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Entrevista: Kate Schatz e suas Mulheres Incríveis

Saiu no site THINK OLGA:

 

Veja publicação original: Entrevista: Kate Schatz e suas Mulheres Incríveis

 

A escritora americana Kate Schatz nem sabe dizer quando se tornou feminista. Para ela, o feminismo faz parte de sua experiência e vivência desde que se entende por gente – e não faz nenhum segredo disso. Foi natural, então, que pensasse em uma forma de compartilhar histórias de mulheres fantásticas – em geral, apagadas ou ignoradas pela história – em seu ofício. “Mulheres Incríveis” é a segunda obra de não-ficção de Kate, com recorte global; inclusive, na edição brasileira, publicada pela editora Astral Cultural, a fundadora da Think Olga, Juliana de Faria, contribuiu com mais quatro perfis: Maria da Penha, Debora Diniz, Sonia Bone Guajajara e Elza Soares. Entrevistamos a autora para conhecer sua relação com o feminismo e a importância de tornar a vida dessas mulheres conhecida em todo o país.

O que é ser uma mulher incrível (rad woman, no original)?

A palavra “rad” tem alguns significados diferentes; é uma gíria que traz diferentes maneiras de se dizer “muito legal” em inglês. No livro, nós usamos de uma forma meio engraçada, uma brincadeira com o fato de que as mulheres no livro são muito incríveis. Mas “rad” também é um diminutivo de “Radical”, o que pode significar algo poderoso ou que nunca foi feito antes. Então quando falamos dessas mulheres, nos referimos a pessoas que são muito legais, mas também fora do comum, que fazem coisas grandes e inesperadas.

Como surgiu a ideia do livro?

A ideia começou no meu primeiro livro, que se chama “Rad American Woman A-Z”, e a inspiração surgiu com a chegada da minha filha. Eu estava pensando muito em como é criar uma filha nesse mundo e as histórias que eu gostaria que ela aprendesse. E por aqui temos muitos livros alfabetizantes, que ensinam as crianças o ABC e eu pensei: ‘E se eu fizesse um livro como este, mas ao invés de animais ou frutas, eu usasse nomes de mulheres fascinantes da história?’. Então foi mesmo uma combinação de coisas as quais eu tenho paixão: feminismo, história, leitura para jovens… Quando apareceu na minha cabeça, eu pensei: ‘uau! esta é uma ótima ideia!’.

Você é uma escritora de ficção e esta foi a primeira vez escrevendo para jovens e sobre história! Como foi a experiência?

Quando eu tive a ideia, fiquei muito animada. Mas ao mesmo tempo, era um território novo, muito diferente. Eu nunca havia escrito para crianças e nunca havia escrito algo que não era ficcional. Então foi um ótimo desafio que eu fiquei feliz de aceitar. Mas no fim das contas, não sei se houve tanta diferença. Mesmo que estas histórias sejam verdadeiras, que não sejam ficção, ainda é tudo sobre contar histórias. Então, as mesmas ferramentas que eu uso como escritora de ficção, também uso quando estou escrevendo histórias sobre estas mulheres da vida real. A minha verdadeira intenção é tentar manter um público interessado e engajado com as histórias que estão sendo contadas por meio dessas mulheres.

E sua filha? Ela gostou dos livros?

Ah, ela ama os livros! Ela tem oito anos agora e é uma grande fã e muito orgulhosa. Quando o primeiro livro saiu, ela estava perto dos seis anos de idade e ainda não conseguia ler, então ela olhava e reconhecia o livro, mas não havia lido sem ajuda, ainda. E quando ela aprendeu a ler, houve um momento em que ela leu o livro em voz alta para mim e esse foi um momento muito emocionante.

Em algumas entrevistas, você mencionou que se divertiu muito durante a pesquisa para o livro. Gostaríamos de saber: como foi o seu processo de desenvolvimento e escrita?

