Saiu no site G1
Veja publicação original: Filme sobre primeira mulher palhaço do país vira espetáculo com três gerações no palco
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Projeto de pesquisa de neta sobre avó que foi ‘primeira palhaço’ do Brasil se desdobra em debates sobre racismo, feminismo e nova geração da palhaçaria.
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Por Vivian Reis
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Um dia o vestido de noiva de Mariana virou só um vestido. Na hora, doeu, mas com o tempo ela percebeu que podia ser divertida essa história de fazer uma coisa virar outra – aquela dor virar experiência, aquele fim virar começo, aquele episódio virar piada, o vestido de noiva virar figurino de palhaço.
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E assim, um dia, a atriz e cineasta Mariana Gabriel se tornou a palhaça Birota, a quarta geração de circo da sua família. Fez um filme sobre a avó Maria Elisa Alves dos Reis, negra, que foi palhaço, assim no masculino mesmo, quando só os homens brancos tinham esse direito. Agora, ressuscita o picadeiro do Circo Guarani com sua avó no telão, ela e a mãe no palco.
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Desde seu lançamento, há dois anos, o documentário “Minha Avó Era Palhaço”, percorre um circuito muito particular. Mariana Gabriel conta que, das 107 exibições, 90 aconteceram em festivais de circo, e não em festivais de cinema, e sempre há um debate na sequência da exibição sobre preconceito racial, protagonismo negro e comicidade feminina.(Confira as próximas exibições agendadas ao fim desta reportagem.)
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“Nesses espaços começaram a me questionar sobre a Birota e, entre a exibição do filme e o debate, passei a apresentar um número dançando com minha avó no telão com ‘Cielito Lindo’, uma canção que eu cantava com ela. Minha mãe, que guia as discussões, também começou a cantar, então essas exibições estão virando um espetáculo contínuo. Sentimos que o circo da família está de volta”, conta a atriz e cineasta, que dirigiu o filme em parceria com Ana Paula Minehira.
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Mariana sempre soube que pertencia a uma família de circo. “O primeiro livro que escrevi, ainda criança, se chamava ‘Minha Avó era Palhaço’. Eu sabia algumas coisas – do elefante, de um macaco chamado Pescador que tirava piolho das crianças, mas pensava, ‘ok, não vivi o circo’”, relembra.
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Durante as filmagens de um documentário sobre artistas de circo já idosos que moravam no conjunto habitacional Cingapura, no bairro do Limão, a cineasta perguntava, apenas por curiosidade, se eles tinham ouvido falar do Circo Guarani. Após uma série de confirmações, ela foi presenteada com um livro que fazia menção a sua avó.
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“Não tem o nome dela, nem do palhaço Xamego, que ela representava, mas fala de uma mulher que atuou no Guarani depois que o palhaço oficial do circo teve um grave problema de saúde. Meu tio-avô! Conta que ela assumiu o papel escondida do público, já que não havia mulheres palhaços àquela época, mas que um dia uma menina levantou a lona do circo e viu o palhaço amamentando uma criança. Hoje consigo falar disso sem chorar”, continua.
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Os relatos dos artistas e a descoberta do livro foram “um auê” na família, segundo a cineasta. Com pai e mãe jornalistas, ela disse ter aprendido cedo a importância do registro e decidiu dar início uma pesquisa sobre a história de sua avó para rodar um filme em sua homenagem.
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Atriz e cineasta Mariana Gabriel fez um filme sobre a avó Maria Eliza Alves dos Reis, que foi negra e palhaço quando só os homens brancos tinham esse direito — Foto: Celso Tavares/G1
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Mariana Gabriel inscreveu o projeto em um edital da Fundação Nacional de Artes (Funarte) e foi contemplada com uma verba para pesquisa em 2014. “Com essa verba, que era só para a entrega de uma pesquisa escrita, a gente incluiu dinheiro do próprio bolso e fez um blog do palhaço Xamego e o documentário. Fomos guerrilheiros”, contou.
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O filme de 52 minutos ficou pronto em 2016. “Minha avó viveu 98 anos, a época áurea e a decadência do circo. Acho que, com o filme, traçamos a história do circo no Brasil junto com a história dela”, diz.
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A cineasta descobriu que o Circo Guarani, de sua família, foi um dos cinco maiores circos do país em 1932, época em que esse espetáculo era uma das poucas ofertas de entretenimento. Descobriu também que a companhia fretava um trem para viajar com o picadeiro e encontrou alguns registros de João Alves, seu bisavô e dono do circo, que segundo ela, são apenas partes de uma história ainda a ser remontada.
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“Todo circo é o grande circo, mas quão grande era o Guarani? Não sei. A história do meu bisavô é muito curiosa – um homem negro que, 15 anos após a abolição, é um grande empresário, um grande dono de circo no início do século 20. Como? É uma história muito doida”, diz, acrescentando que uma nova pesquisa, focada no circo, está começando a ser feita. A pesquisa foi contemplada pelo programa Itaú Rumos.
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Nascimento da Birota
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A primeira mulher palhaço do Brasil já havia passado o bastão para Mariana na primavera de 1989. Numa tarde ensolarada de outubro, vestida de Maria Elisa Alves dos Reis, o palhaço Xamego ajudou a neta a se fantasiar para a festa de Halloween com um chapéu de bico, nariz torto de massinha, postura corcunda, voz horripilante e a dica final: quando se é, se é por inteiro.
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Mariana Gabriel, então com cinco anos de idade, completou sua primeira lição de “verdade cênica” e “coerência na vida” ao cruzar o portão da escola de mãos dadas com a avó e se ver como a única bruxa de verdade em meio a bruxas-princesas, bruxas-fadas e bruxas-rainhas.
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“Mesmo eu nunca tendo visto minha avó vestida de palhaço, acho que o tempo todo ela era o Xamego. Isso porque o palhaço não é um personagem; ele usa a menor máscara do mundo, no nariz! Veste a máscara que mais revela e fica escondido, muitas vezes, naquilo que a gente não gosta em si mesmo”, explica.
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Começava a nascer ali, devagar, a palhaça Birota. Depois da faculdade, a atriz e cineasta fez um pouco de tudo – direção de fotografia, assistente de câmera, roteiro, direção, dois longas e programas de TV.
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“Desenvolvo a Birota desde 2009, o que demandou um grande mergulho para buscar a expressão dilatada de mim mesma. Não se tratava de entender o que iria fazer no palco, mas o que eu já faço, como faço e trabalhar em como poderia ser maior. Foi um aprendizado de como lidar com meu ridículo, um processo de dentro pra fora”, afirma.
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Mariana Gabriel explica que há muitas linhas de palhaçaria e que a Birota tem muita influência do Xamego. “Minha avó era muito chapliniana porque o cinema dialogava com a arte circense naquela época, e tinha o sapato, o chapéu coco, a bengala. Um trabalho baseado no gestual, mais do que na fala. Eu também gosto do riso que nasce da sutileza, do pequenininho, da cumplicidade com o público”, descreve.
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Confira abaixo as próximas exibições agendadas do documentário “Minha Avó Era Palhaço”:
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- 13/11 – no Sesc Belenzinho, em São Paulo, SP
- 27/11 – no Sesc Santana, em São Paulo, SP
- 29/11 – na Sala Walter da Silveira, em Salvador, BA
- 06/12 – Festival de Circo Anjos do Picadeiro, no Rio de Janeiro, RJ
Desde 2009, Maria Gabriel estuda palhaçaria e desenvolve sua palhaça, a Birota — Foto: Celso Tavares/G1
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