Saiu no site REVISTA NOVA COSMOPOLITAN:
Veja publicação original: Histórias de mulheres que lutam contra a dependência do álcool
Por Maria Candida Luger
Mulheres contam como passaram pelo alcoolismo e como resistir ao primeiro gole.
“Comecei a beber na adolescência, em festinhas”
Marina*, 31 anos, médica, Pelotas (RS)
“No começo da faculdade, desenvolvi um transtorno de humor e comecei a usar medicação esporadicamente. De uns dois ou três anos pra cá, isso se intensificou e passei a fazer uso maior do álcool. Antes eu bebia na companhia de amigos, mas comecei a fazer isso sozinha. No começo eram duas latas de cerveja todos os dias, mas isso foi aumentando, virou uma garrafa de vinho, depois duas… Comecei a deixar de lado alguns compromissos, tudo pra ficar em casa bebendo. Me distanciei de algumas pessoas, porque marcava de sair e na hora já tinha bebido e não queria chegar bêbada. Chegou um momento em que não procurava mais ninguém.
Tinha conflitos familiares, fui dispensada de alguns empregos, me expunha a riscos, dirigia sob o efeito de álcool, às vezes em viagens longas. Comecei a beber de manhã, antes do trabalho, desrespeitava os pacientes, chegava atrasada.
Durante esse tempo, fui a alguns psiquiatras. Em outubro, conversei com um médico do meu trabalho e disse que não estava bem. Quiseram me afastar. Um pouco depois, tive minha primeira internação. De lá pra cá, foram algumas. Fiquei abstinente depois da segunda, mas saí perto das festas de fim de ano e tive uma recaída. Passei por momentos difíceis, cheguei a tomar álcool-gel com refrigerante em uma internação, fugi de uma clínica e da casa dos meus pais — que tentavam me ajudar —, me expondo a muitos riscos, cheguei a tentar suicídio. Para mim, foi muito difícil aceitar o que me aconteceu; também pela minha formação, as pessoas julgam muito. Ainda sinto muita vergonha de tudo que fiz.
Agora estou num regime de internação domiciliar, minha mãe está aqui, minha família é muito presente, ainda bem. Tem dias que estou mais otimista, mas há outros muito doloridos. Sinto falta do meu trabalho. Sempre fui uma das melhores na minha área, no trato com os pacientes. Mas poderia ter perdido meu CRM — dos males o menor. Estou indo bem, mas a caminhada é longa.”
“Sou alcoólatra em recuperação”
Ruth*, 59 anos, técnica de enfermagem, São Paulo (SP)
“Meu primeiro porre foi aos 15 anos, no Natal. Depois, ia para as festas com as amigas, e, enquanto elas paqueravam e conseguiam dançar sem a bebida, eu só conseguia bebendo. O tempo foi passando, virei técnica de enfermagem e entrei no serviço público numa maternidade, mas após três meses fui trabalhar de ressaca e uma colega percebeu. Fui ao psiquiatra e ele, além do tratamento, me indicou os Alcoólicos Anônimos. Estava com 24 anos.
Chegando lá, fui bem recebida, ouvi as histórias, mas não me identifiquei. A gente costuma dizer que é a doença do orgulho. Achei que não era pra mim e continuei a beber. Uns anos depois, parei na autossuficiência. Pensava que tendo mais um emprego pararia sozinha, consegui um e fiquei seis meses sem beber.
Em um copinho de champanhe voltei ao primeiro gole. Tive que ter meu fundo do poço pra aceitar. Aos 30 anos de idade, retornei para o AA. Hoje sei que o alcoolismo é uma doença que pega seres humanos independentemente da condição social. O AA é um programa espiritual, não estamos ligados a grupos políticos ou a religião, mas falamos em um poder superior, que cada um concebe como quer — no meu caso, concebo Deus. Graças às reuniões, desde 28 de abril de 1988 evito o primeiro gole. Consegui me aposentar, manter meu emprego e só vou chegar aos 60 anos porque parei aos 30.
Continuo nas reuniões diariamente para não voltar a beber e aprender a viver, e funciona, é um dia de cada vez. Compreendi que se voltar a beber retorno ao ponto em que parei, e brinco que a carcaça já é de 60 anos, então não ia aguentar. Aprendi a amar o programa, tem pessoas de todo tipo, tem até aquela turminha que vai ao samba, que eu amo. A gente faz o que quer, a única coisa que não pode é beber. E dá pra levar uma vida útil, feliz e agradável.”
