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RESUMO
O que será ostentado neste referido trabalho de conclusão de curso não será nada novo, nem fácil de ser abordado e compreendido. O que trago aqui se faz necessário retirar as vendas, a maquiagem e olhar a realidade diante do nosso próprio nariz. Tudo soará familiar ou clichê demais, como preferir tachar. Esse clichê antigo já destruiu milhares de sonhos, famílias e mulheres, por tais motivos, ainda se faz necessário trazê-lo à tona. O propósito deste estudo é demonstrar a evolução da lei Maria da Penha no contexto da sociedade atual, bem como a necessidade da desconstrução do patriarquismo e do machismo estrutural que insiste em perpetuar no tempo. Neste sentido, traremos à pesquisa a história da mulher esperançosa e guerreira Maria da Penha Maia Fernandes, que sofreu durante anos em busca de justiça, bem como a necessidade do empoderamento feminino e da extinção do imaginário machista.
Palavras-chave: Violência contra a mulher, Lei Maria da Penha, Machismo, Preconceito.
INTRODUÇÃO
O pressuposto essencial à realização do estado democrático de direito é o princípio da igualdade, sem tal princípio é impossível construir uma sociedade plenamente fundada nos direitos humanos. Perante tal indagação, alvitramos este trabalho com o propósito de explanar sobre a história e criação da Lei Maria da Penha, o ciclo da violência contra a mulher e a evolução da lei 11.340/2006, assim como também a necessidade de desconstrução da mentalidade patriarcal que ainda insiste em perdurar na nossa sociedade.
A Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres nos esclarece em sua temática que no Brasil, o conceito de violência tem sido construído “como algo relacionado ao gênero, tendo como alvo o sexo feminino, com enorme fragilidade sociocultural”. Sendo assim, um fenômeno que atinge mulheres de diferentes classes sociais, origens, idades, religiões, estados civis, escolaridade, raças e até mesmo orientação sexual. (SEC. DE POL. PÚB. PARA AS MULHERES, 2011, online)
No dia 07 de agosto de 2006, deu-se início a uma nova era com o surgimento da lei 11.340/2006, lei esta que busca coibir atos de violência contra a mulher, punir seus agressores e fortalecer a independência das mulheres, bem como conscientizar a sociedade. Pois, h assim como enfatiza Figueiredo “antes disso não existia legislação dedicada exclusivamente a mulheres que estavam em situação de violência”. (FIGUEIREDO, 2014, online)
Por mais que ainda vivamos em uma sociedade marcada pela cultura patriarcal, pela qual subsiste o ideário de que a mulher está subjugada e submissa ao homem, que a mesma é mera criadora e cuidadora do lar, escrava doméstica, semi-incapaz, sexo frágil e protegida pelo companheiro, excluindo sua condição de sujeito de direitos e garantias, hoje temos não apenas uma lei criada especialmente para amparar aquelas que foram violentadas, mas também evidenciamos a evolução da mesma no passar dos anos.
A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios,” são responsáveis, cada um em sua esfera de atuação, na garantia do cumprimento e aplicabilidade da lei 11.340/2006”, como esclarece Figueiredo (2014, online). Nós, sociedade civil, também temos nosso papel quanto ao enfrentamento à violência doméstica, pois somos considerados parte da rede necessária para garantia e eficácia da supramencionada lei, não apenas dos movimentos sociais e da gestão pública.
Partimos do princípio de que o principal intuito do que aqui será trazido é priorizar as vítimas de violência doméstica que se sentem inseguras na hora de denunciar, seja por medo da repressão da sociedade ou por receio de perder o companheiro em decorrência da criação dos filhos ou mantimentos para os mesmos. Temos assim como objetivo da pesquisa, orientar aquelas vítimas de violência, induzi-las a acreditar na lei a qual vigora em favor delas e para elas, mostrar a evolução e os benefícios que a lei traz em seu escopo. A Secretaria Nacional de Enfrentamento a Violência contra as Mulheres (2011) cita que:
A sociedade está na posição de principais transformadores dessa realidade que tanto aflige a vida de milhares de mulheres. Divergentemente ao passado, hoje, após a criação e promulgação da Lei Maria da Penha, a vítima que sofre violência doméstica recebe amparo e segurança totalmente diferente daquela que antes pairava em nossa sociedade, quando a própria violentada era obrigada a entregar em mãos a intimação ao seu agressor (SEC. NAC. DE ENFRENTAMENTO A VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES, 2011, online)
Diante do panorama destacado, este estudo defende a necessidade contínua de informações que possam demonstrar não só o teor dos mecanismos de proteção da Lei Maria da Penha, mas também a execução e aplicabilidade destas inovações normativas que compõem o sistema de atendimento à mulher vítima de violência.