A pesquisa para conteúdo histórico é difícil, mas incrivelmente divertida ao mesmo tempo. Para o Mulheres Incríveis, meu processo de pesquisa foi diferenciado pois, no primeiro livro, eu já tinha um conhecimento vasto sobre mulheres americanas na história, mas com esse eu não tinha tantos nomes específicos e eu não queria deixar muitas brechas. Então eu contatei pessoas de todo o mundo, amigos meus e amigos de amigos meus e perguntei a eles: que  mulheres, em suas respectivas culturas, eles gostariam de ver neste livro? Isso foi uma parte bem grande da minha pesquisa, para ter uma representação autêntica de pessoas em todo o mundo se identificassem. E foi isso, todo mundo deu ideias… e enquanto eu me aprofundava nas pesquisas, lendo muito e assistindo a todos os documentários e vídeos possíveis, acabei aprendendo muito sobre essas mulheres incríveis. Cerca de 40 histórias entraram no livro, mas eu pesquisei mais de 200 nomes antes de decidir quem incluir. Eu passava meu tempo lendo e vendo histórias sobre pessoas legais! *rindo*

Isso parece bem divertido, mesmo!

E agora, pessoas me mandam histórias o tempo todo por e-mail, Facebook, mandam links de mulheres e garotas fantásticas… As pessoas também vêm falar comigo em eventos, algo como “ei, você já viu essa ou essa pessoa?”. Eu sempre anoto essas ideias. Acabou se tornando uma parte bem importante do projeto.

Você tem alguma história favorita que gostaria de compartilhar com a gente?

Bem… eu acabei ficando muito ligada a todas as histórias. Sempre faço visitas a escolas, para conversar com os jovens, e acabo lendo sempre as mesmas histórias que fazem sucesso entre eles, são mais fáceis de ler em voz alta… e a história da Marta, essa fantástica jogadora de futebol brasileira, é sempre um sucesso… É engraçado, futebol é muito popular entre crianças aqui nos Estados Unidos, especialmente jovens meninas. Mas não é tão popular entre adultos. Há muitas meninas que jogam quando são pequenas, mas não têm oportunidade de jogar de forma profissional quando crescem. É tão incrível a reação delas quando ouvem falar da Marta, ficam muito empolgadas. Também gosto muito da história de Sophie Scholl, a jovem estudante alemã que foi uma das primeiras pessoas a falar publicamente contra Hitler. É uma história poderosa e muito triste sobre como é importante se posicionar em relação ao seu governo, o que com certeza é muito relevante para a gente até hoje.

A edição brasileira tem mais quatro mulheres incríveis, cujos perfis foram escritos por Juliana de Faria, fundadora da Olga. Você conhecia a história delas?

Fiquei tão feliz quando a editora brasileira sugeriu a inclusão de mais mulheres, fiquei tão feliz. Eu não era familiarizada com a história dessas mulheres, então fiquei tão emocionada em ler sobre suas vidas. Foi realmente uma ideia muito boa adicionar mais mulheres, foi perfeito. Fiquei bem animada em conhecer mais sobre elas. Quando soube da inclusão desses nomes, perguntei para alguns amigos brasileiros se conheciam essas mulheres, e todos ficaram tão empolgados quanto eu.

Muito bom! Bem, o tema agora é feminismo. A Olga é uma ONG focada em empoderar mulheres por meio da informação aqui no Brasil. Quando você soube que era feminista?

Eu não tenho uma memória específica sobre isso, embora quisesse muito ter. Minha mãe encontrou um pôster que fiz quando tinha 12 anos para um projeto de escola, basicamente fazer um pôster que me representasse. E o meu tinha diversas fotos, colagens e montagens, e no meio delas a palavra “feminista” escrita bem grande. Eu era bastante ativa politicamente quando era mais nova, mas isso me surpreendeu! Eu não lembro muito bem disso… lembro de recortar essa palavra para colocar no pôster, mas não lembrava que tinha colado nem que tinha feito isso aos 12 anos! Então, tenho o feminismo em mim há bastante tempo, claramente *rindo*. Desde pequena, era interessada em gênero e política. E sempre tive um conceito muito sólido sobre o que é ser mulher, e sempre pensava nisso, nas coisas que eu achava que não eram certas. Sou feminista desde sempre, acho!

O mundo mudou bastante nas últimas décadas em relação ao feminismo, mas queria saber o que é o feminismo hoje, na sua opinião.

