Saiu no site REVISTA MARIE CLAIRE
Veja a publicação original: Feminicídio, assédio e racismo: ‘Coisa Mais Linda’ volta mais atual do que nunca
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A segunda temporada estreia nesta sexta-feira, 19, com Larissa Nunes no time de protagonistas e as personagens tentanto recuperar sua autonomia
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Por Kellen Rodrigues
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Uma mulher baleada por um homem violento que não se conforma com o fim do relacionamento. O crime, que poderia ser a manchete de um jornal hoje em dia, dá o mote para a segunda temporada de Coisa Mais Linda, que estreia nesta sexta-feira, 19, e traz para a discussão a luta contra o feminicídio. Segundo dados Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Brasil registrou um aumento de 22% nos registros destes crimes nos meses de março e abril, durante a pandemia de coronavírus.
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O reflexo da tragédia guia os passos da protagonista Malu, vivida por Maria Casadevall, nos primeiros episódios da trama da Netflix. Também atingida pelo marido da amiga, ela precisa aprender a conviver com os impactos da violência. “Ela vive a experiência de uma mulher traumatizada. Que passou por uma série de conquistas, emancipações e aprendizados, e que um dos resultados de todo esse processo lindo foi um ato de violência deliberado”, conta a atriz. “A primeira reação natural dela é recuar e se colocar em um lugar de comodidade e segurança. Aos poucos ela vai vendo que é um lugar que não lhe cabe mais, e vai despertando novamente através do afeto criado por essa rede de mulheres que já existia na primeira temporada”, continua.
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A rede de sororidade ganha o reforço de Ivone, irmã de Adélia (Pathy Dejesus), interpretada pela atriz Larissa Nunes. Moradora de uma comunidade pobre do Rio de Janeiro, ela se dava por contente com o emprego de secretária, por ser a primeira da família a trabalhar atrás de uma mesa de escritório. Até descobrir que pode muito mais e ter coragem para ir atrás de seu sonho de se tornar cantora.
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Para Larissa, a história de sua personagem serve de incentivo para Ivones da vida real. “Diz muito de uma geração, de uma juventude negra que está aí, mesmo a trancos e barrancos, encontrando a sua voz, tendo que fazer por si diante de uma sociedade que sempre tentou trazer invisibilidade para nós”, diz. “A Ivone traz muito esse lugar da jovem mulher negra que sempre teve que correr atrás de seus objetivos, mesmo com medo de frustrar a si e aos outros que acreditam nela. Tem muito do debate que vem lá de trás e que é muito rico no momento presente, é muito real pra mim também como atriz”, avalia a artista.
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Racismo e assédio
O racismo, aliás, ganha espaço na série, seja em um cliente que confunde Adélia (sócia de Malu no clube Coisa Mais Linda) com uma funcionária, seja na avó que sente vergonha por ter uma neta negra. Para Pathy, a intenção é fomentar discussões através das trajetórias das personagens. “A nossa pretensão não é mudar alguma coisa, seria até uma arrogância da minha parte, mas que a Adélia plante uma semente de motivação, isso já me deixa feliz”, afirma.
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Pathy ressalta o quanto é atual os debates propostos em Coisa Mais Linda, sobretudo na luta feminista. “Acho interessante a gente entender o quão difícil foi para as mulheres lá atrás conquistarem alguns desses direitos que hoje a gente usufrui. Muita gente se diz antifeminista, mas não teria o direito nem de falar sobre isso se não fosse a luta dessas mulheres, e o quão urgente se torna esse processo de manutenção. Estamos em 2020 e vemos que não está tão longe de 1960, lamenta.
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Não distante está também a questão do assédio sexual. Em um momento da trama, Malu se vê diante de uma situação de assédio por parte de um homem influente no Rio de Janeiro. “A gente vive nessa sociedade que além de racista é também machista e classista e as manifestações dessa estrutura se dá dessa maneira, às vezes sutil em relação ao assédio das mulheres”, afirma Maria Casadevall. “Já me vi algumas vezes passando por situações não tão explícitas, mas mais veladas nesse sentido do assédio, muitas mulheres passam por isso cotidianamente”, acredita.
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Enquanto isso, cabe a Thereza, personagem de Mel Lisboa, outro dilema velho conhecido – da mulher que se vê dividida entre escolher se dedicar à família ou trabalhar fora. O tema já pincelado na primeira temporada com Lígia (personagem de Fernanda Vasconcellos), que optou por um aborto e abrir mão de um casamento fracassado em busca do sonho pela carreira. “A mulher é cobrada nessa dupla função. O homem não é tanto”, avalia Mel. Na trama, Thereza decide abandonar a vida profissional para ser dona de casa e ajudar o marido a cuidar da filha dele, recém-descoberta. “Porém, para ela, o trabalho tem uma importância, é muito significativo e muito forte na vida daquela mulher, ela precisa”, defende Mel.
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Mãe de duas crianças, Clarice, de oito anos, e Bernardo, de 11, a atriz vê identificações com a personagem. “Essa divisão entre casa e trabalho é muito forte, principalmente depois que você escolhe ter filhos. Eu escolhi ter dois e aí você se divide e você mesma se cobra por conta de um machismo estrutural”, explica. “Você se cobra a tal da teoria da super mulher, a mulher guerreira que é super mãe, super profissional, super esposa, super tudo. Acho que é um processo bastante importante também é entender onde, só por ser mulher, você não teve espaço”.