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Veja publicação original: Marina Klink: “Não sou de esperar marido para trocar de carro ou de casa”
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Por Marina OIliveira
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Marina Klink, 54, estava no alto de um mastro, a 33 metros de altura, segurando em cabos para manter o equilíbrio enquanto fotografava barcos alinhados no mar, quando ouviu a frase que mudaria sua vida: “Marina, desce daí! Essas fotografias que você faz não servem para nada”.
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Quem gritava lá de baixo era o navegador brasileiro Amyr Klink, seu marido há 22 anos, que estava impaciente porque a mulher não parava de tirar fotos. Ela tinha pego gosto pela fotografia sete anos antes, ao embarcar em uma expedição para a Antártica com o companheiro e as três filhas, as gêmeas Tamara e Laura e a caçula Marininha, que tinham 8 e 5 anos, respectivamente.
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Fotograva para documentar a viagem, na tentativa de congelar os instantes especiais. E, por isso, a frase dita a 33 metros de distância machucou tanto. Mas também a transformou. Horas depois, ela voltou à embarcação decidida a dar um novo sentido para aqueles registros e para sua carreira. Marina era uma bem-sucedida organizadora de eventos sociais e empresariais. Aos 49 anos, contudo, se reinventou.
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Ao mesmo tempo em que realizava os últimos eventos, organizava as fotos de viagem para, um ano depois, publicar seu primeiro livro fotográfico. Depois, vieram exposições, novas viagens para registrar a natureza em regiões remotas (só para Antártica já foi 15 vezes), palestras e, este ano, lançará um livro infantil, para conscientizar as crianças sobre preservação ambiental.
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Nesta entrevista, Marina fala sobre o relacionamento com Amyr Klink e revela como era cuidar da casa e das filhas sozinha durante as viagens do marido.
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Foram 30 anos trabalhando com eventos. Quando decidiu mudar de carreira, como fez a transição?
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Foi muito rápido. Ao fim daquela viagem, voltei para São Paulo e coloquei o imóvel onde funcionava minha empresa para alugar. Dispensei as dez funcionárias que trabalhavam comigo e me mudei para uma sala comercial que o Amyr já tinha. Fiz isso em três meses. Entreguei todos os eventos com os quais eu já tinha me comprometido e, ao mesmo tempo, comecei a organizar as fotos das viagens. Um ano depois estava lançando meu primeiro livro de fotografias, “Antártica – A Última Fronteira”.
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Por que escolheu a fotografia?
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Entendi que eu tinha uma missão de compartilhar as experiências que eu tive o privilégio de ter. E chamar atenção para um mundo que está do lado de fora da janela de casa, para que as pessoas não se fechem apenas na tela do celular. As fotografias que eu tiro são instrumentos de conscientização da importância da conservação ambiental.
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Deu medo de mudar de carreira aos 49 anos?
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Não, eu estava bem consciente do que estava fazendo. E também não faria isso se não tivesse um conforto financeiro. Trabalhar 30 anos com eventos meu deu essa segurança. A renúncia da carreira se deu porque eu percebi que eu tinha um segundo tempo para viver. Hoje a minha receita financeira é uma consequência do meu prazer por viajar. Eu vendo imagens das minhas viagens que tive o prazer de desfrutar. Eu não vou mais atrás de ganhar dinheiro, mas de compartilhar minhas experiências. E o melhor, ainda recebo por isso.
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Sobre o que são suas palestras?
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Sobre a minha reinvenção, digo que é possível recomeçar. A satisfação de ter 50 anos e conseguir começar uma nova vida é muito legal. Esta é a fase mais produtiva da minha vida. Só este ano eu já lancei o jogo “Latitude 90° – O jogo dos polos ”, com a Estrela, e vou lançar dois livros em julho. Um se chama “O chamado do Sul”, será meu terceiro livro de fotografia, e o outro é meu primeiro livro infantil, chamado “Vamos dar a volta ao mundo?”. Aquelas fotos que não serviam para nada foram transformadas, pelo ilustrador [Gonzalo] Carcamo, em aquarela. Fiz um conteúdo sobre conservação ambiental e também de desenvolvimento emocional para as crianças, fala sobre medo, saudade, tristeza, tolerância. Meu objetivo é que seja adotado em escolas e usado por professores do Ensino Fundamental.
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A organização de evento é um trabalho invisível. Tirar fotos também, assim como as tarefas desempenhadas por uma mãe e pela mulher que cuida da casa. Como você encara essa invisibilidade?
