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Veja publicação original: Lições do feminismo na internet
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Por Abel Reis
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A imensa maioria dos títulos recém-lançados da Netflix traz protagonistas femininas como heroínas e vilãs. Imagine o impacto disso em mulheres e meninas que raramente se viam em posição de destaque
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A indicação ao Prêmio Nobel de Literatura de 2018 foi cancelada em virtude de um possível escândalo sexual envolvendo integrantes da Academia Sueca. O evento acontecia religiosamente todos os anos desde a Segunda Guerra Mundial. A suspensão ocorreu – creio eu – menos por causa da suspeita em si – provavelmente existiram abusos antes – e mais porque em tempos de internet e feminismo em alta, o caso pode tomar proporções incalculáveis. Só para lembrar: segue firme e forte a campanha #MeToo, que ganhou visibilidade mundial durante o último Oscar.
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As plataformas digitais foram muito bem ocupadas por vozes femininas. Conta-nos a filósofa e feminista Djamila Ribeiro em seu livro O que é lugar de fala?: “Com todos os limites, o espaço virtual tem sido um espaço de disputas de narrativas, pessoas de grupos historicamente discriminados encontraram aí um lugar de existir. Seja na criação de páginas, sites, canais de vídeo, blogs”. Essa obra discorre sobre um conceito importante para entender o feminismo hoje e o ciberativismo de forma geral. Quem pode falar o que na rede?
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O lugar de fala defende que cada grupo, primeiro, reconheça sua localização social (gênero, etnia e orientação sexual), e depois fale por si mesmo. A ideia é que não há uma mulher (ou homem) universal e “neutra”, apta a pensar, se expressar e agir em nome de todas. O homem não representa a mulher, o homem negro não representa a mulher negra, a mulher branca não representa a mulher negra, o trans não representa o gay e por aí vai. Parece lógico, mas, na prática, raramente respeitamos essas diferenças.
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As mulheres negras – para seguir o exemplo retumbante utilizado pela autora – têm uma experiência de vida (histórica, social, econômica e cultural) específica. Para começo de conversa, seus antepassados foram escravizados e elas nunca foram tratadas como sexo frágil. Por isso, o feminismo articulado por uma mulher negra deveria ser distinto daquele praticado por brancas, indígenas ou lésbicas – e vale o contrário também. Os críticos consideram que esta abordagem divide e enfraquece as causas sociais. O fato é que a polifonia da rede está ensinando a porção dominante do mundo (homens brancos) a escutar em vez de monopolizar a discussão.
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E quem escuta pode mudar – seja por medo de denúncias e boicotes na web, para vender mais ou por consciência social genuína. No setor de Entretenimento, a transformação é evidente, com inúmeros lançamentos preocupados com questões de gênero. Não deve ser coincidência o fato de essa indústria ser alvo frequente de acusações de assédio sexual. É plausível a hipótese de que a crescente mobilização feminina via redes sociais contra abusos force a produção de conteúdos com mais espaço para as mulheres. E vice-versa.
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A imensa maioria dos títulos recém-lançados da Netflix traz protagonistas femininas como heroínas e vilãs. O clássico “Caça-fantasmas”, com quatro homens, lançou uma versão com quatro mulheres. O desenho infantil “Hora de Aventura” tem personagens que trocam de sexo. E as novas obras da Disney enaltecem princesas que salvam príncipes. Imagine o impacto disso em mulheres e meninas que raramente se viam em posição de destaque. Que possamos contar mais histórias assim. E, de preferência, histórias reais.
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