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Ju Rangel: A designer que faz da arte uma ferramenta de guerrilha feminista

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Veja publicação original: Ju Rangel: A designer que faz da arte uma ferramenta de guerrilha feminista

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“O feminismo fez com que eu gritasse cada vez mais como as mulheres da minha família são incríveis”, disse a artista, em entrevista ao HuffPost Brasil.

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Quem viaja para a Chapada Diamantina, mesmo que fique nas cidades mais hypadas como Lençóis ou no distrito de Palmeiras, o Vale do Capão, dá um jeitinho de dar um pulo na BA-131 – especificamente no município de Itaetê. O motivo é o seguinte: o Poço Encantado, famoso pelas suas águas cristalinas e incidência de luz que criam um espetáculo azul surreal. O que não é sabido por aqueles que lá se aventuram, no entanto, é que a localidade nos presentou com mais um tesouro, que pode não ter adjetivo no nome, mas fascina tanto quanto qualquer paisagenzinha que nos entorpece.

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Ju Rangel veio de lá para Salvador aos 10 anos, junto à irmã mais velha, para viver no apartamento dos avós, no bairro de Pernambués, periferia da capital baiana. A mordomia foi possibilitada pela mãe, Dona Ninha, que permaneceu sozinha no interior tocando a farmácia da família, e mandando, mensalmente, comida e dinheiro para as duas. “A gente não tinha grana o suficiente para nada, era tudo muito contado, mas se ela conseguisse pagar o nosso colégio, para ela era o suficiente”. A expectativa de todos os quais deixou, era de que ela se tornasse médica ou advogada, as chamadas “profissões de verdade”. Imaginem a surpresa em casa quando ela informou o curso escolhido: design.

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“Minha mãe quem sempre me incentivou a fazer essas coisas manuais. Eu tinha maquininhas de tricô, maquininhas de fazer todo tipo de coisa.”

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JUH ALMEIDA/ESPECIAL PARA O HUFFPOST BRASIL
Foi aos 27 anos que Ju Rangel, finalmente, se percebeu como artista visual — e pretende usar isso como ferramenta feminista.

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“Eu não quero lhe dar cesta básica! Não vou te sustentar depois que você se formar!”, disse Ninha ao saber da decisão. O que a matriarca não se dava conta, no entanto, é que tem mais do que um dedo de culpa nessa escolha – bom, ela e as demais mulheres que criaram Ju. “Minha mãe quem sempre me incentivou a fazer essas coisas manuais. Eu tinha maquininhas de tricô, maquininhas de fazer todo tipo de coisa. Eu fiz muita coisa artística guria por causa de minha mãe e por causa da Eliana (risos). A verdade é que as mulheres do interior sabem fazer tudo, elas são muito retadas nisso”.

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Bateu o pé, e fez a matrícula na faculdade de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia (Ufba). E como se diz em bom baianês, “se armou”. Logo no primeiro ano de curso foi convidada para estagiar na empresa de um colega; em seguida, trabalhou numa empresa de adesivagem, mas tudo ainda de maneira bem amadora; na terceira parada, no entanto, se encontrou. Ou melhor, foi encontrada. Começou a trabalhar com Aluísio de Sousa, a quem se refere como mestre, e descobriu finalmente como aplicar tudo que aprendia na faculdade. “Ele me ensinou a utilizar as ferramentas que poderiam me auxiliar a criar, como o Corel e outros programas – gente, eu não tinha computador em casa! Não sabia usar nem o Internet Explorer”.

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“Meu chefe queria propor uma sociedade comigo, me perguntava qual era realmente o meu ‘tesão no design’ e eu não sabia! Eu era uma criança, tinha 22 anos.”

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JUH ALMEIDA/ESPECIAL PARA O HUFFPOST BRASIL
Ju montou o estúdio criativo Moringa, que reúne em um só lugar as ferramentas para “dar um up” imagem dos clientes.

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A criatividade e a velocidade de Ju em preparar as peças para os clientes agradou e, ainda como estagiária, embolsava todo mês o salário de R$ 1.200 – em valores corrigidos pela inflação, o equivalente a mais de R$ 2.200. Ficou lá até se formar. Só que quando o peso do diploma bateu, se desesperou. “Eu entrei em crise. Meu chefe queria propor uma sociedade comigo, me perguntava qual era realmente o meu ‘tesão no design’ e eu não sabia! Eu era uma criança, tinha 22 anos. Fiquei muito pressionada e decidi sair”.

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Sem saber direito para onde ir, começou a fazer freela para uma empresa que organizava aniversários, capitaneada por um grupo de mulheres que parecia ter saído do reality show Mulheres Ricas, da Rede Bandeirantes. “Se a criança falasse: mãe, eu quero uma aniversário com o tema, sei lá, trator na piscina, lá ia eu desenhar essa joça. E elas me amaram, porque eu conseguia pôr no papel tudo quanto era ideia maluca que inventavam e ainda queria inovar, fazendo uma coisa fora da caixinha”.

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Em 2011, como o boom do Instagram e da publicidade nas redes sociais, decidiu tomar as rédeas da própria carreira e junto a uma amiga fotógrafa montou o estúdio criativo Moringa, que reúne em um só lugar tudo aquilo que uma empresa procura na hora de “dar um up” na sua imagem: fotografia, identidade visual, layout de sites, produção de conteúdo e repaginação do próprio espaço físico dos estabelecimentos – para “inquietar” as vistas.

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“A divisão era você, designer; eu, artista.”

