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Feminicídio e violência contra a mulher aumentam nos primeiros meses do ano, aponta ISP

Saiu no site O DIA

Estado do Rio registrou 38 mortes de mulheres e 152 tentativas de feminicídio, somente entre janeiro e abril

 

Rio – O estado do Rio registrou aumento nos indicadores de violência contra a mulher nos primeiros meses de 2024. Crimes como feminicídio, tentativa de feminicídio e assédio sexual tiveram crescimento entre janeiro e abril deste ano, em comparação com o mesmo período de 2023, segundo o Instituto de Segurança Pública (ISP). Os números podem ser ainda maiores, já que o município teve novos casos nos meses de maio e junho.
Segundo o ISP Mulher, entre janeiro e abril de 2024, foram registrados 38 casos de feminicídio no estado. Ao todo no período, foram 15 ocorrências na cidade do Rio, três em Maricá, duas em Itaguaí e uma em Niterói, na Região Metropolitana; outras quatro em Duque de Caxias, duas em Belford Roxo e uma em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense; além de três em Saquarema e uma em Araruama, na Região dos Lagos; e duas em Três Rios, no Sul Fluminense, uma Petrópolis e uma em Nova Friburgo, na Região Serrana. Já no ano passado, foram 34 casos.
Além dos registros entre janeiro e abril, em 25 de maio, Maria Eduarda Carvalho dos Santos, de 19 anos, foi morta pelo ex-namorado com golpes de cabo de vassoura. O crime aconteceu no Santo Cristo, Região Central do Rio, porque Thauan Lima Gomes não aceitava o fim do relacionamento, e o homem foi preso. Já na última sexta-feira (21), Tatiana Mendonça de Queiroz Campos, 30, foi morta pelo ex-companheiro, dessa vez em Santa Cruz, na Zona Oeste. Segundo familiares, o suspeito teria invadido a casa da mulher, na Rua Roberto Santos, a asfixiado até a morte e, em seguida, fugido do local. Ele também acabou preso.
Os registros de tentativa de feminicídio cresceram 44,8% nos primeiros quatro meses do ano. Enquanto 2023 teve 105 ocorrências no período analisado, 2024 já registra 152, sendo 49 delas na capital fluminense. Mas, assim como os casos de feminicídio, os números também devem aumentar. Em 2 de junho, a jovem Alana Andrade Augusto de Oliveira, 19, denunciou ter sido espancada pelo namorado Lucas Lima Queiroz do Nascimento, 28, no Morro do Vidigal, Zona Sul, por ciúmes. Apesar de ter sobrevivido às agressões, a vítima sofreu lesões na cabeça, rosto, braços e pernas. O homem é considerado foragido.
A advogada especialista em violência contra mulher, Rebeca Servaes, explica que é preciso observar a subnotificação de casos, já que não é possível identificar se houve aumento nos episódios ou notificações. “Esse aumento de notificações pode se dar pela maior conscientização das mulheres, de maneira geral, porque esse assunto está cada vez mais falado na sociedade, nas novelas, nos filmes, nos jornais. Então, cada vez as mulheres estão se conscientizando mais sobre o que são relacionamentos abusivos, o que configura uma violência e isso pode ensejar maior número de notificações”, apontou.
A especialista ainda esclareceu que a criação de órgãos e ferramentas também encoraja as vítimas a denunciarem. “Existe um crescimento de aparatos no Rio de Janeiro, especificamente, abriu uma delegacia nova, um IML com núcleo de proteção à mulher, então isso também pode aumentar o número de registros. A mulher tem aparatos estatais mais perto dela, então pode registrar mais. A gente não tem como ter a informação efetiva se aumentou o número de casos ou de registros. Mas, a gente sabe que mesmo com a conscientização, é possível, sim, que tenha um aumento de casos de violência e por isso a gente precisa continuar investido no combate desse tipo de violência”.
Os casos de assédio sexual também cresceram 41% entre janeiro e abril, no comparativo com os mesmos meses de 2023. Ao todo, foram registrados 117 ocorrências, contra 83 no ano passado. Por conta da frequência dos episódios, em fevereiro, o Rio Ônibus lançou uma plataforma para facilitar a denúncia de assédios sexuais em vias públicas, com cartazes em ônibus e terminais da cidade, com QR codes que encaminham o usuário a uma plataforma com botões de contato para os principais telefones de acusação.
Recentemente, a capital fluminense ganhou uma lei de combate ao assédio sexual em estádios, que determinou sinalização instruindo a vítima a identificar o agressor e a denunciá-lo nos estádios de futebol e em outros locais de atividades esportivas, informando os números de telefone de órgãos responsáveis. As instruções também serão divulgadas pelo sistema de áudio e nos telões. Os responsáveis pelos estádios ainda terão que disponibilizar uma ferramenta de alerta de fácil acesso, que relate o caso de assédio diretamente à Polícia Militar.
Os dados do ISP Mulher ainda apontam crescimento, entre janeiro e abril, de 20,3% nos casos de violação de domicílio, com 1.130 registros este ano, enquanto o ano passado teve 939; de 17,7% no crime de difamação, sendo 1.622 em 2024 e 1.378 em 2023, e 14,5% de constrangimento ilegal, com 150 neste ano e 131 no anterior. O período analisado também apontou um aumento de 14% nas ocorrências de tentativa homicídio contra mulheres, sendo 244 em 2024 e 214 em 2023. Somente os casos de homicídio doloso apresentaram queda de 15,8%, com 90 no ano passado e 85 no seguinte.