Para mim, feminismo é muito simples. É acreditar na igualdade dos gêneros, mas também, o que eu sempre digo, é saber que ainda não temos essa igualdade. Vivemos em um sistema patriarcal, que desvaloriza de forma consistente as conquistas da mulher. Então, o feminismo está presente na forma que eu me posiciono no mundo, nos trabalhos que faço, em como educo meus filhos… E é algo que eu torno bastante público sobre mim, eu falo bastante sobre o tema, tenho uma camiseta, porque acho importante ter pessoas pensando e falando sobre isso. De certa forma, acho que muita gente ainda acredita que feminismo é um palavrão, e eu quero torná-la uma palavra legal. Todo mundo que acredita na igualdade de direitos deveria se considerar feminista. É uma grande parte da minha vida, em todos os sentidos.

Você poderia contar um pouco mais sobre seu projeto Solidarity Sundays?

Sim, claro! Solidarity Sundays é uma rede americana de ativismo fundada por uma amiga minha. Uma vez por mês, a gente reúne mulheres que cumprem ações políticas para descobrir novas formas de ativismo. É similar ao feminismo; muitas pessoas se identificam com as ideias, têm posicionamento, mas não se sentem ativistas de uma causa, não sabem como fazer a diferença. É uma forma de ajudar pessoas a encontrarem a melhor maneira de lutar, ao seu modo. Muitas pessoas usam a internet, por exemplo, como espaço para o ativismo. Isso é bom, mas também acho que as pessoas devem se encontrar em espaços offline. É por isso que começamos o Solidarity Sundays, que se encontra sempre em um domingo do mês. Há um ano, temos um grupo que se encontra na minha casa e se organiza para agir em diferentes causas, como a luta pelo meio ambiente, pela legalização do aborto. Logo depois da eleição [presidencial nos Estados Unidos], nosso grupo cresceu muito! *rindo* Tínhamos um grupo já grande no Facebook, com cerca de 700 pessoas, e depois das eleições esse número saltou para 1900! E temos cerca de 300 grupos ao redor do país, e em alguns outros países também, como Canadá, Áustria… Sempre são grupos de pessoas que se reúnem na casa de alguém. Escrevemos um kit de ações que podemos tomar, em diferentes cidades. Ligamos para representantes do governo, organizamos festas beneficentes para angariar fundos para organizações, participamos de marcas… mas muito das nossas ações focam, hoje, na política americana, como saúde, políticas anti-imigrantes, somos muito reativas a tudo que Donald Trump vem propondo. Estamos trabalhando bastante por aqui, é muito frustrante, às vezes. Sabemos que o resto do mundo olha pra gente e pergunta o que está acontecendo. *rindo*

Acreditamos muito no empoderamento feminino por meio da informação, ou seja, em mulheres contando suas histórias ou passando o microfone para que outras também compartilhem suas vivências, que é o que você está fazendo também. Como podemos empoderar ainda mais mulheres nessa missão?

Acho que há uma grande quantidade de formas de fazer isso e é extremamente importante. Artistas, por exemplo, tem um grande papel nisso, assim como vocês, jornalistas. Geralmente, fazendo com que todas as mulheres saibam que suas histórias são importantes e válidas. Artistas têm esse poder, seja no cinema, escrevendo roteiros para a televisão ou criando artes visuais, é essencial contar essas histórias. Jornalistas também tem essa responsabilidade de amplificar vozes. E também acredito que é essencial começar o mais cedo possível! Fazendo com que jovens meninas sintam que suas opiniões são válidas, que são interessantes e suas histórias devem ser contadas também, inclusive nas salas de aula. Elas precisam se sentir preparadas para fazer perguntas e respondê-las também. Encorajar essa cultura do compartilhamento, de trocar experiências, é realmente importante. Se isso não acontece, você acaba tendo mulheres adultas que não sentem que suas opiniões e histórias são válidas, e isso é ainda mais duro, né? Outro aspecto que pode ser importante é criar espaços seguros para mulheres conversarem e dividirem vivências, seja no espaço digital ou offline.

Nossa última pergunta é, claro, sobre recomendação de livros de outras mulheres incríveis?

Oh meu Deus, eu consigo recomendar um milhão de livros! *rindo* Isso é muito difícil! Acho que vale dizer que há muitos livros que são similares ao Mulheres Incríveis, que contam histórias fantásticas sobre mulheres na história ou empoderam meninas… há uma escritora americana que gosto muito, que é Rebecca Solnit, que para mim é uma das pessoas mais brilhantes escrevendo sobre política hoje. Caramba, são muitas opções! *rindo* Acho que não vou conseguir pensar em mais agora, estou olhando para a minha estante agora e é muito difícil escolher uma só *rindo*.

 

 

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