Saiu no site HUFFPOST
Veja publicação original: Feminista, locutora, vocalista e mãe que busca inclusão: A luta de Karina Rossi
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Jornalista encontrou no feminismo a orientação para suas lutas: “A banda é posicionada, o programa é posicionado, tudo é posicionado. Eu vivo isso, respiro isso.”
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Novembro é um mês importante para ela. Há um ano, grandes mudanças aconteceram em sua vida justamente neste período. Karina Rossi, 33 anos, lembra que as coisas não estavam tão bem. Passava por um momento difícil na vida, estava desempregada e com depressão. Um dia, caminhando na rua no centro de São Paulo, levou um tombo. “Fiquei um tempão chorando, sentada aqui na frente”, conta. Caiu na rua no mesmo local que hoje, um ano depois, vai toda semana fazer algo que ama. E, foi nesse lugar também que escolheu receber a reportagem do HuffPost Brasil. Aliás, chega com o pé imobilizado porque acabou levando outro tombo dia desses. “Caí da própria altura”, diz, rindo, se referindo ao termo técnico usado para dar entrada no hospital. O que aconteceu é que ela tropeçou e caiu sozinha. Como há 1 ano. Mas agora as coisas estão diferentes.
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Hoje, naquele endereço do tombo do ano passado, Karina comanda o programa “Mulheres à Frente”, na rádio online Antena Zero. O objetivo é levar notícias sobre cultura, arte, política e direitos das mulheres. “Minha ideia era sempre falar de feminismo sem ser muito militante, mas é lógico que eu dou uma ‘militada’. É divertido e a ideia sempre foi trazer voz para todas”. Para isso, realiza entrevistas e “sempre com muita música feita por mulheres”. Essa veia musical, aliás, é outra parte importante da vida de Karina. Tanto que no mesmo dia em que estreou seu programa, ocorreu o primeiro ensaio da banda de punk rock em que é vocalista, a Lili Carabina. O grupo, formado por mais 3 meninas, faz músicas sobre vivência da mulher na sociedade. Esse encontro celebrou o ótimo mês de novembro do ano passado, depois do tombo.
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A banda é posicionada, o programa é posicionado, tudo é posicionado. Eu vivo isso [militância], respiro isso.
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E todas essas mudanças em sua vida reforçam a atuação e a militância de Karina. “A banda é posicionada, o programa é posicionado, tudo é posicionado. Eu vivo isso, respiro isso”. Hoje, concilia o ativismo com o trabalho em assessoria de imprensa e a criação de seu filho autista de 10 anos. E faz questão de fazer tudo isso. Porque é o que importa para Karina. E fala sobre todos os assuntos. É uma inconformada, podemos dizer, e daí vem grande parte de sua força. “Sempre fui militante porque não cabe na minha cabeça. Sempre fui envolvida e fico putassa. Brigo na rua, não me cabe na cabeça agressão, por exemplo. Se eu vejo alguma coisa na rua eu paro e falo: ‘e aí? Precisa de ajuda?'”.
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Para Karina, esse tipo de postura é necessária atualmente e é uma das formas de ajudar a mudar o comportamento das pessoas. “É uma coisa que é de pouquinho que e a gente vai fazendo, é de conscientização porque as pessoas não estão acostumadas a se meter na vida dos outros. E a gente se mete. E acho que a grande raiva com algumas partes do movimento feminista é essa. A gente parou de só querer ter voz. Agora a gente está se metendo, a gente olha e fala: ‘E ai? Não vai deixar ela falar? Vai ficar interrompendo? Vai achar que pode mandar na roupa dela?’ Tem que se meter. O mínimo que a gente fez é se meter. Não consigo ficar calada”.
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A gente parou de só querer ter voz. Agora a gente está se metendo. Tem que se meter. O mínimo que a gente fez é se meter. Não consigo ficar calada.
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Sua atuação feminista começou ainda adolescente, com 16 anos, quando começou a ter contato com punk rock e a ouvir bandas comandadas por mulheres. Logo se identificou com as questões e passou a se envolver com o movimento e os debates cada vez mais. Nesse tempo viu como a militância podia fazê-la lidar com suas próprias questões. “Cresci com a galera me chamando de gorda. Queria ser ‘body positive’, mas não consigo. Minha autoestima melhorou, mas ainda me incomoda. E todo mundo tem coisinhas que sofre. A gente carrega estigmas a vida inteira”.
