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“Há uma negligência histórica com o corpo da mulher”, afirma Jen Gunter

Saiu no site GALILEU

 

 

Veja publicação no site original: “Há uma negligência histórica com o corpo da mulher”, afirma Jen Gunter

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Expert em derrubar mitos sobre o corpo feminino, ginecologista ficou conhecida após denunciar pseudociência da Goop, empresa de Gwyneth Paltrow que ganhou série na Netflix

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Por Marília Marasciulo

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A ginecologista canadense Jennifer Gunter, mais conhecida como Jen Gunter, acredita que falar sobre a saúde da vagina é algo que não pode ficar restrito às quatro paredes do consultório médico. E, em muitas ocasiões, é necessário derrubar mitos e questionar tendências de bem-estar que volta e meia pipocam nas redes: não são raros os episódios em que figuras públicas e influenciadores digitais são responsáveis por endossar hábitos pouco saudáveis para o organismo feminino.

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Seu embate mais famoso ocorreu com Gwyneth Paltrow e a empresa Goop, criada pela atriz norte-americana em 2008. Um dos itens vendidos pela marca eram os ovos de jade. Se inserido na vagina, o produto supostamente realizaria a regulação hormonal e ajustaria o ciclo menstrual, entre outros benefícios. Vendidos a US$ 66 (cerca de R$ 270 na atual cotação), os “ovos vaginais” tiveram sua eficácia contestada por Gunter e por outros pesquisadores. Após investigação realizada por uma agência reguladora dos Estados Unidos, a Goop foi acusada de promover informações infundadas sobre o benefício do produto e teve de pagar, em 2018, uma multa de US$ 145 mil (R$ 595 mil).

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Autora de um blog sobre ciência ativo desde 2011 (drjengunter.com), Gunter é também colunista do jornal The New York Times. Em agosto, ganhou um programa próprio no serviço de streaming da emissora canadense CBC, o Jensplaining.

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O programa, como ela explica, é basicamente uma versão do blog para a TV: busca entender como as pressões sociais ou as negligências históricas da Medicina contribuíram para moldar as dificuldades que as mulheres têm de conhecer o próprio corpo.

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A canadense lançou também no mês de agosto o livro The Vagina Bible: The Vulva and the Vagina – Separating the Myth from the Medicine (A Bíblia da Vagina: A Vulva e a Vagina – Separando o Mito da Medicina, em tradução livre, ainda sem publicação no Brasil), que, do mesmo modo, aborda a saúde feminina partindo da vagina.

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Apesar de atuar em tantas frentes, sua missão é uma só: divulgar informações de qualidade sobre a saúde reprodutiva e acabar com dúvidas e mitos que prejudicam não apenas a saúde das mulheres como suas relações sociais. “Há um grande investimento em manter as pessoas não educadas sobre o trato reprodutivo feminino, porque é assim que o patriarcado controla metade da população”, afirma Gunter. Sobre este e outros assuntos, confira, a seguir, a entrevista completa com a ginecologista.

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Estamos em 2020 e há mulheres que ainda não sabem muito sobre a própria vagina. Por que você acha que isso acontece?

É uma combinação de muitos fatores e de pressões. Até pouco tempo, era quase impossível dizer a palavra “vagina”, “vulva” ou “clitóris” em público sem as pessoas rirem ou enrubescerem. E acredito que a Medicina foi muito patriarcal por bastante tempo, desde o seu surgimento. O questionamento de mitos e dogmas só passou a acontecer recentemente.

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Quais são os maiores equívocos que cometemos quando o assunto é vagina?

Um deles é que a vagina é suja, que precisa de uma limpeza especial. Não sei como é no Brasil, mas nos Estados Unidos há prateleiras de produtos especiais para limpar a vulva e a vagina, e nenhum desses itens é necessário.

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O que podemos fazer para superar esses equívocos?

Uma das melhores maneiras é transmitir a mensagem de que falar sobre a vagina deveria ser algo que acontece em conversas do dia a dia. Não há nada engraçado ou excitante, é uma informação médica. E o primeiro passo para o empoderamento é ser capaz de falar dessas informações usando fatos, pois você não pode ser uma paciente empoderada se não tiver informações factuais em mãos.

