Saiu no site HUFFPOST
Veja publicação original: Gabriela Manssur, a promotora incansável na luta pelo fim da violência contra a mulher
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Para ajudar as mulheres, ela criou grupo voltado para o tratamento de agressores: “Percebi a necessidade de fazer com que esses homens parassem.”
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Parece realmente muita coisa. Na verdade, é mesmo. Após participar de um programa de TV, acabou entrando ao vivo em outro da mesma emissora para falar sobre o assunto que mais domina. Demorou mais do que esperava, mas logo Gabriela Manssur, promotora de justiça conhecida por seu trabalho de combate à violência doméstica, estava em sua casa pronta e disposta para mais uma conversa sobre o tema. Um pouco antes disso, tratou de umas questões da filha mais velha, de 19 anos – ela ainda tem dois meninos, um de 10 e um de 7 anos – e mais tarde iria para exames que estavam agendados. Em breve, participaria de uma prova de corrida de 100 km. Seriam três dias dormindo em barracas e tomando banho de rio gelado. Estava feliz da vida. E calma. Bem calma.
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Podemos mais. O maior objetivo é diminuir a violência contra a mulher e ainda não estou satisfeita com os resultados.
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Está acostumada com isso tudo. Há duas décadas se dedica a correr, de forma literal. “Foi na corrida que eu encontrei um espaço para ter mais liberdade de horário e pude ser uma atleta, mesmo que amadora, e participar de provas, encontrar com outras mulheres, superar limites, tempos, isso é uma delícia, é muito legal. Sou corredora das antigas e pretendo correr até quando meus joelhos permitirem”, diz. Há 15 anos concilia a atividade com a promotoria. E antes disso já estava no meio do Direito. Bem antes disso, aliás.
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Conta que cresceu em meio a processos. Aos 15 anos saía da escola e ia encontrar a mãe no escritório de advocacia. Lá, fazia lição de casa e já ficava de olho em toda a papelada por ali. Anos depois, assumiu a própria pilha de processos e casos, orgulhosa da escolha que fez. “Minha mãe estudou direito depois de ter os 4 filhos, então nós íamos para a faculdade com ela, para os escritórios de advocacia com ela, está enraizado. Fazia parte do meu dia a dia. Acho que minha maior inspiração é essa, ver que a mulher pode, que ela consegue, talvez isso tenha me impulsionado a trabalhar com isso e dar uma luz para as mulheres porque você vê a luta e vê também o sucesso, a conquista e as mulheres se unem quando elas conseguem romper barreiras, obstáculos e se destacar”.
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Gabriela consegue. E trabalha muito para isso. Hoje é uma referência na sua área. Está feliz com o reconhecimento de seu trabalho e destaca as mudanças e avanços conquistados ao longo dos anos, mas já deixa claro: “Podemos mais. O maior objetivo é diminuir a violência contra a mulher e ainda não estou satisfeita com os resultados.” Atualmente, está à frente de quatro projetos, todos relacionados à luta e preocupação com a situação da mulher que sofre violência doméstica.
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Esses homens dificilmente voltam a cometer violência porque sabem das consequências.
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Uma das principais atuações hoje é no projeto criado por ela, Tempo de Despertar, que trabalha com homens agressores. “Percebi que mesmo com vários projetos de empoderamento feminino e de denúncia isso não diminuía a violência contra a mulher e toda vez que a mulher denuncia ela fala que já sofreu violência antes. Elas não denunciam na primeira vez e percebi a necessidade de fazer com que esses homens parassem para que ela não continuasse sofrendo violência evitando assim morte de mulheres, esse é o principal objetivo”, conta sobre o Tempo de Despertar. Ao longo de quatro anos de projeto, Gabriela diz que os casos de reincidências passaram de 65% para 2% e comemora os bons resultados. “Esses homens dificilmente voltam a cometer violência porque sabem das consequências e percebem que eles cometeram violência. Entram sem entender, mas ao longo do projeto enxergam tudo e começam a repensar o comportamento deles”.