A pesquisa proposta, em seu contexto, não busca apenas enfatizar o quão importante o advento da lei se faz para as mulheres violentadas, mas também levar informações claras e suscintas acerca da Lei 11.340/2006, possibilitando esclarecer pontos que ainda trazem medo, insegurança e dúvidas às vítimas. Traremos também à pesquisa a história da saudosa Maria da Penha Maia Fernandes, bem como os institutos legais introduzidos pela lei a qual protagoniza, sua aplicabilidade e eficiência.
Consequentemente, com o presente projeto, espera-se contribuir para a desconstrução do senso comum de naturalização das práticas de violência, do imaginário machista que ainda insiste em perpetuar e para o desenvolvimento de um pensamento solidário em relação à mulher violentada, assimilando a complexidade desta forma de violação.
A pesquisa é de imensa relevância, tendo em vista que a violência doméstica atinge um grande número de mulheres em nossa sociedade. Além do mais, é nítida a necessidade de encorajar o sentimento de empoderamento feminino, expandir o diálogo e os debates acerca da violência contra a mulher nas escolas, nos ambientes de trabalho e principalmente no leito familiar, de maneira a impelir a não aceitação e a identificação de relações abusivas já existentes. Afim de banir-se o sentimento de insegurança que ainda assusta grande parte das vítimas que sofrem ou já sofreram algum tipo de agressão.
Contudo, a violência contra a mulher não pode continuar a ser aceita e tolerada como algo inerente ao ser humano, ao que o mesmo sofreu em seu passado, como forma de justificar a violência, como característica das relações naturais entre pessoas do sexo feminino e masculino que vive em eterna guerra.
Haja vista, a Lei nº 11.340/2006 chega para resgatar a cidadania feminina, na maioria das vezes menosprezada pela própria sociedade. Para o seu entendimento, como explana Figueiredo “é preciso que o intérprete mergulhe no seu conteúdo histórico, deixando a análise de forma crítica e dando ênfase à análise histórica, útil e prática” (FIGUEIRDO, 2014).
Além do mais, há também características intrinsecamente atreladas à imagem do homem, como a demonstração de força, de ser uma pessoa incisiva, determinada e corajosa. Já a mulher é vista como sensível, neutra, delicada, passiva; tudo o que reforça uma ideia de fraqueza. Essa imagem social, concebida pela maioria das pessoas como algo verdadeiro, reforça a ideia de superioridade do homem sobre a mulher. A ideia da submissão feminina é, pois, um dos motivos pelos quais as mulheres são tratadas com desprezo, discriminação e preconceito, surgindo assim a real necessidade Lei Maria da Penha no contexto da sociedade atual.
CAPÍTULO I – LEI 11.340/2006: BREVE HISTÓRICO E ASPECTOS SOCIAIS QUANTO AO ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER E A ESCRAVIDÃO FEMININA NA SOCIEDADE BRASILEIRA.
1.1 Por que Lei Maria da Penha?
Para explanarmos acerca da Lei 11.340/2006, é necessário fazermos algumas considerações quanto à história da protagonista que deu nome à lei. Maria da Penha Maia Fernandes, nascida no dia primeiro de fevereiro de 1945, cidadã brasileira, com naturalidade em Fortaleza, uma Farmacêutica Bioquímica cearense, formou-se na Universidade Federal do Ceará em 1966, mãe de três filhas, líder de movimentos de defesa dos direitos das mulheres, fundadora do Instituto Maria da Penha, escritora, palestrante e ainda assim, vítima de violência doméstica.
