Saiu no site FOLHA DE S.PAULO
Veja publicação original: Lei de importunação sexual completa 1 ano com 3.090 casos em SP
.
Demora na atualização de sistemas da Justiça e falta de conhecimento são desafios no combate ao crime
.
Por Júlia Zaremba e Paulo Gomes
.
É o que mostram dados da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo obtidos pela Folha por meio da Lei de Acesso à Informação. Para comparação, foram registrados no mesmo período 2.980 boletins de ocorrência de estupros no estado.
.
O número de registros de importunação sexual não necessariamente reflete a realidade, já que vítimas nem sempre optam por denunciar o crime, por medo ou descrença no Estado.
.
A demora na atualização de sistemas de registro e a falta de conhecimento da nova lei por agentes públicos e pela população são alguns dos desafios que transcendem a tipificação do crime.
.
A importunação sexual é a prática de ato libidinoso contra alguém sem consentimento; inclui tocar em partes íntimas de outra pessoa e roçar a genitália, se masturbar ou ejacular em alguém.
.
A punição prevista é de 1 a 5 anos de reclusão, mais dura do que aquela para homicídio culposo (sem intenção de matar), cuja pena é de 1 a 3 anos.
.
Antes da mudança na legislação, em setembro de 2018, condutas desse tipo costumavam ser enquadradas na lei de contravenções penais, que previa a importunação ofensiva ao pudor, revogada. A pena se resumia à assinatura de termo circunstanciado (com resumo dos fatos) e multa.
.
A comoção em torno de um caso de homem que ejaculou em uma mulher dentro de um ônibus na avenida Paulista, na região central de São Paulo, serviu como catalisadora para a aprovação da nova lei.
.
.
A demora na atualização dos sistemas para monitorar as novas modalidades de crimes, porém, é uma das dificuldades para se ter, hoje, um retrato preciso das ocorrências de importunação.
.
O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) incorporou a categoria “importunação sexual” em sua base de dados em dezembro de 2018. Já o TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) incorporou o código para compilar os casos apenas em junho deste ano.
.
O órgão paulista registrou 67 prisões em flagrante, 52 ações penais, 16 inquéritos policiais e 5 medidas protetivas de urgência ligados à importunação sexual no estado de São Paulo desde outubro de 2018. Nos quatro primeiros meses de vigência da lei, não houve registros.
.
A juíza Camila de Jesus Mello Gonçalves, assessora da presidência do TJ-SP, afirma que, agora, o órgão está habilitado a monitorar os casos e que em junho de 2020 será possível ter levantamento mais preciso.
.
“O fato de ter poucos casos registrados não significa que não acontece”, diz. “Fazer lei é rápido. Incorporar novas práticas, descrições e códigos é um pouco mais demorado.”
.
Quando houver panorama claro sobre o desfecho que a Justiça deu a denúncias será possível medir os impactos da nova lei, diz a socióloga Wânia Pasinato, especialista em violência contra a mulher. Por ora, diz, há mais questões em aberto do que conclusões.
.
“Falar de aumento de denúncia é parcialmente importante porque quer dizer que as pessoas, pelo menos, conhecem a lei”, diz. “Mas, se não damos resposta à denúncia, acabamos levando ao descrédito da própria lei.”
.
.
A advogada Gabriela Biazi, da DeFEMde (Rede Feminista de Juristas), analisou 82 processos no TJ-SP disponíveis ao público que continham o termo “importunação sexual”.
.
Boa parte tratava de tentativas de abrandar penas para crimes de estupro de vulnerável (menores de 14 anos) ao pedir a reclassificação da conduta para importunação sexual, cuja pena é menor. A pena para estupro de vulnerável é de reclusão de 8 a 15 anos.
.
“Não há um consenso, embora o entendimento majoritário seja de que não se pode aplicar importunação sexual [a menores de 14 anos]”, diz ela. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça diz que não é possível realizar essa desclassificação do crime.
.
Outro desafio é a melhoria na estrutura de atendimento às vítimas e a capacitação dos agentes públicos que vão atender as mulheres, de policiais a assistentes sociais.
.
“É importantíssimo que o primeiro atendimento seja qualificado, com um profissional preparado. Aquela resposta [do agente público] pode ser determinante para ela [vítima] nunca mais procurar ajuda”, afirma Silvia Chakian, promotora integrante do Gevid (Grupo de Enfrentamento à Violência Doméstica, do Ministério Público).
.
Presidente do Sindpesp (sindicato dos delegados de São Paulo), Raquel Gallinati diz que todos os policiais civis recebem treinamento e são preparados para registrar crimes contra a mulher.
.
Segundo Pasinato, a importunação e outros tipos de violência de gênero exigem capacitação permanente dos profissionais. A especialista diz que as instituições precisam rever práticas para adotar uma forma de atender vítimas com mais qualidade.
.
A tendência é de que novas tecnologias também auxiliem no combate a essas ocorrências. Em Fortaleza, um botão de denúncia integrado ao aplicativo Meu Ônibus pode ser utilizado por vítimas e testemunhas para produzir provas.
.
Após o alerta, o sindicato local das empresas de ônibus tem até 72 horas para enviar as imagens das câmeras de segurança para a Polícia Civil.
.
Com base nas informações compiladas pela tecnologia, batizada de Nina, a Prefeitura de Fortaleza conseguiu mapear pontos de ônibus e terminais mais críticos e estabelecer ações nesses lugares.
.
O projeto-piloto deve se expandir para outras cidades, segundo sua criadora, Simony César. Municípios como Cuiabá e Sorocaba (SP) negociam implantar o sistema. “O objetivo é mapear casos de assédio e influenciar políticas públicas para que o transporte seja seguro para mulheres.”
.
Também é necessário promover a conscientização da sociedade civil, especialmente daqueles que testemunham crimes, diz a delegada Renata Cruppi, da DDM de Diadema. Ela orienta que as pessoas do entorno acompanhem a vítima à delegacia e que ajudem a descrever características do agressor à autoridade policial.
.
Para Chakian, já houve um amadurecimento da sociedade nesse sentido, após casos que pautaram o debate público e a nova lei. “Antigamente as pessoas [testemunhas] olhavam pro outro lado. Hoje cada vez mais se tem notícia de pessoas que repudiam, tomam partido, vão chamar a segurança”, exemplifica.
.
.
PERGUNTAS E RESPOSTAS SOBRE A LEI DE IMPORTUNAÇÃO
.
O que é importunação sexual? É a prática de ato libidinoso contra alguém, sem consenso. O crime está previsto na lei 13.718, sancionada em setembro de 2018
.
Como era antes da lei? Ações desse tipo eram geralmente enquadradas na lei de contravenções penais. A punição era apenas o pagamento de multa
.
Qual a pena prevista? De 1 a 5 anos de reclusão, se o ato não constitui crime mais grave. A título de comparação, a pena para homicídio culposo (sem intenção de matar) é de 1 a 3 anos de detenção
.
Quais atos se enquadram na categoria? “Roubar” um beijo; tocar nos seios, na genitália ou nas pernas de alguém sem permissão; roçar a genitália em outra pessoa sem consentimento; se masturbar ou ejacular em uma pessoa
.
Cantadas indesejadas também são consideradas importunação? Proferir palavras vulgares e pejorativas a alguém sem anuência tende a ser considerado injúria
.
O que mais a lei prevê? Institui o crime de divulgação de cena de estupro; torna pública incondicionada (que não depende da vítima) a natureza da ação penal dos crimes contra a liberdade sexual; e aumenta a pena para estupro se for coletivo e corretivo (para controlar o comportamento da vítima)
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.