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Flávia Piovesan: a brasileira que quer “deixar uma marca” na luta pelo direito das mulheres

Saiu no site: AZ MINA

 

Eleita para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Flávia conversou com a nossa colunista Lívia Magalhães
Por LÍVIA MAGALHÃES

Ela será a primeira mulher brasileira a compor a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgão autônomo da OEA responsável pela observação dos Direitos Humanos no continente americano.

 

 

Flávia Piovesan, mestre e doutora em Direito Constitucional pela PUC/SP, atualmente é Secretária Especial de Direitos Humanos da Presidência da República e procuradora do Estado de São Paulo, além de lecionar Direito Constitucional e Direitos Humanos em renomadas universidades brasileiras, espanholas e argentinas. Possui uma carreira de mais de 20 anos trabalhando com a temática de Direitos Humanos, inúmeros livros publicados e um currículo singular.

 

Após uma reunião na Secretaria Especial de Direitos Humanos tive a oportunidade de conversar com Flávia Piovesan, que expôs suas expectativas quanto ao seu mandato na CIDH que iniciará em janeiro de 2018. A Secretária iniciou nossa conversa informando com orgulho que é a primeira vez na história que a composição da CIDH terá 4 mulheres(Panamá, Jamaica, Chile e Brasil) e 3 homens.

 

Diante da maioria inédita de mulheres na CIDH, Flávia conversou com suas colegas sobre a necessidade de “deixar uma marca” na perspectiva de gênero em três vertentes: combate à discriminação contra a mulher, combate à violência contra a mulher e a luta pelos direitos sexuais e reprodutivos.

Sabemos que a luta pelo direito das mulheres brasileiras teve seu auge na Ação Maria da Penha, que demonstrou à sociedade internacional que o Brasil estava sendo omisso na observância de direitos fundamentais das mulheres. Nesse caso, no qual Flávia teve a oportunidade de atuar, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos teve papel fundamental consolidando o direito à dignidade da mulher.

À época, a CIDH concluiu que, considerando que a violação contra a Maria da Penha é parte de um padrão geral de negligência e falta de efetividade do Estado para processar e condenar os agressores, não há violação apenas da obrigação de processar e condenar, como também a de prevenir essas práticas degradantes. Em seguida, a Lei nº 11.340/2006 ingressou no nosso ordenamento jurídico. Nesse sentido, Flávia esclarece que a Comissão sempre fez a diferença, salvou vidas e continua a salvá-las, e hoje tem a responsabilidade e o desafio de ter uma voz que possa incorporar cada vez mais a perspectiva de gênero.

 

“A vocação da Comissão é fortalecer a transformação e o avanço de políticas públicas e marcos legislativos no âmbito regional”, afirma Flávia

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos reconhece publicamente que a igualdade de gênero e o empoderamento de todas as mulheres e meninas são centrais para o desenvolvimento sustentável e para a erradicação da pobreza. Além disso, a pretensão da Secretária em combater a violência contra a mulher está em consonância com a atuação da Comissária Jamaicana Margarette May Macaulay – na CIDH desde 2016 –, que neste ano expressou preocupação quanto ao assédio sexual que as mulheres sofrem em todas as esferas do trabalho.

Quanto ao tema, a CIDH incentiva os Estados a reagirem a comportamentos que afetam a dignidade da mulher no local de trabalho ou criam um ambiente de trabalho hostil ou inseguro, além de tomarem medidas imediatas e eficazes para investigar e punir os autores desta forma de violência contra as mulheres.

Quanto aos direitos sexuais, a Comissão Interamericana aborda a questão da diversidade na publicação de 2015 “Violência contra Pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexo nas Américas” (disponível gratuitamente online) e afirma estar preocupada com os altos índices de violência registrados no continente americano contra pessoas LGBTI, além da ausência de uma resposta estatal eficiente diante dessa problemática. Quanto aos direitos reprodutivos, especificamente o aborto, a CIDH observa a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto São José da Costa Rica) – do qual o Brasil é signatário – que prevê que o direito à vida deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Então, ao contrário do que é disseminado, a CIDH não é favorável ao aborto.

Apesar do posicionamento aparentemente moderado da CIDH, Flávia afirma que o ambiente não é fácil. Na Assembleia Geral da OEA, por exemplo, ela ficou estarrecida com os fortes movimentos de setores conservadores, seja na linha de negar direitos sexuais e reprodutivos em nome de Deus, aviltando o princípio da laicidade estatal, até o ponto de defenderem uma postura de “criai-vos e multiplicai-vos com famílias numerosas”.