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Assim, percebeu também que poderia ajudar outras pessoas com sua atuação. “É o que eu busco, me libertar dessas amarras. É que eu quero para todo mundo. Por isso tento lutar tanto. Porque acho que a nossa luta ajuda outras pessoas a tomar coragem de fazer as coisas. Isso é muito importante. Vai fazer piada de gordo? Não tem graça. Vai fazer piada de negro? Não tem graça. Vão fazer piada homofóbica? Não tem graça. É falando que a gente vai trazendo outras pessoas que se identificam”.
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Acho que a nossa luta ajuda outras pessoas a tomarem coragem de fazer as coisas. Isso é muito importante.
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E Karina fala. E não somente sobre esses assuntos. Fala abertamente também sobre as dificuldades que enfrentou com o nascimento do filho e os desafios que ainda hoje enfrenta na maternidade. Tudo começou com um parto surpresa. “Sabe aquelas histórias de ‘eu não sabia que estava grávida?’. Então… eu não sabia”. No dia do nascimento de seu filho, Karina foi para o hospital público com fortes dores. Ela acreditava ser cólica. Ficou 3 horas na fila, foi atendida por um médico que receitou um medicamento na veia. Sem melhora na dor, foi examinada novamente. “O médico apalpou minha barriga e falou que achava que eu estava grávida de 5 meses e que eu estava tendo um aborto. Me encaminhou para obstetrícia, mas não era aborto, era uma criança nascendo. Sofri muita violência obstétrica, gente pulando na minha barriga, mandando eu fazer força”.
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Karina entrou sozinha na sala de parto. O namorado, que estava com ela no hospital, não pode acompanhá-la. “Foi horrível. Eu já não estava preparada e ouvi que eu não estava me esforçando suficiente. Eu estava em um desespero tão grande e achava que eu estava fazendo alguma coisa errada e depois descobri que não”. Após o susto, o filho ficou em observação por uma semana e pode ir para a casa. Alguns anos depois, ele foi diagnosticado com autismo. “A gente percebeu que ele estava com dificuldades de fala e começamos a ir atrás e com 3 anos fechou o diagnóstico e ele vem se tratando desde então. Ele não é um autista clássico, mas não é um autista super funcional, ele tem várias limitações. São coisas muito difíceis às vezes”.
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Cresci com a galera me chamando de gorda. Minha autoestima melhorou, mas ainda me incomoda. E todo mundo tem coisinhas que sofre. A gente carrega estigmas a vida inteira.
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Para ela, o maior desafio é pensar no futuro do filho e das interações sociais que ele terá. “Fico apavorada. Ele precisa ter um lugar no mundo e dá muito medo. E a independência dele? A autonomia dele? Como ele vai fazer? Mas é tentativa e erro para fazer com que as coisas andem”. E aqui ela iniciou mais uma luta, agora em busca da inclusão de seu filho. “Ele está em uma escola do estado e fica só 2 horas desde o começo do ano, em fase de adaptação. Tem que lutar, bater o pé porque as pessoas não estão preparadas ainda. Sempre tentei que ele fosse incluído em escolas regulares e nunca rolou. Hoje estou quase sem saída, porque as regulares não estão preparadas e acho bem triste pensar nisso porque em uma escola especial ele vai estar excluído do que é o mundo… O mundo não vai se fazer especial para ele”.
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Enquanto isso, ela faz o que está a seu alcance. Segue sua luta. “Todo dia é uma descoberta. Tento incluir o máximo possível, ele adora cantar, sobe no palco, se sente um rockstar. Mas tem música que ele não consegue nem ficar perto. São momentos bons e alguns mais difíceis. Mas às vezes eu queria viver que nem ele. Em um mundo em que não importa o resto. Ele não está nem aí para o que dizem. Podem estar o ofendendo e ele caçando borboleta. Talvez não se importar seja algo bom”. Às vezes sim. Como aconteceu neste ano após mais um tombo. Caiu de novo da própria altura. Não se importou com os outros. Caiu nela mesma. Que sorte.
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Ficha Técnica #TodoDiaDelas
Texto: Ana Ignacio
Imagem: Caroline Lima
Edição: Andréa Martinelli
Figurino: C&A
Realização: RYOT Studio Brasil e CUBOCC
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