Saiu no site MIGALHAS
Mulheres em situação de violência têm direito, pela Lei Maria da Penha, a prioridade na matrícula ou transferência dos filhos para escola próxima, visando a segurança durante o ano letivo.
Apesar de não vivermos mais na pré-história ou na era medieval, infelizmente nos tempos de hoje, da tecnologia como a inteligência artificial, é comum que mulheres, para acabarem com o ciclo da violência, saiam dos lares para fugirem dos agressores, buscando um novo lugar para morar. Mulheres que precisam sair com os filhos possuem um segundo problema: retirar o filho da escola, pois o momento em que tal mãe levar e buscar o filho no colégio a deixará vulnerável para o agressor, mas o ano letivo já em curso, será que outra escola irá aceitar a matrícula da criança/adolescente?
Exatamente por problemas como esse que a Lei Maria da Penha possui dois artigos que dão o direito de a mulher em situação de violência matricular, com prioridade, ou transferir os filhos para instituição de educação básica mais próxima ao (novo) domicílio. A primeira pergunta é: o que é instituição de educação básica?
Segundo a Lei de Diretrizes da Educação Nacional (lei 9.394/96), art. 4º, I a educação básica é prestada a indivíduos dos quatro aos dezessete anos de idade, compreendendo da pré-escola até o último ano do ensino médio. É obrigação de todos os pais que seus filhos possuam ao menos a educação básica por força do artigo 229 da Constituição Federal.
Bem, mas o que diz a Lei Maria da Penha? Dois artigos irão versar sobre esse tema.
O primeiro artigo é o 9º, § 7º:
“Art. 9º A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no SUS, no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o caso.
§ 7º A mulher em situação de violência doméstica e familiar tem prioridade para matricular seus dependentes em instituição de educação básica mais próxima de seu domicílio, ou transferi-los para essa instituição, mediante a apresentação dos documentos comprobatórios do registro da ocorrência policial ou do processo de violência doméstica e familiar em curso.”
Fica claro que existe a prioridade na matrícula ou a transferência dos filhos para instituições de educação básica mais próximas ao domicílio.
O outro artigo da Lei Maria da Penha que trata desse assunto é o 23, V:
Seção III
Das medidas protetivas de urgência à ofendida
Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:
V – determinar a matrícula dos dependentes da ofendida em instituição de educação básica mais próxima do seu domicílio, ou a transferência deles para essa instituição, independentemente da existência de vaga.
Mas afinal, para quê dois artigos versando sobre o mesmo assunto em uma mesma lei, não seria algo desnecessário? Um só entre os dois não resolveria o problema?
No § 7º do artigo 9º a mulher, para ter o filho matriculado ou transferido, precisará entregar cópia do registro de ocorrência ou cópia do processo, e o responsável pela escola deverá respeitar a lei.
Mas e se a escola não aceitar o registro de ocorrência ou a cópia do processo e, consequentemente, não respeitar a lei, o que a mulher deve fazer, chamar a Polícia?
Não é o caso de chamar a Polícia, pois não se trata de crime ou contravenção penal, mas sim de colher provas de que o colégio não está aceitando a matrícula e buscar o Poder Judiciário. Poderia ser com o mandado de segurança, em até 120 dias após o colégio negar o direito, ou com a ação ordinária após esse período, entretanto é muito mais célere e específica a utilização de uma medida protetiva de urgência, medida esta prevista no inciso V do artigo 23 da Lei Maria da Penha (Sim, diferente do artigo 9º, o artigo 23 é uma medida protetiva de urgência). É direito da mulher de não querer uma medida protetiva de urgência, daí a importância do artigo 9º, § 7º, entretanto na falta de entendimento dos responsáveis pela escola a saída é a ordem judicial prevista no artigo 23, V e, não sendo tal ordem respeitada pela escola DAÍ SIM SERÁ O CASO DE LIGAR PARA A POLÍCIA POIS SE TRATARÁ DO CRIME DE DESCUMPRIMENTO DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA, crime este previsto no artigo 24-A da Lei Maria da Penha.
E se o agressor for a todas as escolas da cidade e perguntar se o filho está matriculado em tal local?
Exatamente por isso o artigo 9º no parágrafo seguinte, o oitavo, prevê que os dados da mulher e dos alunos matriculados/transferidos sejam sigilosos, podendo ser acessados somente pelo juiz, Ministério Público e órgãos competentes do poder público.
“§ 8º Serão sigilosos os dados da ofendida e de seus dependentes matriculados ou transferidos conforme o disposto no § 7º deste artigo, e o acesso às informações será reservado ao juiz, ao Ministério Público e aos órgãos competentes do poder público.”
Poderia a mãe responder pelo crime de subtração de incapaz, previsto no artigo 249 do Código Penal?
CÓDIGO PENAL
Subtração de incapazes
Art. 249 – Subtrair menor de dezoito anos ou interdito ao poder de quem o tem sob sua guarda em virtude de lei ou de ordem judicial:
§ 1º – O fato de ser o agente pai ou tutor do menor ou curador do interdito não o exime de pena, SE DESTITUÍDO OU TEMPORARIAMENTE PRIVADO DO PÁTRIO PODER, TUTELA, CURATELA OU GUARDA.