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Fora isso, busca ajudar na conquista da independência financeira das mulheres. “Ter um trabalho e o próprio dinheiro é importante para sair da violência. Muitas não saem porque dependem economicamente. A violência é mais forte quando ela depende economicamente do marido porque ela tem que aceitar determinados comportamentos para se manter, manter a família, o filho, tudo isso”. Junto com a conquista da independência financeira há um trabalho do fortalecimento de autoestima.
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Para isso, Gabriela usa algo que faz bem para ela também, a corrida. “Acho muito importante praticar uma atividade física, cuidar da saúde e acredito que isso trás para a mulher uma força muito grande de que ela pode vencer limites, obstáculos e que tem uma força física e mental de que ela pode superar violências, de que ela pode buscar esse empoderamento que não seja só o sistema de justiça. E uma forma que encontrei foi fazendo corridas de rua”. Além desse olhar específico para as vítimas, Gabriela também realiza ações dentro Ministério Público para incentivar mulheres a assumirem cargos de liderança. “Acredito ser importante a representatividade feminina em todos os cargos e espaços de poder”.
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São diversas frentes de trabalho com o objetivo de mostrar que há uma escolha e tentar desconstruir diversas questões culturais que permeiam todos os desafios dessa área. Segundo Gabriela, apesar dos avanços, o Brasil ainda está no topo dos países que mais matam mulheres no mundo e, por esse motivo, é importante olhar com atenção para esses casos. “Quando a mulher tem confiança no sistema, quando tem um atendimento acolhedor, sem julgamento, e é dado aquilo que ela espera que não é só proteção, mas uma saída também, ela denuncia mais. Percebo que a Lei Maria da Penha hoje é mundialmente conhecida e há sim um poder intimidatório da lei, os homens sabem que vai ter uma consequência e isso é uma mudança importantíssima”.
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A mulher acha que tem que aguentar como se o casamento fosse a única instituição social aceitável.
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Sabe e faz questão de celebrar os avanços, mas já está de olho nos próximos passos que precisa dar. A ideia agora é focar na questão da violência psicológica. Para Gabriela, esse é um caso em que a mulher ainda não costuma se enxergar como vítima e tende a passar por cima disso. “Ela vai muitas vezes deixando passar para não romper, não bater de frente porque também é cultural essa postura e não percebe que é vítima de um relacionamento abusivo e é importante essa consciência, prestar atenção nos primeiros sinais. Sempre falo que a denúncia é o melhor caminho, mas muitas vezes a mulher não quer denunciar, ela quer se ver livre daquele relacionamento, então é melhor que ela se livre rápido para que não seja uma vítima de violência doméstica”.
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E esse ainda é um desafio. O medo e a vergonha de denunciar, os julgamentos e a preocupação com a família estabelecida muitas vezes impede essa ação. “A mulher acha que tem que aguentar aquilo em nome do que a sociedade espera dela, como se o casamento fosse a única instituição social aceitável, que a mulher sozinha é um problema e não é. A mulher sozinha é uma escolha dela”.
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É isso que Gabriela espera que todos possam ver um dia. E que, assim, os casos de violência caiam cada vez mais. Essa é sua luta. É desgastante, é verdade. Trabalha muito, não nega. Mas foi a sua escolha. E o segredo para conseguir levar tudo isso por tantos anos também é claro. “Sinto satisfação todos os dias quando atuo como promotora. Saio feliz, muitas vezes preocupada e abalada, mas satisfeita que com meu trabalho consigo atuar, divulgar, ajudar, fazer cumprir a lei e nunca me canso. Por isso eu corro”.
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E como corre.
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Ficha Técnica #TodoDiaDelas
Texto: Ana Ignacio
Imagem: Caroline Lima
Edição: Andréa Martinelli
Figurino: C&A
Realização: RYOT Studio Brasil e CUBOCC
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