“Bebi pela primeira vez aos 11 anos”
Juliana*, 32 anos, publicitária, São Paulo (SP)
“Bebi na adolescência, mas nada de mais. A partir dos 20, a coisa foi progredindo. Não percebia, achava que gostava de beber mais que os outros e só. Perdi cinco trabalhos porque não aparecia no escritório. Como já bebia desde a manhã, não conseguia sair para trabalhar. E, quando ia, levava garrafinhas de vodca na bolsa. Meu alcoolismo progrediu rápido porque cruzei com cocaína. Eu nem gostava, cheirava porque a coca corta o efeito do álcool e eu conseguia beber mais.
Durante anos, meus pais fizeram vista grossa, acho que não queriam aceitar. Até que chegou um ponto em que viram que a situação estava séria. Senti que iam me internar, então — isso é a insanidade do alcoolismo, já estava totalmente louca — decidi na calada da noite ir para outro país.
Fui de ônibus até o Chile, onde fiquei por uns cinco meses. Um dia meus pais aparecerem do nada na minha frente. Voltamos e fui internada à força. Não adiantou. Assim que saí, procurei um jeito de beber, e o único que achei foi casar. Em um mês estava casada. Ele ia trabalhar e eu ficava bebendo; ele voltava e eu já estava totalmente alcoolizada, mas bebia de novo.
No decorrer desse tempo, tive acidentes, alguns graves, com perda total dos carros. Até que ocorreu um acidente em que meu enteado estava junto. Nos machucamos pouco, mas meu ex-marido achou que eu tinha tentado matar o filho dele, e uma noite me espancou. Aí o larguei. Ele foi para uma irmandade para amigos e familiares de alcoólatras. E eu me internei, desta vez de forma voluntária, para desintoxicação, e fui pro AA. Estou lá há três anos e meio.
Não parei logo que entrei, levei uns seis meses para conseguir. Vi que meu fundo era emocional, eu bebia pra não ter que lidar com a realidade. A partir do momento em que quis me conhecer e olhar para meus problemas, vi que o álcool era só a ponta do iceberg. Que era vazia espiritualmente. Hoje encontrei um poder superior, que, para mim, é Deus. Tenho um estilo de vida completamente diferente. Fiz outra faculdade, acordo cedo, faço ginástica, terapia, vou ao trabalho e para o grupo do AA diariamente.”
Tratamentos disponíveis
Na suspeita de uso abusivo de álcool, é importante procurar atendimento especializado. A internação só é recomendada, na minoria dos casos, quando a paciente apresenta riscos para a própria vida ou para a de outras pessoas.
Outra coisa é que nem todo tratamento propõe unicamente abstinência. “Em muitos casos trabalhamos com ela, mas não posso impor isso à paciente. Tenho que trabalhar com o desejo dela, porque senão ela não adere”, afirma a psicóloga Cláudia Merçon, do Sead, que também defende a importância de diferentes tipos de tratamento. “A relação é muito única, o que ajuda e funciona para um pode não ajudar para outro”, diz. Veja locais onde procurar ajuda:
Clínicas e profissionais particulares
Na maioria das clínicas há a opção não apenas de internação mas também de tratamento ambulatorial. As internações devem ser consideradas o último recurso.
Caps AD
Em termos de saúde pública, existem os Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps AD), presentes em várias cidades. Oferecem acompanhamento com profissionais de múltiplas áreas, como psiquiatras, assistentes sociais, psicólogos etc. Não são locais de internação, mas alguns têm acolhimento integral, onde a pessoa pode ficar um breve período, em geral até 14 dias.
Grupos de apoio
Locais em que se procura enfrentar o problema com o apoio de outras pessoas. “É importante frisar que eles não são tratamento, são grupos de autoajuda. Mas tem pessoas que se beneficiam com eles”, afirma Cláudia. O mais famoso é o Alcoólicos Anônimos. O programa propõe abstinência e um trabalho de recuperação em 12 passos. O AA está em várias cidades e é possível encontrar mais informações sobre ele na página do programa: alcoolicosanonimos.org.br.
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