Percebe-se que mesmo sendo pai a pessoa poderá responder por tal crime, não citando o artigo a mãe, o que afasta dessa a culpabilidade e, consequentemente, a possibilidade de responder criminalmente. Caso o pai possua a guarda unilateral, a guarda compartilhada ou até mesmo não haja definição judicial sobre a guarda, e também tal pai não tenha perdido anteriormente o poder de família (antigo pátrio poder) ou a tutela ou a curatela, não poderá então o pai ser responsabilizado criminalmente.
Poderia a mulher em situação de violência perder o direito ao patrimônio deixado para trás, por abandono do lar, ao encerrar o ciclo da violência? Nesse caso NÃO, pois o abandono do lar não ocorreu de forma voluntária, mas sim por motivo de força maior que é o de preservar o direito a própria vida e segurança, direitos esses inclusive invioláveis segundo o artigo 5º da Constituição Federal, lei maior da nação. O Código Civil diz no artigo 1.573, IV que o abandono do lar deva ser VOLUNTÁRIO e, como dito, não é o caso.
Para a maior garantia de que não haverá qualquer contato entre a mulher e o acusado, tal vítima pode ainda solicitar as medidas protetivas de urgência contidas no artigo 22, III, “a”, “b”, “c” e inciso IV de tal artigo da Lei Maria da Penha, assim o acusado não poderá se aproximar e nem se comunicar com a ofendida e com o filhos, além de ser tal acusado ser proibido de frequentar determinados lugares (como a casa da vítima e colégio dos filhos), além de ser proibido de visitar os filhos, nesse último caso o juiz ouvirá o aconselhamento da equipe multidisciplinar. Para que a mulher em situação de violência e filhos não fiquem desamparados, tal mulher pode solicitar alimentos provisórios ou provisionais também como medida protetiva de urgência.
LEI MARIA DA PENHA
“Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:
III – proibição de determinadas condutas, entre as quais:
aproximação DA OFENDIDA, DE SEUS FAMILIARES e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;
contato com a OFENDIDA, SEUS FAMILIARES e testemunhas por qualquer meio de comunicação;
frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;
IV – restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;”
V – prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
Não havendo bens a serem divididos, o juiz da vara de violência doméstica poderá ainda realizar o divórcio ou dissolução da união estável a pedido da ofendida, segundo o artigo 14-A, § 1º da Lei Maria da Penha. Se houver bens a serem divididos a competência será da vara de família (na maioria dos casos) ou da vara cível ou mesmo poderá ser realizado o divórcio em cartório nos limites da lei.
LEI MARIA DA PENHA
“Art. 14-A. A ofendida tem a opção de propor ação de divórcio ou de dissolução de união estável no Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.
§ 1º Exclui-se da competência dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher a pretensão relacionada à partilha de bens.”
Em caso de ser necessária a ação de divórcio em vara da família, a mulher em situação de violência terá direito a prioridade na tramitação, conforme dispõe o artigo 1.048 do CPC.
“Art. 1.048. Terão prioridade de tramitação, em qualquer juízo ou tribunal, os procedimentos judiciais:
III – em que figure como parte a vítima de violência doméstica e familiar, nos termos da lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha).”
A mulher em situação de violência pode solicitar ainda a medida protetiva de urgência do AUXÍLIO ALUGUEL, de tal forma o poder público terá que arcar, por até seis meses, o aluguel de tal Sra., LEMBRANDO QUE COMO SE TRATA DE UMA MEDIDA PROTETIVA DE URGÊNCIA SERÁ UMA DETERMINAÇÃO JUDICIAL.
“Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:
VI – conceder à ofendida auxílio-aluguel, com valor fixado em função de sua situação de vulnerabilidade social e econômica, por período não superior a 6 meses.”
Caso o motivo para ter deixado a casa seja o de a mulher ser vítima de crimes que deixem vestígios, como exemplos a violência física ou sexual, haverá a necessidade de tal mulher ser submetida ao exame de corpo de delito (IML), havendo para tal exame também prioridade para a mulher vítima de violência doméstica, familiar ou íntima de afeto conforme o artigo 158, parágrafo único, I do Código de Processo Penal.
“Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.
Parágrafo único. Dar-se-á prioridade à realização do exame de corpo de delito quando se tratar de crime que envolva:
I – violência doméstica e familiar contra mulher;”
Caso a mulher em situação de violência entenda que deva voltar para a casa com os filhos, mas não haja condições de residir com o agressor, poderá então solicitar a medida protetiva de urgência que é o afastamento do agressor do lar, além de outra medida protetiva de urgência que é a recondução de tal mulher e filhos ao domicílio, com fulcro nos artigos 22, II e 23, II da lei Maria da Penha.
“Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:
II – afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:
II – determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor;”
A proteção a mulher em situação de violência não é um favor do poder público, nós como sociedade não podemos tolerar que os direitos humanos de uma pessoa sejam violados e, nesse caso, pelo simples fato de ser mulher e querer viver sem violência.