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Veja publicação original: Ideologia de Gênero, ensino de gênero e violência contra mulheres e pessoas LGBT
A desigualdade de gênero é uma realidade, mas não é justificativa para atitudes que venham, com base em imposições ideológicas, a ferir direitos daqueles que sequer podem se defender
Com a notícia da vinda da filósofa norte-americana Judith Butler ao Brasil para palestrar em evento que o Sesc Pompeia vai promover entre os dias 7 e 9 de novembro, manifestações públicas de repúdio identificaram a Teoria Queer, criada por Butler, com a Ideologia de Gênero – combatida nos planos nacionais, estaduais e municipais de educação no país. Isso escancarou um cenário de mútuas agressões entre grupos que defendem a livre manifestação da pensadora pós-estruturalista e quem a coloca como porta-voz de ideias que ferem direitos de crianças e adolescentes, fazendo alguns conceitos essenciais se perderem no meio do caminho, o que, não raramente, permite certa falta de senso crítico de quem opta por uma ou outra posição.
Primeiramente, é importante ressaltar que Ideologia de Gêneronão se confunde com estudos ou ensino de gênero. De fato, a categoria analítica “gênero” surge a partir da década de 1960, nos estudos da História, Sociologia, Psicologia Social, Direito, entre outros, como forma justamente de diferenciar o sexo biológico daquilo que seriam os papéis sociais de homens e mulheres. A partir daí, fundamentalmente, começou a se revelar o que era ser homem e ser mulher na sociedade, em cada época da civilização, e como eram necessárias determinadas transformações sociais para que os dois tipos de sujeitos atingissem igualdade de direitos.
A importância da categoria gênero a transformou em um termo utilizado por diversas legislações nacionais e internacionais, e isso muito anteriormente à discussão sobre os planos de educação no Brasil. Por exemplo, a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) prevê, em seu art. 8º, VIII e IX, a responsabilidade conjunta entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios na implementação de ações que tenham como diretrizes “programas educacionais com a perspectiva de gênero (…); o destaque, nos currículos escolares à equidade de gênero” (destaque nosso).
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A Teoria Queer, uma entre as diversas teorias sobre gênero hoje existentes, acabou por se projetar com a seguinte marca (explicada aqui de maneira absolutamente simplista): “o sexo como um efeito do gênero”, e não o contrário. Critica-se a anterior diferenciação e concebem-se ambos – sexo e gênero – como construções sociais, discursivas, históricas, alteráveis. Isto pôs em discussão a determinação biológica, genética e anatômica de homens e mulheres. Movimentos em todo o mundo entenderam que o uso dessa teoria, ou o que foi compreendido dela, pode vir a comprometer direitos de crianças, uma vez que a elas estaria sendo imposta, ideologicamente, a não diferenciação entre os sexos.
A desigualdade de gênero é uma realidade. Os altos índices de violências contra mulheres e integrantes da comunidade LGBT são indiscutíveis, principalmente quando praticadas no âmbito doméstico e familiar, o que fortalece o papel da escola na prevenção desses crimes. Por esse motivo, legislações destinadas à proteção de direitos humanos obrigam a inclusão, nos currículos escolares, de temas de igualdade de gênero entre homens e mulheres e da não discriminação em virtude de orientação sexual ou identidade de gênero (comunidade LGBT). Isso não deve significar a imposição de uma Ideologia de Gênero, supostamente baseada na complexa Teoria Queer, e a desconsideração do sexo biológico desde a certidão de nascimento de bebês. Também não deve provocar explicações incorretas a determinadas faixas etárias, gerando mal-estar psicológico em crianças. Finalmente, não é justificativa para atitudes – de pais, professores e outros profissionais que atuam na área da infância e juventude – que venham, com base em imposições ideológicas, a ferir direitos daqueles que ainda sequer podem se defender.
O debate deve ficar em aberto. A filósofa Judith Butler tem direito de proferir suas palestras em ambientes acadêmicos, sem censura ao seu pensamento. Pais, professores, médicos e outros profissionais da saúde, operadores do Direito, todos da sociedade devem estar atentos à boa resolução dessa equação: não inibir o ensino com a perspectiva de igualdade de gênero e respeito às diversidades de grupos minoritários e oprimidos, mas não permitir que determinados discursos sirvam como fundamento para violações de direitos fundamentais de crianças e adolescentes.
*Promotora de Justiça com atuação no Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Proteção aos Direitos Humanos Ministério Público do Paraná