Saiu no site UNIVERSA
Veja a publicação original: #Exposed e outras: Por que há tantas denúncias de assédio recentemente?
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Por Ana Bardella
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Em Brasilia, professores foram demitidos após alunas e ex-alunas de uma rede de colégios particulares denunciarem através do Twitter que foram assediadas. O mesmo aconteceu em São Paulo: dois professores foram afastados de uma ETEC após a mobilização de alunos na rede social, que usaram o espaço para mostrar a indignação perante suas condutas: um deles se masturbou em uma das aulas online, o outro foi acusado de já ter se envolvido com uma estudante.
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No Twitter, crescem as denúncias de assédio através da tag “Exposed“, que reúne relatos de diferentes tipos de experiências: desde relacionamentos abusivos até crimes, como vazamentos de fotos e estupro.
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Uma página intitulada “Exposed Emo” divulgou uma conversa do músico Japinha, ex-baterista da banda CPM 22, com uma adolescente de 16 anos, no qual ele questionava se ela já havia tido relações sexuais. Após a confirmação do integrante de que a troca de mensagens era verdadeira, ele foi afastado do grupo. O movimento também tem acontecido nos Estados Unidos, onde as cresceram as denúncias de assédio de famosos. Esta semana, o ator Ansel Elgort, de “A Culpa É das Estrelas”, e o comediante Chris D’Elia, o Henderson da série “Você” da Netflix, tiveram seus nomes envolvidos em denúncias de assédio de menores.
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Por que tantas denúncias?
De acordo com a antropóloga Beatriz Accioly Lins, pesquisadora do núcleo de estudos sobre os Marcadores Sociais da Diferença, da USP, o número elevado de denúncias é resultado de um esforço do movimento feminista. “Na última década, o termo ‘assédio’ se popularizou diante de uma mobilização que visava problematizar atitudes desrespeitosas que antes eram tidas como naturais, tais como as cantadas de rua e as passadas de mão”, explica. Atualmente, a legislação diferencia assédio de importunação sexual. No entanto, nos espaços de debate a palavra se popularizou.
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As redes sociais têm papel importante e são usadas com frequência para acender o debate. Exemplo disso são as hashtags #MeuPrimeiroAssédio, #MeuAmigoSecreto e, mais recentemente, #Exposed que surgiram para falar sobre violência de gênero. Para Juliana de Faria, jornalista e fundadora da ONG Think Olga, a internet funciona para mulheres que antes não tinham espaço na mídia, na literatura, no cinema e na comunicação em geral como um “megafone”. “No espaço virtual elas se tornaram produtoras de seus próprios conteúdos, sem pedir permissão para ninguém — e isso fortaleceu a conversa”.
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Se antes acreditavam que seus sofrimentos, suas violências e experiências eram absolutamente individuais e particulares, descobriram que não eram. Que acontece com as mais diversas mulheres. O único denominador comum que existia entre as histórias é o assediador” Juliana de Faria, fundadora da ONG Think Olga.
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Isso explica porque muitas das mulheres que estão fazendo a denúncia são jovens. “Sinto que elas já navegam por um universo no qual podem falar mais abertamente sobre suas experiências, sofrendo sim, retaliações, mas também sendo acolhidas”, opina.
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Obstáculos de uma denúncia
É comum que, após fazer um desabafo, as mulheres sejam questionadas sobre sua veracidade. “Isso acontece porque, como sociedade, a nossa primeira reação é tentar pensar o que a vítima poderia ter feito de diferente, em vez de ouvir e acolher”, afirma Beatriz. O principal questionamento costuma ser: “Por que ela só falou agora?”.
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Juliana explica que são inúmeros os motivos que levam uma vítima a adiar o momento de contar sua experiência. “Entre eles está a falta de entendimento imediato de que se tratou de uma violência; o medo de ser culpabilizada ou não ser levada a sério e até de passar por algo semelhante novamente”. Ela também alerta para o “juriquês” e as burocracias. “Os pormenores de oficializar a situação podem afastar uma vítima desse processo”.
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Quando uma fala, a outra se encoraja
Apesar das dificuldades, Beatriz acredita que uma denúncia instiga a outra. “Quando você entende que não é só com você, que não é sua culpa e que isso se trata de uma questão social, começa a construir uma narrativa diferente e sente mais liberdade de expor”. Juliana concorda: “É válido rever casos como o da Xuxa, que denunciou as violências sexuais que sofreu na infância na televisão e depois isso o número de denúncias no 180 inflou. Quando vemos que é possível, nos sentimos mais confortáveis para reproduzir”.
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Casos assim explicam como a coragem é um fenômeno “viral”: quando uma onda de denúncias surge, como é o caso da hastag “Exposed”, logo outras do mesmo tipo começam a ganhar força.