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Veja publicação original: “Fui excluída da família por me recusar a casar aos 19 anos”
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Por Amanda Serra
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A técnica em farmácia Luciana*, 23, tinha 16 anos quando passou a frequentar a igreja evangélica Congregação Cristã no Brasil, na companhia da mãe recém-separada e da irmã caçula. Aos 17, começou a namorar um rapaz do mesmo grupo religioso, e dois anos depois foi obrigada a ficar noiva dele. As famílias tinham medo que os jovens perdessem a virgindade antes do casamento.
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“Não era exatamente o que queríamos, mas havia uma cobrança muito grande. Diziam que estávamos juntos há muito tempo já. Os pais dele se conheceram, namoraram e noivaram em oito meses. Então, para eles, era um absurdo não sermos nem noivos ainda. Na verdade, o medo era que fizéssemos sexo antes do casamento e assim cometêssemos o pecado da morte. Os testemunhos das pessoas que desobedecem é pura tragédia. Citavam a todo momento a condenação, o julgamento de Deus, a perversidade do ato antes do casamento. Morria de medo”, conta.
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Após se recusar a seguir com o relacionamento, ela foi excluída pelos próprios familiares dos eventos sociais. Com 21 anos, ela decidiu sair de casa. “Cheguei um dia em casa e meu quarto estava montado na sala. Minha mãe dizia que o quarto tinha que ser da minha irmã e do marido. Não tinha nenhuma privacidade e dormi lá somente uma semana até sair de casa.”
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“Cheguei a pedir a morte do meu noivo em pensamento”
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“Ele é um rapaz excelente. Sempre me respeitou, é trabalhador, estudioso, mas, com o tempo, vi que só tínhamos uma atração intelectual. Conforme o tempo de namoro e o noivado passavam, não sentia vontade de estar com ele, não o amava. Mas continuava porque tinha certeza que ele era o meu esposo prometido.
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O namoro entre jovens da igreja só acontece após a permissão da família e a aprovação de Deus. No meu caso, pedi que essa confirmação viesse por meio dos louvores. Por algumas semanas, escolhi um hino e disse: ‘Deus, se for da sua vontade, que toque essa música agora.’ E isso aconteceu, ou seja, tinha certeza que estava com o homem escolhido para mim.
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Vivia um conflito interno muito grande. Chorava sozinha e temia um futuro infeliz. Cheguei a pedir a morte do meu noivo em pensamento, porque via que seria a única forma de não seguir adiante com aquilo sem tanto castigo. Queria outras coisas antes de me casar: me formar, me estabilizar, comprar ou alugar uma casa, poder fazer a festa dos meus sonhos com os meus convidados. E o plano era outro na época. Meus sogros queriam adaptar o sobrado onde moram para diminuírem os custos e agilizarem o matrimônio. Além dos 500 convidados deles.
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Decidi conversar com a minha mãe. Expliquei que o relacionamento não estava legal e que gostaria de terminar, mesmo sabendo da desaprovação de Deus. Era uma situação delicada e pedi segredo. Mas ela disse que só manteria segredo se eu não estivesse fazendo algo de errado, isso significava não estar transando. Ela não entendeu minha angústia e se voltou contra mim.
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Os pais dele são padrinhos de casamento dela, então, tinha também o peso do laço criado pelas famílias. Ela me questionava: ‘Você acha certo terminar com um servo de Deus? Irá estragar sua vida, que Deus tenha misericórdia da sua alma’. Não fui acolhida e, quando decidi de fato colocar um ponto final na relação, todos –irmão, cunhado, padrasto, mãe– se voltaram contra mim.
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Não era mais convidada para os eventos, passeios e sempre que todos se reuniam soltavam indiretas. E todas eram sobre o julgamento de Deus, as coisas terríveis que acontecem com quem desobedece, a ação do ‘inimigo’ (diabo) na vida das pessoas para afastar o povo de Deus, do pecado da carne. Fiquei sozinha.
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“Permiti me conhecer”
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Minha irmã acabou se casando aos 20 anos também com um rapaz da igreja – o pai dele é casado com a minha mãe – e como ainda não têm casa própria foram morar no apartamento onde morávamos. Então, minha mãe ficou com um quarto, minha irmã com outro e eu na sala. Acabei conhecendo um outro menino, um ano e meio depois, e fui morar com ele assim que fui obrigada a me mudar para a sala. Mas o relacionamento não deu certo e logo depois aluguei uma casa só para mim.
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Foi aí que eu permiti me conhecer, assumir os meus gostos e aprendi a não ligar para opiniões alheias.
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Minha independência surgiu justamente quando entendi que não fazia mais parte daquele meio. Não fazia sentido ter o cabelo longo, não poder vestir calças, somente saias e vestidos abaixo do joelho, não usar maquiagem. Respeito, mas os protocolos não tinham a ver comigo, nunca tiveram. O cabelo foi meu primeiro ato de rebeldia. Cortei e fiz luzes. Minha primeira balada foi aos 23 anos e tinha certeza que iria morrer ou que algo ruim aconteceria, porque aprendi que sair à noite para dançar era pecado.
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Hoje, vivo como uma adolescente, com a diferença de pagar minhas próprias contas e administrar uma casa sozinha. Viajo, saio para dançar, beber, conhecer pessoas, vou ao teatro, cinema, shows… Esse ano pulei o meu primeiro Carnaval e adorei! Minha essência e meus princípios são os mesmos, mas não me vejo mais seguindo essa denominação [Congregação]. Continuo tendo fé e conheci um Deus que nunca me desamparou nem julgou e muito menos me puniu.
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Gosto da minha companhia, me sinto ótima sendo eu, e tenho um bom relacionamento com a família, apesar de tudo.
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*O nome foi trocado a pedido da entrevistada.
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