Saiu no site BBC
Veja publicação original: Incapacidade de sentir prazer, o sintoma muitas vezes ignorado da depressão
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Por Renata Turbiani
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Ir para a praia, tomar uma cerveja com os amigos, sair para dançar, ler um livro, fazer compras… para muita gente, essas são atividades extremamente prazerosas.
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Porém, para uma parcela cada vez maior da população, nada disso tem graça. É o caso da biomédica Alice (nome fictício), de 40 anos. Diagnosticada com depressão em 2005, ela convive com um de seus sintomas mais difíceis, a anedonia, caracterizada pela perda significativa ou incapacidade de sentir prazer em atividades que antes eram consideradas agradáveis.
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“Sempre fui estranha. Na adolescência tinha meus momentos de ficar sozinha, trancada no quarto. Mas as coisas começaram a se complicar quando chegou a hora de decidir qual profissão escolher e, depois, qual especialização fazer. Nada me atraía ou me dava satisfação, e a situação piorou de vez com o fim de um relacionamento. Naquele momento eu definhei. Não saia do quarto, só me alimentava porque minha mãe levava a comida e tomava banho porque me carregavam. Meu celular ficou quase um ano desligado”, conta.
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Com a ajuda de uma psiquiatra, Alice conseguiu se levantar. Assim, concluiu a faculdade, arrumou emprego, teve outros relacionamentos e até se casou, mas a amargura, a tristeza e a falta de prazer nunca a deixaram.
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“Preciso de medicamentos e, quando tentei parar de tomá-los para engravidar, foi um inferno. Fiz isso porque meu marido queria ter filhos. Mas como fiquei péssima sem os remédios e crianças nunca estiveram nos meus planos, desisti. Isso implicou no fim do casamento e em mais angústia e desespero.”
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Sem saber o que fazer, Alice tentou o suicídio.
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“Acabei sobrevivendo, mas não tenho vontade de sair da cama, de viver. Perdi o desejo e o prazer por tudo.”
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O que é anedonia?
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Citada pela primeira vez em 1896 pelo psicólogo francês Théodule-Armand Ribot, a anedonia atinge, segundo o psiquiatra Luiz Scocca, membro da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e da Associação Americana de Psiquiatria (APA), cerca de 70% dos pacientes com depressão. E os números da doença são altíssimos. No mundo, ela afeta 322 milhões de pessoas.
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Já no Brasil, 11,5 milhões (ou 5,8% da população) – só na capital paulista, estima-se que 18% dos moradores já tiveram um episódio. Os dados são da Organização Mundial da Saúde (OMS).
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“A anedonia é o sintoma nuclear da depressão. É um problema complicado e que varia de intensidade de acordo com a gravidade do transtorno. Isso significa que o paciente pode perder o prazer por uma coisa específica e que sempre gostou muito, como escutar música e comer, ou por todas”, explica.
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O médico relata ainda que essa condição inibe os comportamentos saudáveis, fundamentais para uma vida plena e feliz.
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“Com ela, a pessoa deixa de se relacionar com os outros, mantendo um isolando social, e passa a ter mais pensamentos negativos”, acrescenta.
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O que também ocorre é que ela se torna indiferente consigo mesma, não tendo apego por nada e nem ninguém. O indivíduo parece estar emocionalmente vazio ou “congelado”, sem sofrer alterações de humor, independentemente do que aconteça ao seu redor. E nem sempre ele se dá conta disso – em muitos casos, são os familiares que observam e fazem o apontamento.
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Tendo grande impacto na qualidade de vida, a anedonia ainda provoca uma sensação de desconexão com o mundo e, o que é pior, eleva o risco de suicídio, vide o ocorrido com Alice.
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“Se o problema não for tratado logo e de forma eficaz, as chances de o depressivo atentar contra sua própria vida sobem consideravelmente, assim como de surgirem doenças associadas e abuso de substâncias entorpecentes. São fatores que vão se acumulando”, analisa o psiquiatra da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein, Alfredo Maluf Neto.
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Apesar de não haver dados efetivos sobre a relação entre a falta de prazer e o número de suicídios, é importante destacar que eles têm aumentado de forma assustadora. A OMS informa que são cerca de 800 mil por ano, o que significa uma morte a cada 30 segundos no mundo. No Brasil, a cada 100 mil pessoas, 6 se matam anualmente, dado que o coloca como o oitavo país com mais óbitos autoprovocados em números absolutos.
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Causas
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A anedonia nunca vem sozinha. Normalmente, é acompanhada de desânimo, cansaço, fadiga, apatia, diminuição de energia e dificuldade de concentração. E, apesar de ser o sintoma central para o diagnóstico da depressão mais severa, também pode acometer usuários de drogas e álcool, sobretudo durante as crises de abstinência, e quem sofre de esquizofrenia, neurastenia, Mal de Parkinson, câncer, estresse pós-traumático, distúrbios alimentares e transtornos de ansiedade.
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Ao contrário do que muita gente pensa, ela não ocorre apenas em adultos, podendo se dar também em crianças e adolescentes, e é mais comum em mulheres. Mas o que causa exatamente esse problema? Scocca comenta que a origem exata ainda não é totalmente conhecida.
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“É uma questão neurobiológica, e o que sabemos por enquanto é que está associada à diminuição da atividade no circuito de recompensa do cérebro.”
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Seu surgimento também parece estar ligado ao aumento da atividade na região frontal do córtex pré-frontal, que, dentre outras funções, controla a inibição das respostas emocionais, e aos baixos níveis de dopamina, importante neurotransmissor responsável pelas sensações de bem-estar e prazer.
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Tratamento
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Por ser um sintoma, e não um transtorno propriamente dito, a anedonia obrigatoriamente precisa ser tratada junto com a doença. No caso da depressão, antes de mais nada, explica a psiquiatra Doris Moreno, do Programa de Transtornos do Humor do Instituto de Psiquiatria (IPq) da Universidade de São Paulo (USP), é necessário identificar o grau (leve, moderada ou grave) e o tipo.
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“As depressões são heterogêneas e multifatoriais, por isso não existe um tratamento único. Fora que o que funciona para uma pessoa não necessariamente será bom para outra. No entanto, de maneira geral, o que propomos é o uso de fármacos, podendo ser antidepressivos, estabilizadores de humor e ansiolíticos, associados ou não a terapia”, descreve.
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Na busca pelo controle da enfermidade, a médica também considera importante cuidar do sono e ter uma rígida manutenção da rotina, incluindo aí boa alimentação, atividade física constante e momentos de lazer.
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Junto a isso, é fundamental a colaboração da família e dos amigos.
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“Não se pode forçar o deprimido a fazer as coisas ou então ficar procurando culpados e justificativas para o que ele está passando. Este é o momento de apoiar, entender e acolher, caso contrário, seu quadro geral só tende a piorar. Depressão é um problema grave e muito prevalente, mas que pode sim ser revertido”, complementa a especialista.
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Técnicas de relaxamento e respiração, meditação, como a mindfulness (atenção plena), acupuntura e massagens também são alternativas recomendadas na atualidade, pois ajudam a acalmar a mente, diminuindo os pensamentos negativos, dão mais disposição e proporcionam a melhora da saúde como um todo.
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