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Eu pratico muito a invisibilidade, quero ser lembrada pelo meu legado. Sou influente sem ser notada. Não me importo em ser lembrada, mas sim em lembrarem da mensagem que eu passei. Quero que quando acaba uma palestra, as pessoas apenas lembrem daquilo que eu disse.
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Como foi o início do relacionamento com o Amyr?
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Nos conhecemos porque um cliente meu soube que ele tinha feito a travessia a remo do Atlântico Sul, em 1984, e queria ele numa palestra para a equipe de vendas. Encontrei o contato dele na lista telefônica e liguei. Ele tinha um cachê superacessível e não fez exigência alguma, recusou hospedagem, transporte e almoço. Disse que só precisava de um copo de água e de um microfone. A palestra foi um sucesso e eu passei a indicá-lo para outros clientes. Mas só fomos nos casar dez anos depois, após dois anos de namoro. Casei aos 30 anos, depois de alcançar algumas metas que tinha estabelecido para mim, entre elas, ter a minha própria casa.
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Nunca se incomodou com as viagens dele?
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Eu sempre fui a maior incentivadora das viagens dele. Acho bem estranho ter ele em casa, para falar a verdade. Eu conheci ele assim e nunca quis que fosse diferente. Eu deixo ele ir e quando puder ele volta. Ele sempre volta.
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Como era a sua vida nas ausências dele?
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Nunca fiquei parada olhando o relógio, sempre estive muito ocupada. E também não tinha expectativa do retorno, até porque ele nunca falava uma data que voltaria, ele avisava “eu volto no verão”. Eu não sou mulher que espera o marido para consertar o carro ou trocar de casa. Numa das viagens dele, quando ele voltou eu já tinha reformado o imóvel que morávamos e mudado de casa.
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Você também tomava as decisões sobre as filhas de vocês sozinha?
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Sim e só avisava ele depois. Troca de escola, por exemplo. E isso nunca foi motivo de briga. Era a nossa dinâmica. Eu escolhia o que era melhor para a gente e ele apoiava. Ele sempre adorou isso em mim.
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Sentia falta de ter uma companhia, alguém para beijar, para transar?
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A gente tem uma vida tão fora do padrão que é difícil falar sobre isso. Nas duas viagens mais longas, ele ficou fora por seis meses, mas nos organizamos para ter tempo para tudo. Temos um tempo longe, mas também tempo para sair só nós, para beijar, para viajarmos juntos. É como eu disse, ele vai, mas ele sempre volta.
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Como era o contato entre vocês durante as viagens dele?
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A nossa relação evoluiu junto com os meios de comunicação. Antigamente nos falávamos por rádio e depois por telefone satelital. Mas eu digo que eu era a única mulher que sabia onde o marido estava 24 horas por dia, porque dentro do barco tinha um rastreador de posição.
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Por que só depois de nove anos de casamento você quis viajar junto com ele?
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Queria preservar nosso casamento, é muito desgastante ficar dentro de um barco por tanto tempo com uma pessoa. Mas quando a Marininha tinha 5 para 6 anos eu decidi que teríamos de fazer uma viagem todos juntos. Cheguei nele e falei, “está na hora de elas verem onde você fica quando você some”. E foi nessa viagem que a Antártica deixou de ser uma vilã, aquela que levava o pai delas embora por tanto tempo, para se tornar uma aliada. Foi quando eu comecei a fotografar, para preservar aqueles momentos especiais.
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E foi realmente difícil ficar tanto tempo dentro de um barco em família?
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A convivência é muito intensa e não tem uma padaria para você ir, tomar um café e espairecer sozinha. Com o tédio, você começa a implicar até com a roupa que a pessoa usa. Já ficamos dois meses juntos viajando. É o limite. Mais do que isso fica tenso.
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Vocês nunca fizeram uma viagem para a Disney em família?
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Nunca. Elas quiseram, mas eu matei esse interesse logo. Falei que iríamos só depois de ir para outros lugares. Não é todo mundo que tem a sorte de conhecer lugares como a Antártica e a África do Sul, onde viajamos de carro e acampamos no [Parque Nacional] Kruger. A Disney qualquer dia que você for ela está lá, igual. A natureza muda o tempo todo.
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Qual ensinamento sobre relacionamentos você teve ao longo dessas duas décadas de casamento?
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É um exercício de paciência, de aceitação das diferenças. A tolerância é um dos grandes segredos do casamento, é preciso aceitar o outro como ele é, sem cobrar muito. Depende de cada um enxergar as diferenças como qualidade ou defeito. Hoje, por exemplo, vejo que o Amyr tinha razão… as fotografias não serviam para nada até eu fazer servirem para muita coisa.
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