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Você é bastante crítica a tendências como a do ovo de jade. Que outra tendência ligada ao “bem-estar” a irrita?

Eu me oponho a todas as tendências de bem-estar, ponto final. Não há nenhuma que apoie, porque a saúde não é uma tendência. Saúde é algo duradouro, uma mudança que você deve fazer e que deve durar para sempre. Sou pró-ciência: o curioso é que todas as coisas que são boas para o bem-estar não podem ser monetizadas.

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O Brasil é um país conhecido pelo hábito da depilação. Por que você acha que somos tão obcecados pela aparência da vulva, até mais do que pela saúde vaginal?

É porque o valor de uma mulher sempre foi resumido à anatomia. Vemos isso em relação ao tamanho e tipo do corpo, além de outros aspectos da fisionomia feminina. A sociedade julga as mulheres pela cintura, pela quantidade de rugas, pelo cabelo. Julgar a aparência da vulva ou da vagina é só uma continuação desse julgamento todo.

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Mas, afinal, remover os pelos pubianos é uma prática saudável ou há riscos?

Sabemos muito pouco sobre remoção de pelos pubianos, mas sabemos que uma das razões pelas quais temos pelos nessa região é a necessidade de manter a umidade, pois a pele nessa área requer condições mais úmidas. Provavelmente, tem também papel na dispersão de odores e como barreira física de proteção. Tudo isso é muito importante, portanto a remoção dos pelos pode ter consequências. Pode aumentar o risco de infecções sexualmente transmissíveis ou causar microtraumas, além de mudar todo o ecossistema da vulva e da vagina de modos que ainda não sabemos ao certo. Mas somos adultos, tomamos decisões adultas; eu jamais diria a alguém para remover ou não seus pelos pubianos. O corpo é seu, a escolha é sua.

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O que uma mulher deve fazer para cuidar da vagina?

Não é preciso limpar nem lavar, ela se limpa sozinha. E usar camisinha, que é uma forma muito, muito boa de proteger a vagina. Não fumar, pois isso prejudica as bactérias boas. E também tomar a vacina contra o HPV.

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Você deve enfrentar retaliações por falar abertamente de assuntos que ainda são tabu. Como lida com isso?

Às vezes, quando escrevo sobre a vagina, homens gostam de me dizer que estou errada. E eles não são ginecologistas! Também existem pessoas — e trago esse exemplo só para mostrar como as coisas podem ficar loucas — que são contra a circuncisão. Elas ficam muito revoltadas porque não falo sobre esse tema. Mas eu não falo sobre pênis, falo sobre vagina, não faz sentido. Esse grupo incomodou tanto no Facebook que agora a maioria das palavras bloqueadas é relacionada a pênis, o que é bem estranho.

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Fale mais sobre seu livro. Quais são os dez Mandamentos da Bíblia da Vagina?

A vagina e a vulva são órgãos diferentes. O clitóris é muito maior do que você pensa. Um exame pélvico não deve ser doloroso. Não use nenhum produto de limpeza para a vagina. Cigarros são ruins para sua vagina. Se alguém diz algo ruim sobre o seu corpo, o problema provavelmente está nele, não em você. Tome a vacina contra o HPV. Dor durante o sexo é uma condição médica real, não deixe ninguém dizer que é coisa da sua cabeça. Nenhum produto externo pode controlar o pH da sua vagina. E, por último, você não pode mudar o cheiro ou o gosto da sua vagina com a alimentação.

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Qual foi a descoberta mais surpreendente da sua pesquisa?

Perceber quão pouco o corpo feminino foi estudado ao longo da história. Você sabia que antigamente os médicos podiam dissecar cadáveres masculinos, mas não de mulheres? Há uma negligência histórica com o corpo da mulher, a Medicina para os homens tem 3 mil anos de vantagem na largada. Só no último século começamos a estudar as mulheres.
E isso faz muita diferença.

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O  que você gostaria que todas as mulheres soubessem no presente e no futuro?

Para agora, gostaria que soubessem que as vaginas se limpam, não são sujas ou tóxicas. Para o futuro, gostaria que pensássemos mais sobre maneiras de explorá-la para obter prazer.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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