Saiu no site R7:
Especialistas de diferentes áreas criticam entendimento de que vítima é culpada pelo abuso
Para 67% da população brasileira, as mulheres sofrem violência sexual porque os homens “não conseguem controlar seus impulsos”. Outros 34% afirmam que a violação acontece porque as mulheres “provocam” os agressores. Os dados são da pesquisa “Violência Sexual — Percepções e comportamentos sobre violência sexual no Brasil”, divulgada nesta segunda-feira (12).
A ideia de culpar as mulheres pela violência que sofrem foi duramente criticada pelas especialistas ouvidos pelo R7.
Procurada para comentar a pesquisa, realizada pelo Instituto Patrícia Galvão e pela empresa Locomotiva, a psicóloga e psicanalista Lola Andrade afirma que há dois tipos de agressores. Para ela, justificar o assédio como algo impulsivo não é a realidade para a maior parte das ocorrências. É imprescindível saber separar o que é doença do que não é.
— Nós temos casos de pessoas que possuem uma patologia ou um caso psicótico. O paciente pode ter essa tara e ter um impulso que não consegue controlar. Mas existe outro tipo de agressor que não possui patologia, para quem a prática da violência está ligada à cultura do machismo e da impunidade.
Lola também aponta que, quando o caso é de um paciente com problemas psicológicos, todos ao redor conseguem perceber que os impulsos não são referentes apenas à violência sexual, mas sim a todas esferas da vida pessoal e profissional. A especialista explica que o sistema capitalista também pode ser um potencializador de práticas criminosas contra o corpo da mulher.
— Nós vivemos em um momento sociocultural e econômico em que é possível atrelar a questão da violência ao próprio sistema capitalista. Hoje, as pessoas “podem tudo” e a conjuntura faz com que a sociedade pense que a violência sexual acontece por um impulso do homem.
Impunidade
Para a promotora de Justiça Gabriela Manssur, considerar que os impulsos justificam os abusos é uma percepção inconsistente. A especialista também é participante do Grupo de Atuação Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica do Ministério Público de São Paulo e tem uma participação atuante no combate à violência contra a mulher.
— É muito mais um aspecto cultural. O homem é criado em uma sociedade machista em que a mulher é constantemente objetificada.
Além disso, a promotora defende que, de todos os casos de violência sexual de que teve conhecimento, nenhum deles poderia ser justificado pelos “impulsos masculinos”. Segundo ela, os homens tendem a ter comportamentos diferentes das mulheres já que são eles que geralmente as assediam nas ruas, quando o contrário é muito mais raro.
—Existe uma diferença biológica entre homens e mulheres ou é cultural? Eu nunca peguei caso de homens maiores de 18 anos que tenham sido estuprados. Só de homossexuais em que a violência foi aplicada como forma de corretivo pela sexualidade.
Lola reforça que a impunidade tem um grande papel na violência sexual contra a mulher. Segundo ela, se houvesse medidas punitivas mais fortes contra esse tipo de prática, com certeza os agressores “conteriam melhor os impulsos”. A especialista explica que, quando um homem violenta sexualmente uma mulher, além de uma estrutura machista por trás do ato, há um forte desrespeito e uma ideia de superioridade sobre a mulher.
— Dizer que é um impulso é uma análise rasa da situação.
Publicação Original: “Impulso masculino” pode terminar em estupro? Entenda o que está por trás dessa ideia