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Eu, Leitora: “Um homem apontou uma arma para mim no Carnaval porque não deixei ele me tocar”

Saiu no site REVISTA MARIE CLAIRE:

 

Veja publicação original:   Eu, Leitora: “Um homem apontou uma arma para mim no Carnaval porque não deixei ele me tocar”

 

Uma jovem foi vítima de extrema violência durante o Carnaval paulistano, quando um homem apontou um revólver em sua direção porque ela não deixou que ele a tocasse. Comunicada, a polícia nada fez.

 

Entre as muitas coisas que amo e odeio, ao mesmo tempo, está o Carnaval. Desde sempre, sou apaixonada pela comoção nacional, pelas ruas lotadas, pela música, as fantasias e o glitter que cobre os corpos, as ruas.

Mas também odeio o Carnaval pois sei que ir para a rua é uma batalha. Uma batalha contra os olhares de cobiça, as “cantadas” invasivas, as mãos abusivas que vão me tatear sem minha permissão e de nenhuma das outras mulheres ao meu redor, que vivem a mesma  situação.

Essa sensação de desconforto se tornou insuportável desde que me descobri feminista. Uma amiga (hoje, uma das melhores) me ensinou que as piadinhas, os abraços inapropriados e, principalmente, que evitar certas situações apenas por ser mulher, não são coisas que acontecem e devemos tudo bem, segue o baile. Ela me mostrou que isso tem nome, uma causa e mulheres lutando pelo fim de tudo isso. Lutando pelo fim do machismo.

De lá pra cá, sou feminista, e acabei por ocupar uma vaga de designer em uma revista que não só se intitula assim, mas também encabeça projetos, campanhas e lutas pelos direitos das minas. Demais, né?

Neste ano, me empolguei genuinamente com o Carnaval. Depois de acompanhar tantas ações, não só de coletivos femininos, mas também de grandes marcas condenando os abusos e o assédio, tirei o ódio do coração e dei lugar ao glitter! Meu namorado e eu estaríamos passando nosso segundo Carnaval juntos. Combinamos fantasias. Convocamos os amigos. Estava tudo lindo.

Logo no primeiro dia de desfiles dos blocos, tomei coragem para fazer a ousada. Coloquei meias pretas, um All Star surrado, shorts e dois X, feitos de fita isolante, cobrindo os mamilos. Assim fui para as ruas. A princípio, estava receosa. Já esperava pelas represálias e pela dor de cabeça de ter que explicar para alguns homens que o fato de eu sair daquele jeito não legitimava, nem lhes dava aval para me tocarem. Contrariando minhas expectativas, tudo correu muito bem. Nenhum imprevisto. Pelo contrário, mulheres me paravam nas ruas e me chamavam de corajosa, maravilhosa e que, quem sabe, elas iriam aderir ao modelito para usar nos próximos blocos.

Voltei para casa com um sentimento de liberdade. Pude sair como eu quis e fui respeitada por isso.

No terceiro dia de blocos, um calor de abafar, pensei em repetir o look.
Meu namorado eu e minha roommate chegamos ao Vale do Anhangabaú por volta de 19h. O bloco estava passando bem na frente da estação de metrô, e nós seguimos aquela mistura de música eletrônica com brasilidades. Alguns metros à frente, paramos para meu namorado ir ao banheiro. Minha amiga e eu ficamos esperando um pouco depois do bloco, conversando e dançando. Minutos depois, ao me virar para ver se o cordão se aproximava, um homem veio bruscamente em minha direção, as mãos em direção aos meus seios. Em seu rosto, a intenção de me agarrar. Num reflexo, me virei para a direita e ele passou a um tris de mim. Chocada, só tive tempo de exclamar: OH! NÃO! Mal as palavras saíram, senti uma mão me pegando pelo braço esquerdo e me jogando para frente, aos gritos de: “OH NADA! CALA TUA BOCA”.

O homem estava acompanhado de mais três amigos. Nessa hora, minha amiga entrou na minha frente e começou a discutir com o rapaz que tinha tentado me agarrar. O homem que segurava meu braço me soltou, foi para trás dela e, aos berros, nos mandou calar a boca. Quando me virei para pedir calma, ele puxou uma arma. Me olhou enfurecido e disse mais baixo: “Manda ela calar a boca agora, que vagabunda não diz não pra amigo meu”, enquanto segurava o revólver na altura do peito.

Percebi que minha amiga não tinha notado o que estava acontecendo. Não sabia como avisar, não queria fazer alarde. Tive medo de dizer algo e acabar mais uma estatística de feminicídio. Foi, então, que meu namorado voltou do banheiro. Ele chegou, colocou a mão na minha cintura e perguntou o que estava havendo. Foi o suficiente para os quatro caras tomarem seu rumo.

Paralisada, eu não sabia o que fazer. Vi um posto policial próximo e corri até lá. Contei aos três policiais o que tinha acontecico, e, entre meios sorrisos, eles me disseram que iam checar, mas “a situação estava complicada”. E nada fizeram.

Dali, fomos embora. Não tinha mais clima para comemoração.

O que eu vi, para mim, foi uma demonstração do famoso “bro code“. A partir do momento que eles viram que eu estava acompanhada de um homem, que eu tinha “dono”,  perceberam que estava errado me tocar. Não porque eu não queria. Não porque eu proibi. Só porque eu tinha um homem comigo e aquilo seria desrespeito com ele; não comigo.
No final, não tem mensagem positiva ou de superação. Só que eu ainda tenho medo. E é por isso que eu sei que o feminismo é necessário.

 

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