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Hora de avançar com as sufragistas

Saiu no site FOLHA DE S.PAULO:

 

Veja publicação original: Hora de avançar com as sufragistas

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Por Eugenia Moreira

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No dia 8 de março deste ano, eu estava em Madri. Com uma foto de Rosa de Luxemburgo colada no casaco, participei da maior manifestação feminista da Europa no dia da mulher. Uma greve parou o país com adesão de mais de cinco milhões de pessoas. Mulheres e homens. Ali, no meio das ruas lotadas, já bem tarde da noite, fotografei três mulheres de cabeça branca com cartazes pedindo igualdade.

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Nasci nos anos 50 e lembro das meninas da minha rua, na Gávea, bairro da zona sul do Rio de Janeiro, me chamarem para brincar de Sissi, a imperatriz austríaca imortalizada no cinema por Romy Schneider. A brincadeira acontecia todas as tardes, mas eu nunca participava. Não sabia nada sobre a imperatriz, seus lindos vestidos, penteados e palácios. Nunca assisti a nenhum dos filmes, considerados péssima influência pela minha família. Em casa, sozinha e emburrada, lá vinha minha avó me consolar: ”suas amigas elegeram uma mulher egoísta da classe dominante, opressora dos mais pobres. Por que você não brinca de Bertha Lutz? Ou de Maria Lacerda de Moura?  “vó, ninguém sabe quem são essas”, respondia desanimada.

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Essas duas eram muito populares lá em casa. Sufragistas de primeira hora, assim como minha avó Noemia e a outra avó, de quem herdei o nome, pertenceram à Federação Brasileira para o Progresso Feminino, criada em 1922 e dirigida por Bertha Lutz.

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Minha mãe, hoje com 91 anos, lembra da mãe dela se arrumar toda para ir às manifestações pelo voto feminino, de lencinho no pescoço, chapéu e aquelas bolsinhas típicas da rainha da Inglaterra.

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A luta sufragista no Brasil tem quase um século.  A primeira mulher a ter um título eleitoral foi Celina Guimarães Viana, em 1927. Um título solitário, conquistado na justiça do Rio Grande do Norte. A partir daí, mulheres de todo o país começaram a se unir e ir para as ruas exigir o direito de eleger seus representantes.

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Drummond tem um poema em homenagem à Mietta Santiago, uma mineira que também foi à justiça, um ano depois de Celina, para garantir o direito de votar em si própria para o congresso nacional: “mulher votando? Mulher, quem sabe, chefe da nação? //a suspeita de que Minas endoidece, já endoideceu: o mundo acaba”

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Mietta não se elegeu e o mundo ainda não acabou, mas endoideceu bastante. As mulheres, que no Brasil só puderam votar a partir de 1932, estiveram no centro de uma enorme revolução, nos costumes e nas relações. Passaram a trabalhar em praticamente todas as áreas, ganhar dinheiro, comandar. Mas a participação na vida política ainda é mínima. E foi por isso que o STF fixou, este ano, em trinta por cento, os recursos do fundo partidário para o financiamento de candidaturas femininas.

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A primeira Eugenia Moreyra, também uma das líderes do movimento sufragista, foi candidata à deputada federal constituinte em 1945. Nenhuma mulher foi eleita e a nova constituição acabou por legitimar o poder de Vargas.

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Sem chamar tanta atenção, nem se candidatar a nada, minha outra avó, Noemia, sua amiga Maria Lacerda de Moura e muitas outras, aos poucos, transformavam as relações das mulheres com os homens, com o mundo. Em 1927, mesmo ano em que Celina Guimarães conquistava o direito de votar e um ano antes de Mietta Santiago se candidatar, Noemia Salles, de famÍlia quatrocentona de Campinas, dava à luz uma filha sem ser casada com o pai dela, Edgar Roquette Pinto. Um escândalo, com uma série de consequências que reverberam em nossa família até hoje. Ao seu lado, algumas primas também rebeldes e a amiga Maria Lacerda.

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Maria era anarquista, morou em uma comunidade agrícola “livre de escolas, livre de igrejas, livre de dogmas, livre de academias”. A comunidade foi reprimida e encerrada na ditadura Vargas. Sempre em defesa do voto feminino e da participação das mulheres na vida política, dizia: “enquanto não tiver liberdade intelectual e pensar por si própria, a mulher será instrumento passivo a favor das instituições do passado. E trabalhará pela sua escravidão.”

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Hoje, as mulheres deputadas são apenas dez por cento do Congresso Nacional. Claro que esse número precisa aumentar. E rápido, com urgência. Já ouvi o argumento de que ainda há muitas mulheres como as que Maria Lacerda descreveu, aquela que trabalha pela própria escravidão, com valores tortos. E há, claro, homens progressistas, que nos encaram como somos, com as mesmas capacidades. É verdade. Mas é obrigatório o Congresso Nacional refletir o fato de que as mulheres são, hoje, mais da metade da população do país.

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Bertha Lutz foi eleita deputada federal em 1936. Em seu mandato, propôs mudanças na legislação sobre o trabalho feminino, como a licença maternidade e a igualdade de salários e direitos. Em suas palavras: “a união faz a força. Mas também trás paz e torna possível a civilização”. Essa é a vitória profunda e real pela qual Bertha, Maria, minhas avós e suas amigas, lutaram por toda a vida.

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Luta que continua, nas palavras da procuradora-geral Raquel Dodge, “para completar o trabalho das sufragistas e garantir a igualdade que a constituição brasileira assegurou a todos, homens e mulheres neste país”.

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A mesma igualdade que pediam os cartazes das senhoras de Madri, no dia 8 de março deste ano.

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