Não poderíamos esquecer uma pauta de extrema relevância do nosso país: o caos no sistema prisional e a denúncia contra o Brasil na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) sobre a superlotação das prisões e dos relatos de tortura e maus tratos, o uso sistemático das prisões provisórias e a conivência do Estado brasileiro com as violações de direitos das pessoas presas. Flávia esclareceu primeiramente que, como brasileira, não poderá atuar na CIDH nos casos do Brasil, mas enfatiza que está claro que há um colapso. Como Secretária, Flávia esteve em três missões nesse período conturbado no qual o problema foi visibilizado. Ela acredita que é fundamental revisar criticamente e dar respostas construtivas.

“A perpetuação da política atual tem sido absolutamente um fracasso”, afirma

Em maio deste ano, o Estado brasileiro foi intimado a dar explicações para a CIDH sobre violações no sistema prisional do Brasil, tanto em adultos como em adolescentes, e ainda sobre o encarceramento em massa. No entanto, apesar do Estado brasileiro ter afirmado na audiência da OEA que firmou compromisso público com a reversão desse cenário, o representante da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, James Cavallaro, disse que o Brasil não forneceu informações precisas ou claras sobre a superlotação nos complexos penitenciários que geraram as denúncias e que também não solucionou os problemas que originaram as medidas provisórias na Corte Internacional.

Flávia esclarece que a cultura do encarceramento leva ao inchaço do sistema (superpopulação carcerária), que por sua vez inviabiliza a ressocialização e alimenta a reincidência. É um círculo vicioso que vai se retroalimentando e nós temos que ter a coragem e audácia de quebrar esse nosso ciclo apostando em outras penas. A Secretária questiona o porquê da aplicação da pena privativa de liberdade em um furto qualquer de um xampu.

“Não tem sentido. O CPP [Código de Processo Penal] apresenta um cardápio de penas, como as restritivas de direitos e outras vias mais criativas, como a tornozeleira eletrônica”, esclarece Flávia, completando que está sendo criado no Brasil ‘um sistema de violação de direitos’”

Questão mais delicada é a situação das presas grávidas e com bebês. A Secretária afirma que as condições precárias dos presídios nos quais essas mulheres e suas crianças vivem são uma preocupação da Ministra Carmen Lúcia e da Ministra dos Direitos Humanos, Luislinda Dias de Valois Santos, que teve a iniciativa quanto ao indulto e comutação para mulheres presas, brasileiras e estrangeiras, incluindo presas mães e por tráfico privilegiado.

Temos que considerar que a maioria das mulheres encarceradas cometeu crimes não-violentos – 68% respondem por tráfico de drogas. Além disso, uma pesquisa da Fiocruz feita entre 2012 e 2014 em presídios de todas as capitais brasileiras que recebem mães com filhos pequenos mostra que 65% das gestantes condenadas poderiam cumprir prisão domiciliar, por terem cometido crimes de menor poder ofensivo, como porte de drogas e pequenos furtos, e serem presas provisórias. Flávia lembra que ao final a pena acaba abrangendo a criança, então é fundamental que se tenha uma política específica. Para ela, o direito tem que romper com a indiferença às diferenças e visibilizar as mulheres, as suas peculiaridades e as suas necessidades.

Como órgão que recebe e processa denúncias sobre casos individuais de violações de Direitos Humanos – quem os julga é a Corte Interamericana de Direitos Humanos –, a CIDH tem a capacidade promover mudanças na legislação dos países, como, por exemplo, no caso da Lei Maria da Penha – criada segundo uma orientação da CIDH. Como uma pessoa obcecada pela causa dos Direitos Humanos, Flávia diz que a vocação da CIDH é buscar justamente fortalecer de forma propositiva políticas públicas, além de marcos legislativos em âmbito regional.

As nomeações de Flávia Piovesan tanto para o cargo de Secretária Especial de Direitos Humanos do atual governo quanto para Comissária da CIDH foram alvo de críticas. Mas ela não se deixou abater: acredita que tanto a sua atuação quanto da própria CIDH terá como foco o empoderamento da mulher.

“O que eu sempre digo ser um mantra dos Direitos Humanos é a salvaguarda da dignidade humana e a prevenção ao sofrimento humano”, define a secretária

Nós estaremos daqui, Flávia, acompanhando seu trabalho na Comissão Interamericana de Direitos Humanos com a expectativa que as pautas das mulheres sejam priorizadas.

 

 

Veja publicação original: Flávia Piovesan: a brasileira que quer “deixar uma marca” na luta pelo direito das mulheres

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