferentes para uma família de classe média, preocupada com questões como status, manutenção do casamento, aparências.

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Em relação ao embrião do livro, nas minhas pesquisas sobre o bairro aprendi que no início do século passado o cônsul da Suécia no Brasil construiu um castelo de frente para a Praia de Ipanema. O castelo foi demolido e pouco se sabe sobre este cônsul, além do fato de ter vindo para o Brasil por causa de problemas de saúde da mulher. Achei a história fascinante, era tentador criar um universo a partir destas informações. Eu poderia associar o início do bairro à construção de um castelo, inventar personagens, construir a minha Ipanema.

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Na segunda parte do livro, enquanto há um clima efervescente de debates intelectuais, amor livre e luta política, no ambiente doméstico as relações não apenas parecem marcadas pelos conservadorismo, como também há um sentimento de frustração e um clima de decadência no interior de famílias bem-sucedidas economicamente. É correta a leitura de que o livro procura mostrar o que há por trás das aparências?

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Sim, correta! Na segunda parte do livro o leitor acompanha a vida de Estela e Tavinho (neto do cônsul que construiu o castelo na praia). Eles se casam, mudam-se para um apartamento no endereço correto e decoração impecável. Era tudo o que Estela desejava, mas ela vai entender, ainda no início da vida a dois, que nada é perfeito. O narrador leva o leitor para dentro do casamento de Estela e Tavinho, não poupa detalhes, apresenta as pequenas idiossincrasias familiares, os costumes e tradições.

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Conhecemos o ritual dos almoços de sábado com os pais de Tavinho, aprendemos que a sogra e a nora passam a tarde de frente para a TV assistindo a um programa de calouros, entendemos as interações da família com a empregada, babá, operários de uma obra. É o cotidiano, a vida que acontece, e os personagens não se questionam se são felizes, se esta é a vida que realmente desejam ter.

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A relação entre empregas domésticas e patroas é algo bastante presente em seus dois romances. Em Nunca houve um castelo, a impressão que tive de Dalvanise é a de uma figura estável e essencial que atua nos bastidores mantendo o funcionamento das coisas: limpando, organizando, servindo, acobertando, enquanto a vida dos patrões enfrenta seus abalos. Como você vê esta relação na sociedade brasileira?

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Não conseguiria retratar uma família brasileira sem citar este tipo de interação. A relação entre empregadas e patroas está presente em quase todas as famílias brasileiras, e por vezes envolvem cumplicidade e dependência. É instigante para um escritor pensar nas tantas variáveis desta relação. A empregada tem ao mesmo tempo um papel invisível e fundamental para o funcionamento da casa, termina sabendo de todos os segredos familiares, acompanha a evolução dos integrantes da família, em alguns casos por décadas. Também penso que é, geralmente, uma relação unilateral. A empregada sabe mais sobre aqueles para quem trabalha do que os patrões sabem sobre a família da empregada.

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Ao contrário do seu livro anterior, aqui a opressão feminina me parece acontecer de forma mais sutil, com mulheres que almejam o casamento e se conformam com o papel de boas esposas e mães. Mesmo assim, com o passar dos anos vemos aflorar uma espécie de consciência feminista em Estela, ainda que ela permaneça apegada à tradição. Em sua opinião, qual é a situação das mulheres hoje no Brasil?

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Como já foi dito antes, feminismo é humanismo. Então, por este ponto de vista, ainda falta muito para as mulheres brasileiras adquirirem direitos básicos. É também uma discussão complexa, que adquire diferentes níveis de acordo com as classes sociais. Para uma jovem de classe média recém-formada a luta é ter um emprego e ganhar o mesmo salário que um colega do sexo oposto. Para uma jovem moradora de favela a luta é ter informação para não engravidar aos 14 anos, ou ter recursos e segurança para denunciar um pai, marido ou namorado quando apanhar.

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Você utiliza muito da vida e dos fatos reais para criar suas histórias, de forma a conseguir convencer o leitor de que elas de fato ocorreram como está escrito. Eu gostaria de saber o quanto de sua própria vida está presente em suas histórias; qual das suas personagens está mais próxima da sua experiência?

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Ai, que pergunta difícil! 🙂

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Eu não sou a Estela, assim como não sou a Eurídice do primeiro livro, ou a Guida, irmã da Eurídice. Mas existe um pouco de mim em cada uma delas, e em tantos outros personagens, homens e mulheres, dos meus romances. Uma conselho muito comum nos cursos de escrita criativa é escrever sobre aquilo que se sabe. E eu me sinto segura para falar sobre o universo de classe média, por pertencer a ele.

 

 

 

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