Em 1974, Maria cursava mestrado na Universidade de São Paulo, quando conheceu o colombiano Marco Antonio Heredia Viveros. Ele fazia pós-graduação em Economia na mesma instituição. Após 2 (dois) anos de namoro, casaram-se, tiveram três filhas e logo depois do nascimento das duas últimas filhas, conseguiu a cidadania brasileira, se estabilizou profissionalmente e economicamente, vindo a mudar completamente e assim se tornar alguém irreconhecível no leito familiar. Marco agora era intolerante, explosivo, agressivo e grosseiro, não só com Maria da Penha, mas também com suas três filhas. (PENHA, 2012, online)
Marco Antonio sempre fazia com que Penha se sentisse inferior a ele, iniciando suas agressões de forma psicológica, fazendo com que a mesma pensasse ser responsável por tudo aquilo que não fosse perfeito ou não se concretizasse na família. Com as mudanças de Marco e as violências por ele proferidas diariamente, pairaram em Maria da Penha os sentimentos de angústia, medo, insegurança e tensão. (PENHA, 2012, online)
Maria da Penha (2012) relata que no dia 29 de maio de 1983, ao nascer do sol, por volta das 06h00min da manhã, foi acordada abruptamente pelo estampido de um tiro disparado contra suas costas, pelo seu agressor e então marido. Tal agressão, cuja Maria tinha certeza do autor já no primeiro segundo após o disparo, deixou-a paraplégica. Após 4 (quatro) meses, Penha saiu do hospital e foi mantida em cárcere privado por 15 (quinze) dias. Durante esses dias de tortura foi quase eletrocutada por meio de um chuveiro elétrico danificado propositalmente pelo próprio companheiro.
Penha descreve em sua palestra ao TEDxFortaleza, em outubro de 2012, que Marco contou à mesma e aos policiais que assaltantes armados invadiram o domicílio do casal, assim baleando a vítima, mas não levando objetos e nem os bens do casal. Após investigações da polícia, Marco se tornou o principal suspeito de toda aquela trama traçada por ele, pois a cada novo interrogatório, o mesmo se contradizia e relatava fatos divergentes a aqueles do dia do crime.
Maria da Penha conta ainda que no dia do fato não tinha acontecido nada que justificasse uma agressão. Pelo contrário,
ele havia chegado de uma viagem (Marco dava cursos no Rio Grande do Norte e passava uma semana por mês fora de casa), saímos para visitar uma amiga minha que tinha tido filho. Na volta, coloquei as crianças para dormir e fui também para a cama. Ele continuou no seu escritório. Por volta das 6h do dia seguinte, acordei com um barulho muito forte e vi que não conseguia me mexer. Na hora, meu primeiro pensamento foi: Meu marido me matou. (PENHA, 2012, online)
Mas, foi somente em 1991, 8 (oito) anos após o crime, que aconteceu o primeiro julgamento de Marco Antonio, onde foi julgado e condenado a 13 (treze) anos de prisão pelos crimes que cometeu contra sua própria esposa, tendo sido posto em liberdade logo após um pedido de habeas corpus produzido por seu advogado e concedido ainda no mesmo momento, permitindo-lhe sair em liberdade pela porta da frente, a mesma pela qual Maria também saiu.
Maria da Penha (2012) ao ver tamanha injustiça pensou diversas vezes em pôr fim naquela luta por justiça, vindo a escrever seu primeiro livro, em 1994, cujo título se dava “Sobrevivi…posso contar” afim de contar sua história de dor e angústia. Em 1996, Marco passou por um novo julgamento no qual foi novamente condenado e mais uma vez foi posto em liberdade. A partir de então, sua voz começou a ser ouvida e sua dor a ser compreendida.
Em decorrência do que Maria da Penha Maia Fernandes foi obrigada a suportar ao longo dos anos de luta por justiça, a vítima buscou os órgãos internacionais protetores dos direitos humanos, que então levaram o caso à Organização dos Estados Americanos, a OEA, devido à omissão e negligência do Estado Brasileiro que não havia tomado uma postura cabível acerca do agressor, após tantos anos, mesmo diante dos fatos levado à tona por Maria e por todas as denúncias ofertadas pela mesma.
Após a intervenção dos órgãos internacionais, em 1998, e graças ao seu livro, os peticionários do Centro para a Justiça e o Direito Internacional, o CEJIL, juntamente com o Comitê Latino-Americano do Caribe para a defesa dos Direitos da Mulher, o CLADEM, e a vítima Maria da Penha Maria Fernandes, enviaram a petição contra o Estado Brasileiro, à Comissão Interamericanas de Direitos Humanos, com a teses de que o Brasil não cumpriu com os compromissos internacionais assumidos para o caso da violência doméstica sofrida por Maria. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA responsabilizou o Brasil por omissão, fundamentando a denúncia na violação dos artigos 1º, 8º e 25º da Convenção Americana dos Direitos Humanos.
