Especialistas em crimes contra a mulher debatem lei do feminicídio
Da Redação: Joel Melo Fotos: Maurício G. Souza
Por iniciativa da deputada Maria Lúcia Amary (PSDB), foi realizada nesta quarta-feira, 25/11, reunião para discutir o feminicídio e a utilização do termo nas ocorrências policiais. A nova qualificação deve substituir aos poucos o uso já consolidado de homicídio passional para classificar crimes que se caracterizam por ser praticados por questões de gênero, isto é, por elas serem mulheres. Conforme esclareceu Rosmary Correa, a Delegada Rose, responsável pela implantação da Delegacia da Mulher em São Paulo, é preciso que os boletins de ocorrência passem a utilizar o termo feminicídio, o que, segundo ela, vai levar a mídia a repercutir o termo. Coordenadora da reunião, a Delegada Rose falou da escolha do 25/11 para a realização da reunião. Nesta data se comemora o Dia Internacional da Não-Violência contra a Mulher, em homenagem às irmãs Minerva, Pátria e Maria Tereza, brutalmente assassinadas pela ditadura de Trujillo, em 25 de novembro de 1960, na República Dominicana.
Crime hediondo
A Lei 8.305/14, que cria a figura do feminicídio, foi sancionada pela presidente Dilma Rousseff em 9/3/2015 e, desde então, todo assassinato motivado por razões de gênero, menosprezo ou discriminação contra mulheres configura crime hediondo, passível de condenação de 12 a 30 anos de reclusão. A nova norma vem reforçar a Lei Maria da Penha, que tem o objetivo de proteger as mulheres vítimas de todos os tipos de violência masculina.
Conforme esclareceu Juliana Godoy Rodrigues, delegada de polícia do Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP), o feminicídio é um crime qualificado, que tem características específicas. “Qualquer crime que ocorra em razão da circunstância de a vítima ser mulher é capitulado como feminicídio, crime que a nova lei trouxe para o rol dos crimes qualificados no Código Penal. Além disso, ele entra também como crime hediondo e agrava sobremaneira a pena dos autores.” Como o DHPP investiga os crimes com autoria desconhecida, Juliana disse que o departamento atua naqueles casos em que não se consegue estabelecer de pronto a autoria e citou, entre outros, o caso de Mércia Nakashima. A princípio, este não era de autoria conhecida ” embora se suspeitasse que o ex-noivo era o autor, não havia provas a respeito”, e foi necessária uma investigação complexa para se comprovar essa autoria. Juliana afirmou ainda que o feminicídio ocorre em geral no ambiente doméstico (50%), e nesses casos a autoria fica clara desde o início. A delegada do DHPP disse que as delegacias das mulheres são extremamente importantes para as investigações sobre esse tipo de crime e que com elas se iniciou todo o processo, que teve sequência com a Lei Maria da Penha e, agora, com a lei do feminicídio. “Haja visto que as DDM já são 130 só no Estado de São Paulo”.
Mudanças nas polícias
Fernando de Melo Gonçalves, delegado do Departamento de Polícia Judiciária de São Paulo (Decap), falou da importância do acompanhamento das estatísticas geradas pelas DDMs sobre o que ele chamou de “violência doméstica que gera fatalidade”.
O delegado acha importante conhecer os números até para verificar se as medidas protetivas de urgência estão sendo eficazes ou não. “Se não estão, o feminicídio, que é o grau máximo da violência contra a mulher, irá aumentar e vice-versa.”
Fernando disse também que a estatística ora existente é insipiente e que os novos dados precisam de mais tempo para serem consolidados, principalmente porque a lei é muito nova. De memória, ele disse que os dados apontam para um percentual de feminicídio que varia de 5 a 10% dos crimes praticados na capital. “Esses números ainda estão subdimensionados porque esse filtro do feminicídio depende da razão do crime, e a razão do crime se perde se a investigação não é aprofundada. A ideia é sensibilizar os delegados e as equipes de polícia judiciária para um aprofundamento no sentido de incluir sempre a qualificadora, isto é, a razão do crime, no campo correto.”
Joseli Aparecida Bichara Assis Diniz Costa, delegada da Demacro, falou da estrutura do órgão, que tem na Grande São Paulo 14 Delegacias da Mulher, e da busca da proximidade com a população no sentido de oferecer apoio à mulher que queira fazer alguma denúncia. Disse que as DDMs contam com psicólogos, assistentes sociais e assessoria jurídica para, juntamente com as prefeituras, fazer um trabalho de enfrentamento da violência doméstica. “As mulheres se sentem mais confiantes para fazer a denúncia, e isso é um grande avanço. Com a nova lei, vai melhorar ainda mais”, finalizou.
A promotora de Justiça de Taboão da Serra, Marilia Gabriela Prado Mansur, discorreu sobre o trabalho da promotoria a partir da edição da nova lei e que tem, até o momento, quatro casos de feminicídio. Marília disse que há uma evolução da conquista dos direitos da mulher com a prevenção, não permitindo que casos de lesão leve ou de ameaça evoluam para o feminicídio. “Nós desenvolvemos algumas estratégias em que conseguimos acompanhar essas mulheres, dando segurança e proteção para elas e, ao mesmo tempo, trabalhar com homens que estão sendo processados por crimes de lesão corporal leve, crime de ameaça e injúria e que podem evoluir para o feminicídio, a mais grave expressão de violência contra a mulher. Estamos conseguindo um bom resultado na diminuição desses crimes.” A promotora acrescentou que a própria lei aumenta o poder intimidatório porque as penas aumentam é porque é retirada da defesa a possibilidade de culpar a vítima pela agressão.
Dos casos de crimes que a promotora trouxe para expor na reunião, todos apresentavam fatores de risco desde o começo até o final. “Ninguém acordou e falou “hoje eu vou matar essa pessoa”, sem ter cometido alguns atos de violência anteriormente. A gente mostra uma evolução: estava ameaçando, estava xingando e daí, num certo dia, numa discussão, acaba matando a mulher.” A promotora destacou ainda a importância de identificar os fatores de risco no caso da violência contra a mulher. “O uso de álcool e drogas não é causa, mas um fator de risco. A violência psicológica que pode evoluir para violência física é fator que nós verificamos e que, no processo de investigação, pode ser identificado, evitando assim a morte da mulher.”