Saiu no site G1 ALAGOAS:
Veja publicação original: Falta de estrutura atrapalha andamento de processos de violência doméstica contra mulher em Alagoas
Única vara especializada em Maceió acumula 10 mil processos, entre medidas protetivas e ações penais, diz juiz. Rede de apoio procura auxiliar vítimas que esperam punição de agressores.
Por Derek Gustavo
Mulheres vítimas de violência doméstica procuram na Justiça meios de manter seus agressores longe, além de punições para o que eles fizeram. Apesar da urgência que esse tipo de situação requer, a Justiça por vezes não consegue dar uma resposta breve, aumentando a angústia das vítimas.
Em Alagoas, são duas Varas da Justiça especializadas nesse tipo de violência. Uma fica em Maceió e a outra, em Arapiraca. Na capital, por exemplo, a falta de pessoal e de estrutura faz com que o 4º Juizado da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher acumule mais de 10 mil processos, entre medidas protetivas e ações penais contra agressores, a maioria por lesão corporal e ameaça.
O juiz Paulo Zacarias, titular da Vara na capital, conta que tem determinando uma média de 80 medidas protetivas por dia neste ano. Elas são importantes para manter agressores distantes de vítimas, sem entrar em contato com elas ou suas famílias por quaisquer meios, evitando ameaças ou agressões físicas.
O problema, ainda segundo o juiz, é que entre a definição da medida e a notificação do agressor, há um espaço de tempo considerável.
“Geralmente [a medida] é concedida em até 48 horas. Mas como não temos um quadro próprio de oficiais de Justiça, notificamos os agressores por meio da Central de Mandados, do Fórum do Barro Duro. Isso, no entanto, pode levar de uma semana a 20 dias. Nesse período, enquanto a notificação não for feita, ele não pode ser preso caso se aproxime da vítima”, diz o magistrado.
Com relação aos processos, a dificuldade é ainda maior. Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) divulgados na última semana mostram que, em Alagoas, apenas 26,7% dos processos de violência doméstica contra a mulher foram encerrados, um dos menores índices do país. Apenas Roraima apresenta situação semelhante.
Alagoas também apresenta a 7ª maior taxa de congestionamento entre as Justiças estaduais, com 77,2% de processos parados. Números preocupantes em um estado onde há 8,6 mortes para cada 100 mil mulheres. Ainda segundo o CNJ, os processos por feminicídio em Alagoas não chegaram à fase de execução penal, que é quando a pena é, de fato, posta em prática.
“Não existe processo penal rápido, porque ele por si só já é algo longo. Tem um conjunto de fatores que influenciam, independente da nossa questão estrutural ou de falta de pessoal. Nós [em Maceió], para fazer uma audiência, às vezes não encontramos as pessoas, tem férias de juiz, férias de promotor, poucos defensores públicos, já que a maioria dos réus é pobre. Aí demora e os processos vão acumulando”, diz o juiz Paulo Zacarias.
A falta de uma segunda vara na capital, cidade que, segundo o magistrado, concentra a maioria dos processos, é apontada como um dos principais motivos para essa lentidão na resolução dos casos.
“O ideal seria criar outro juizado para a capital. Um juiz só com tantos processos, eu teria que ter uns 20 servidores, mas só tenho seis. Com outra Vara aqui, eu e o outro juiz dividiríamos os processos, uma equipe para ele e outra para mim”, afirma o juiz.
Essa situação não é nova. Em março de 2013, o juizado tinha 6 mil processos acumulados. Já naquela época o magistrado lamentava a falta de estrutura e de pessoal. A situação chegava ao ponto de uma notificação de medida preventiva demorar até um ano para ser entregue a um homem que havia sido denunciado pela esposa.
Paulo Zacarias ressalta ainda que a carência não passa somente pelo judiciário, mas por toda a estrutura da investigação. “Falta pessoal, delegacia com mais gente para dar andamento aos inquéritos mais rápido, o IML [Instituto de Medicina Legal] emitir os laudos com mais rapidez, pois serve como prova do crime. É um conjunto de fatores para que os processos andem mais rápido e os agressores sejam devidamente punidos”.
O G1 procurou a assessoria de comunicação do TJ, para comentar a situação das varas e o trabalho feito pelo tribunal para atender mulheres vítimas de violência.
O órgão respondeu com uma nota, assinada pela desembargadora Elisabeth Carvalho, coordenadora Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar. Segundo ela, o trabalho dos juizados, apesar dos problemas estruturais, vêm ocorrendo de forma satisfatória.
A desembargadora explica também que a Vara de Maceió desenvolve projetos para conscientizar homens sobre as ações realizadas pela Justiça, além de informar e prevenir determinados comportamentos. Mulheres que desistem de dar continuidade a ações contra seus agressores também recebem atenção especial.
A nota conclui dizendo que a coordenadoria trabalha junto ao Governo do Estado desenvolvendo ações que fortaleçam a rede de apoio às mulheres vítimas de violência, como a implantação de uma ‘Sala Lilás’ no Instituto de Medicina Legal (IML), para agilizar a entrega de laudos e o andamento de processos.
Rede de apoio
Alagoas conta apenas com 3 delegacias especializadas para atender às mulheres. Duas delas ficam em Maceió e a outra, em Arapiraca. Nos outros municípios, as vítimas precisam se dirigir a delegacias convencionais.
Enquanto aguardam o desfecho dos inquéritos e processos ou o cumprimento de medidas protetivas, as mulheres vítimas de violência podem buscar apoio em uma rede montada pelo governo do estado.
A secretária da Mulher e dos Direitos Humanos do Estado de Alagoas, Cláudia Simões, conta que a pasta promoveu um curso de capacitação para policiais civis e militares, bombeiros e IML para saber como atender mulheres que procurarem ajuda por terem sido agredidas e não deixá-las constrangidas. Muitas deixavam de denunciar agressões por causa disso.
“Fizemos a capacitação de 400 homens. Os policiais contavam que, pensando em fazer algo bom e salvar a família, desencorajavam a mulher a denunciar. Nós trabalhamos para mudar essa mentalidade”, conta a secretária.
Cláudia conta ainda que essa foi só uma das medidas tomadas para fortalecer a rede de acolhimento de vítimas de violência.
“Nossa secretaria é de articulação. Precisamos articular e montar essa rede. Maceió já tinha uma casa-abrigo para mulheres com filhos de até 11 anos que saem de casa por causa da violência, e inauguramos outra em Arapiraca. Nos casos mais extremos, mandamos mulheres para outros estados e até para fora do país”, afirma.
Outras ações contando com o apoio de outras secretarias formaram os “Organismos de Mulheres”, que são locais específicos para atendimento. A secretaria também capacitou mulheres para formarem “Exércitos Maria da Penha”, em que elas aprendem a cuidar umas das outras e relatar qualquer violência sofrida, entre outras ações.
“Trabalhamos para conscientizar a mulher a não se calar diante da violência e saber que ela pode e deve procurar ajuda. Tanto que quando ficamos sabendo que aumentou o número de Boletins de Ocorrência, a gente comemora, porque significa que mais mulheres estão tendo coragem de denunciar”, conta Cláudia Simões.