Mas foi no dia 07 de agosto de 2006, 19 (dezenove) anos e 6 (seis) meses depois dos fatos, quando o crime estava a 6 (seis) meses de sua prescrição, que a Lei Federal Brasileira de nº 11.340 foi sancionada, vindo a vigorar no dia 22 de setembro do mesmo ano. Desde a sua publicação, a Lei 11.340/2006, a tão famosa Lei Maria da Penha, é considerada pela Organização das Nações Unidas, uma das três melhores legislações do mundo no enfrentamento à violência contra a mulher. (BRASIL, 2006, online)
Maria, transformou-se em uma ativista e defensora da violência contra a mulher. Vindo então a ser protagonista de uma das leis mais importantes do Brasil e tornando-se assim uma referência mundial do assunto, pois, hoje é um símbolo nacional da luta das mulheres contra a opressão e a violência. Foi a história desta Maria que mudou as leis de proteção às mulheres em todo o Brasil, vindo a dar esperança a tantas outras Marias por todo o país.
1.1 Sexo frágil ou forte?
A referida expressão sexo frágil é empregada à mulher como um todo. Ao usar a expressão supramencionada, subentende-se de maneira implícita que o outro gênero seja o sexo forte. Trata-se de uma afirmação evidentemente machista onde está diferenciação entre os sexos traz discriminação para com as mulheres.
Ligam o adjetivo frágil à figura da mulher por sua fraqueza física, onde fisiologicamente os homens são dotados de mais força, bem como a carência psicológica, onde a mente masculina tem maior desemprenho ao enfrentar situações de difícil superação, sobrando apenas o cenário de fragilidade para o gênero feminino, sendo vista como algo delicado e instável, já o gênero masculino como algo forte e decidido.
Tudo isso que foi citado não passa de criações históricas construídas como uma verdade absoluta e imutável. Com o passar dos anos ficou demonstrado que nessa teoria não há fundamento, pois, panoramicamente, em sentido fisiológico, a mulher está geneticamente pronta para o parto, onde exige da mesma muita força física.
Motorista, bombeira, pedreira, engenheira e policial são apenas algumas profissões que as mulheres, há alguns anos atrás, não faziam parte, pois acreditava-se que apenas os homens poderiam exercê-las com maestria. Na atualidade, são profissões e tarefas desempenhadas por qualquer tipo de gênero, uma vez que as mulheres vêm conquistando cada vez mais espaço.
A mulher, o sexo frágil, portanto, tem tido um grande desafio, no qual seja conseguir administrar o tempo e equalizar seu papel de mãe, esposa, estudante, profissional, cuidadora do lar e o mais difícil de todos, ser simplesmente mulher. A mulher traz consigo uma característica que é só dela, saber separar cada atividade e ao mesmo tempo, dedicar-se e exercer com qualidade todas elas. Enfrentar as diversas discriminações da sociedade e as barreiras impostas por um mercado de trabalho ainda preconceituoso é algo que continua sendo batalhado por elas.
Classificar a mulher como sexo frágil é um equívoco. Alguns argumentos para comprovar isto é que elas vivem mais do que os homens, elas já são a maioria nas escolas e universidades, estão cada vez mais presentes no mercado de trabalho e elas ainda têm uma jornada semanal superior à dos homens, ao se conjugarem as informações relativas às horas de trabalho dedicadas às tarefas domésticas com àqueles referentes à jornada exercida no mercado de trabalho e em seu ambiente profissional.
O número de famílias chefiadas por mulheres só aumenta. Como podemos ver, as mulheres têm se mostrado fortes o bastante para encarar os desafios propostos pelo mercado de trabalho com convicção e disposição, e ainda administrar o tempo a favor de suas atividades, para que as questões familiares não entrem em conflito com questões profissionais e sociais.
O que muitos tacham de fragilidade, para as mulheres, isso não passa de sensibilidade. Qualidade que é capaz de colaborar nas influências humanas que se tenta propagar na atualidade, pois o mundo passa por transformações rápidas e desastrosas que precisam de mudanças imediatas e a mulher consegue transmitir a importante e dura tarefa de mudar hábitos com a clareza e a delicadeza necessária para despertar o envolvimento de cada indivíduo.