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Um workshop para agentes públicos em Brasília pretende aprimorar estratégias para superar os desafios enfrentados na denúncia, investigação e resolução de casos de violência contra a mulher no Brasil. A iniciativa é promovida pelo Instituto Avon. “As instituições têm que ter cuidado na formação dos profissionais que atendem as mulheres. Temos constatado a revitimização institucional, algumas falas que existem no meio que não têm como propósito agredir a mulher, mas que acabam agredindo”, disse o juiz titular do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do Distrito Federal, Ben-hur Viza.
Entre os exemplos de constrangimento às vítimas, o juiz citou frases como “A senhora aqui outra vez?”, “O que a senhora fez para ele te bater?”, “Por que a senhora não disse ‘não’”?, “Por que não saiu dessa relação?”, entre outras. “Essas perguntas transferem a culpa dos homens para as mulheres. A tendência é essa, os homens são poupados e as mulheres ficam no foco”, disse Viza.
Além disso, segundo o juiz, ao questionar o agressor sobre o porquê da violência à sua companheira, os agentes públicos dão oportunidades de justificativa para a agressão, quando não há. “Isso é muito danoso porque existe, por força do machismo, uma concepção masculina, dos homens agressores, de que eles não agridem a mulher, mas é como se eles aplicassem um ‘corretivo’”, disse. “Quando ele [o agressor] xinga outro homem, ele tem consciência que está praticando um crime. Mas quando é a mulher com a qual ele se relaciona, ele entende que a violência está implícita na autorização que ele tem de marido, de homem e de macho da casa”, destacou Viza.
Treinamento
O programa Respostas Eficazes à Violência Contras as Mulheres é realizado pelo Instituto Avon em parceria com a organização norte-americana de direitos humanos Vital Voices e quer formar multiplicadores e estimular os participantes a aprimorar seus conhecimentos sobre as necessidades das vítimas de violência. Em Brasília, o evento ocorre de 8 a 11 de maio. Também haverá edições em São Paulo e Fortaleza.
Segundo Viza, uma questão importante abordada no workshop é a dedicação dos agentes públicos no levantamento de novas provas, a fim de que o processo não fique baseado apenas no relato da mulher, para que ela não se sinta a grande responsável pelo agressor ser preso e penalizado. “Esse é um dilema. A mulher foi vítima da agressão e vai sendo transformada pelos familiares e pela sociedade na grande culpada”, disse o juiz. Segundo ele, a formação das crianças e adolescentes, o trabalho de conscientização e desconstrução do machismo é primordial.
“Estamos agora ensinando para os meninos que mulher não gosta de apanhar. Há esse falso conceito, de que quando ela apanhou e continua com mesmo homem é porque gosta. Não. Uma mulher às vezes não leva esse processo adiante porque ela é vítima desse machismo e desse condicionamento cultura”, ressaltou.
O evento reúne agentes públicos, policiais, promotores, defensores públicos, magistrados federais e estaduais, psicólogos, assistentes sociais e representantes de organizações sociais e governamentais que atuam na defesa das mulheres.
Pesquisa
Nesta quarta (9), durante o workshop, os debatedores discutiram os resultados da pesquisa Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil, realizada pelo Datafolha a pedido do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e divulgada em março deste ano. Os dados revelaram que apenas 11% das mais de 24 milhões de mulheres que sofreram violência em 2016 buscaram ajuda do sistema de justiça brasileiro e 52% não fizeram nada.
O levantamento foi feito entre os dias 11 e 17 de fevereiro deste ano com 2.073 pessoas, sendo 1.051 mulheres. A pesquisa traz informações sobre a percepção da violência contra as mulheres e vitimização sofrida segundos os tipos de agressão, o perfil da vítima e as atitudes tomadas diante da violência. Um dos pontos mais alarmantes do estudo projeta que cerca de 503 mulheres são vítimas de agressões físicas a cada hora no Brasil e que dois a cada três brasileiros (66%) presenciaram uma mulher sendo agredida física ou verbalmente em 2016.
Segundo a diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira Bueno, a pesquisa tem dois papéis fundamentais: mensurar os indicadores que não chegam na polícia, das mulheres que não tem coragem de denunciar ou não acreditam na justiça; e alcançar outros tipos de violência, como a psicológica e o assédio em espaços públicos (na rua ou no metrô, por exemplo).
Para Samira, esse tipo de capacitação, como o oferecido pelo Instituto Avon, é importante para policias, promotores e juízes para que possam oferecer respostas que vão além do endurecimento penal. “Já fomos capazes de criar legislações para dar resposta a vários fenômenos de violência contra mulher, como a Lei Maria da Penha e, mais recentemente, a Lei do Feminicídio. E, para além disso, tem o aspecto anterior, o da prevenção, que passa pelo processo educacional, de mudança cultural e de conscientização das próprias mulheres do que é violência.”