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JUH ALMEIDA/ESPECIAL PARA O HUFFPOST BRASIL
A aproximação com o feminismo e com as artes fez com que Ju se voltasse cada vez mais para as suas raízes.

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E ainda assim, com várias paredes estampadas e ilustrações pensadas por ela, Ju ainda não enxergava como produção autoral aquilo que fazia; tampouco vislumbrava suas obras como objetos artísticos aquém de um mero produto mercadológico. Ela conta que aprendeu essa diferenciação na própria faculdade, apesar de os dois cursos – design e artes – dividirem o mesmo campus e até algumas matérias. “O que eu aprendi é que havia uma separação muito clara: o design era atrelado à tecnologia, aos softwares e aos hardwares, enquanto as artes se resumiam às clássicas técnicas de gravura, pintura e escultura. A divisão era você, designer; eu, artista”.

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O discernimento de que uma coisa não excluía a outra veio somente em 2016 – junto à crise dos 27 anos, explica. A itaetense recebeu um convite para participar, como artista, de um evento chamado justamente de ‘Insight’. “Eu não sei como eles me encontraram, porque eu não tinha produção autoral! Eu postava uma coisa ou outra no Instagram, mas era só de ‘gastação’. Uma menina da organização entrou em contato comigo e me chamou de ‘artista visual’. Eu disse que não era e ela teimou que era sim e ponto final. Eu então comprei a ideia”. A artista sem obra teve que criar, então, o que expor na feira. Fez mobiles, impressos, levou crochês da mãe… de tudo um pouco. E ela garante que é assim até hoje: “Comecei a fazer o que dava vontade de fazer só para ter o que expor nessas feiras, sabe? Para botar a minha cara no sol”.

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“O feminismo fez com que eu gritasse cada vez mais como as mulheres da minha família são incríveis.”

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JUH ALMEIDA/ESPECIAL PARA O HUFFPOST BRASIL
Entre os planos de Ju para o futuro está um mestrado em design, atrelado ao feminismo: afinal, como a arte pode contribuir para a igualdade?

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Lembram da Dona Ninha do início da história? Foi se reconhecendo como artista, que Ju passou a ver a mãe também como uma. A costura, ofício praticamente intrínseco à persona feminina no interior do Nordeste, antes encarado como um hobby, passou a ser visto como profissão: agora, além de expor junto à filha em feirinhas, Ninha faz trabalhos para marcas de roupas da capital e tem até um perfil no Instagram onde vende as obras. “Para ela ainda é difícil se entender como artesã, ela acha que é costureira, e não considera nem que é uma profissão. Ela é bem interiorana nesse aspecto, só começou a entender o que eu faço há uns dois anos. Mas não tem jeito, ela é muito boa no que faz. É como dizem: ela não tem ponto frouxo”.

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A aproximação com o feminismo e com as artes fez com que Ju se voltasse cada vez mais para as suas raízes e entendesse, de fato, que foram as mulheres de seu interior que a formaram. “O feminismo fez com que eu gritasse cada vez mais como as mulheres da minha família são incríveis. Você vê os homens muito fracos, dependentes. E ao mesmo tempo as mulheres comandando tudo. O problema é que a autoestima da geração das nossas mães é muito machucada, né? Elas não gostam umas das outras, do corpo delas, do corpo alheio… quem me formou feminista, num interior em que não se escuta falar dessa ideologia, foi a preguiça. Lá no interior, só o homem tem direito de ser preguiçoso”.

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“É difícil fazer revolução aqui, por isso eu quero fazer com que o design seja um instrumento de guerrilha.”

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JUH ALMEIDA/ESPECIAL PARA O HUFFPOST BRASIL
Atualmente, Ju expõe seu trabalho em feiras de arte em Salvador e tenta não desviar do foco seus planos para o futuro.

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Entre os planos de Ju para o futuro, está um mestrado em design, atrelado ao feminismo: um estudo de caso sobre como a arte por contribuir com as discussões da causa e mobilizar mais mulheres em Salvador, onde as passeatas não conseguem reunir mais de 200 pessoas. Sair daqui? Não por enquanto. “Nossa, tem muita coisa para resolver aqui. Eu não vou sair daqui para viver o problema dos outros. E, poxa, é muito difícil fazer revolução num lugar tropical, é um desafio fora do comum. Porque você tá estressado e vê o mar. Você tá puto e vai pro Porto da Barra (risos). É um lugar com outro ritmo, outro tempo. É difícil fazer revolução aqui, por isso eu quero fazer com que o design seja um instrumento de guerrilha”.

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Hoje, segura de si, e com a consciência de que faz muito mais do que um simples design de mercado, ela expõe muita coisa nas feiras as quais participa. Mas uma certa estampa serigrafada faz mais sucesso entre todas outras. A adaptação do salmo 23, traz como protagonista um dos reis do lamento sertanejo que, assim como ela, refazenda e refavela: “Gil é meu pastor e tudo se transformará”. Acho que o baiano de Tororó não ficaria admirado se eu começasse a trocar o nome dele por Ju nessa mesma frase.

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Ficha Técnica #TodoDiaDelas

Texto: Clara Rellstab

Imagem: Juh Almeida

Edição: Andréa Martinelli

Figurino: C&A

Realização: RYOT Studio Brasil

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O HuffPost Brasil lançou o projeto Todo Dia Delas para celebrar 365 mulheres durante o ano todo. Se você quiser compartilhar sua história com a gente, envie um e-mail paraeditor@huffpostbrasil.com com assunto “Todo Dia Delas” ou fale por inbox na nossa página no Facebook.

 

 

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