A Lei Maria da Penha também prevê como crimes as violências patrimonial, moral e psicológica. Segundo a advogada Rebeca Servaes, os agressores podem se utilizar de diversos meios, entre eles o digital, para atacar as vítimas e, por isso, elas precisam ficar atentas para identificar os sinais que vão além das violências físicas e sexuais.
“Existe um rol grande de possibilidades de como a violência vai ser realizada. Elas podem ser feitas, não necessariamente, presencialmente, mas de outras maneiras e pelos meios eletrônicos, digitais, hoje em dia está muito comum várias formas de violência serem perpetradas. Então, é importante a mulher ter esse conhecimento, para saber que não é só um tapa, um chute que configura violência. Qualquer tipo de violação ao direito dela pode ser interpretado como violência”, afirmou.
As mulheres podem identificar os primeiros sinais de violência quando ocorrem ciúmes excessivos, controle das roupas, celular e do dinheiro que as vítimas ganham, perseguições e ‘stalking’ nas redes sociais, no trabalho, na casa de amigos e familiares, além ofensas, xingamentos, ameaças, e constrangimentos em público e nos ambientes privados. A especialista ainda aponta que elas devem ficar atentas ao chamado ciclo da violência.
“As mulheres quando conhecem o ciclo da violência, podem se identificar com ele e saber que está acontecendo na vida delas. Existe o ato da violência em si, que é mais fácil de identificar, que pode ser física sexual e até moral. Esse homem depois passa para a segunda fase, que é o período lua de mel, que ele se mostra arrependido, diz que nunca mais vai fazer isso e vai mudar, e a mulher muitas vezes acredita nesse parceiro e perdoa. O relacionamento melhora, mas depois ele volta a ficar violento”, detalhou.
“Depois, eles passam para o terceiro momento, que é o aumento da tensão. As rusgas voltam, os atritos voltam, esse homem volta a dar indícios de violência, até chegar na fase inicial de novo, que é o ato da violência”, completou a advogada. “Quando a mulher conhece essas formas de atuação, ela pode conseguir sair desse ciclo de maneira um pouco mais fácil, com esse tipo de informação, ela pode pedir apoio de pessoas próximas ou até estatal para conseguir sair desse tipo de violência”.
Combate à violência contra a mulher
Vítima de agressões e uma tentativa de feminicídio pelo então companheiro em 2015, a educadora popular e empreendedora social Anna Paula Sales, conta que enfrentou muitas dificuldades para denunciar as violências que sofreu e conseguir acolhimento. “Em cinco anos de agressões, eu só consegui levar à frente oito processos, eu tive que me virar sozinha, pois na época não tinha os Centros Especializados de Atendimento à Mulher”, contou. Para ela, a dependência financeira, situação de vulnerabilidade social e a maternidade também podem contribuir para que as vítimas deixem de procurar ajuda.
“Toda vez que nós mulheres precisamos ir numa delegacia, sempre é um processo tortuoso e doloroso, pois dependemos de pessoas para ficar com nossos filhos, falta dinheiro para pagar as passagens, sem contar que o IML para fazer os exames de corpo de delito ficam distantes das nossas residências, é uma realidade cruel demais. Outra questão que aumenta de forma vertiginosa a violência que acontecem dentro das favelas, onde as mulheres, na maioria dos casos, nem podem chamar a polícia por conta da atuação e domínio das milícias e tráfico de drogas”, pontuou Anna.
Decidida a ajudar outras vítimas, Sales criou a Associação de Mulheres de Itaguaí Guerreiras e Articuladoras Sociais (A.M.I.G.A.S), um ponto de apoio com advogadas voluntários e em contato com a Defensoria Pública e o Minstério Público do Rio (MPRJ). “Criei a Associação em setembro de 2015, oito meses antes do meu agressor ser preso. Eu passei tudo sozinha, sem rede de apoio. À partir disso, criei a associação para que nenhuma mulher passasse pelo que passei. Recebemos os casos e damos os melhores encaminhamentos, estudando e orientando cada caso, conforme cada especificidade, com acolhimento, respeito e afeto. Tudo o que eu não tive, mas aprendi para ajudar outras mulheres”, contou.
A A.M.I.G.A.S pode ser encontrada em todas as redes sociais, por meio do @amigasitaguai, e por WhatsApp, no telefone (21) 96550-9767. Apesar de realizar o acolhimento de mulheres, Anna acredita que é preciso mais esforço do poder público para por fim aos casos. “Na minha visão, deveria haver mais DEAMs e mais equipamentos e serviços públicos que possam acolher as mulheres vitimas. Os que tem não conseguem absorver a enorme demanda”. Rebeca Servaes também acredita que é necessária criação de mais ferramentas para proteger as vítimas.
“Existem várias formas de fazer efetivamente o combate à violência. Em primeiro lugar, o investimento público para que novas ferramentas sejam criadas, como Delegacias de Atendimento a Mulher, uma delegacia específica para investigar feminicídio, que a gente não tem no Rio de Janeiro, novos núcleos do IML, maior investimento em centros de atendimento especializados, abrigos de mulheres”, apontou a advogado, que também destacou a necessidade da conscientização da sociedade, por meio da educação, das escolas às universidades.

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