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Veja publicação original: Eu implorei pra ele parar
Por Maria Vitoria Francisca Enviado para o Portal Geledés
Eu disse que não queria… Ele não parou…”
“Eu falei que tava me machucando… Ele não parou…”
“Eu passei aquela noite toda em claro me culpando por não ter conseguido parar aquilo. Eu me senti culpada por ele ter me ferido. Eu me senti culpada por ele ter destruído todo meu amor.”
A noite vai longa, as horas correm febris, o peito pulsa, o modo escorre dos olhos.
– Ele me tocou… Eu não queria…
– Eu confiava nele. Meus amigos confiavam nele. Meus pais confiavam nele. Porra, ele era meu namorado.
– E sabe o que é pior?
– Eu só tinha a ele. Eu o amava. Eu confiei a minha vida entregando meu coração de menina em suas mãos e ele sem dó ou remorso, o destruiu…
Um nó forçou minha garganta, senti um líquido quente querer dar vazão para além dos meus poros. Eu não sabia ao certo o que dizer ou o que fazer, qualquer coisa que eu arrisca-se me parecia errado.
– Eu só tinha dezessete anos. Ele? Vinte e três.
– Todos o amavam e o veneravam. Ele era o namorado perfeito. O tempo todo minha mãe me perguntava na frente dos meus parentes e dos meus amigos quando era que eu ia me casar com ele? Porque ele sim era digno de uma comunhão. Era homem de respeito, educado, inteligente, trabalhador, carinhoso, atencioso, caridoso, católico, um ótimo professor… Certamente iria ser um ótimo pai.
– Porra! Eu só tinha dezessete. Eu nunca pensei em ser mãe, eu tinha uma vida toda pela frente, todo um futuro planejado, a faculdade, meu trabalho, as viagens, as pessoas, as emoções, as fotos… Eu tinha planos, eu tinha sonhos. Mas, parece que nada disso era pra mim.
A lua alta. A madrugada dedilhando os ponteiros. E eu ali… Sentindo meu estômago ferver uma sopa de ódio e revolta.
– Eu me culpei sabe? Dê certa forma eu ainda me culpo… Toda vez que me deito para dormir eu o visualizo em cima de mim, segurando meus pulsos, forçando a abertura das minhas pernas, lambendo o meu pescoço, mordendo os bicos do meu peito, empurrando o pau dele com força dentro da minha vagina enquanto ele gemia que nem um porco chafurdando na lama…
– Você não pode imaginar como é a sensação. Sabe quando dizem que quando estamos perto da morte vemos toda nossa vida passar diante dos nossos olhos?
– Eu morri. Eu morri ali, com lágrimas nos olhos, sangue entre as pernas e um coração partido, traído por alguém que eu tanto amava.
Eu senti que devia abraçá-la. Mas fiquei com medo do meu toque se assemelhar ao dele. Senti que deveria dizer algo como… Vai ficar tudo bem, você está comigo agora, eu não deixarei mais ele se aproximar de você. Mas isso seria pior. Qualquer coisa que eu pudesse ter feito, jamais seria o bastante para curar uma alma perdida.
– Às vezes eu acordo no meio da noite chorando desesperada… A imagem dele em cima de mim me vem à mente de um jeito tão assustador que nem o inferno seria tão ruim de se estar, quando noites assim me assombram.
– Eu me sinto imunda. Podre. Ainda mais morta. Ainda mais culpada. Me pergunto a todo momento o que eu deveria ter feito pra ele não agir da forma como ele agiu.
– Eu não sei mais fazer outra coisa além de morrer dia após dia em mim.
– Os remédios já não adiantam. A terapia já não adianta. Nada pode me reavivar.
– Você sabe como é estar com alguém na cama e do nada ter uma crise fudida e deixar a pessoa perplexa e morrendo de medo de você, te achando a garota mais louca que ela já conheceu?
– Você não faz mais nada além de chorar, chorar muito, gritar, implorar pra parar, dizer que está doendo, pedindo pra sair de cima, se debatendo, tentando morder, arranhar… E nada… Absolutamente nada daquilo está realmente acontecendo, mas você sente uma sensação tão forte que você é tele transportada de volta para aquela noite e você não faz ideia de como voltar a realidade.
– Eu já perdi muitas pessoas boas depois dele. Pessoas que não puderam aturar essas minhas crises, meus medos, minha insônia, meu choro, meu silêncio, minha raiva, meus maus-tratos, minha frieza, minha retranca… Ninguém conseguiu aturar a fortaleza que eu me tornei… Tão forte por fora, mas por dentro toda uma tropa de soldados derrotados por combates eternos em minha própria guerra.
O silêncio em mim germinava. Me sentia culpada também. Eu desencadeei aquela crise, eu estava fazendo amor com ela quando ele chegou…
– Me dá uma roupa. Se veste. Não fala nada. Só deixa eu me cobrir por favor e se cubra também. Não fala nada, cala a boca…
Acho que eu nunca me vesti tão depressa. Pensei em acender a luz, pegar uma água, contar uma piada… Mas o melhor que eu poderia fazer era apenas calar a porra da boca e esperar…
– Eu só preciso que a noite termine. Não me toca. Não abre a boca. Fica longe de mim.
– Eu queria estar na minha casa, com meu moletom, minhas meias, minha touca, meus travesseiros e meus antidepressivos… Talvez eles me ajudassem a dormir…
– Sempre que eu tenho essas crises eu preciso do meu moletom. Eu preciso chorar sozinha, preciso abafar o grito no meu travesseiro, preciso me drogar até dormir… Mas tem dias que a dor é tão forte que eu posso sentir um líquido quente escorrendo de dentro de mim, junto com minha sanidade.
As horas passaram. A noite acabou. O sol nasceu. O silêncio ainda revestia as paredes. Não ousei pregar os olhos, talvez eu nem tenha piscando…
Virei minha cabeça pro lado direito e a vi pousada rente ao meu ombro, toda encolhida, cheia de roupas e cobertor…
Fazia vinte e dois graus naquela manhã.
Eu deveria acordá-la, já eram quase nove e meia, ela tinha uma hora apenas para atravessar a cidade e chegar ao trabalho. Eu poderia… Eu deveria… Eu apenas…
Dei um beijo amigável em sua testa e a encaixei no meu peito. Desliguei todos os despertadores e fiquei ali… Com os olhos pregados no teto ouvindo o oscilar da respiração falhada dela.