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Eliane Dias, dos Racionais: quanto mais li, menos o machismo me influenciou

Saiu no site UNIVERSA

 

Veja publicação original:  Eliane Dias, dos Racionais: quanto mais li, menos o machismo me influenciou

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Por Flávia Martinelli

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Eliane Dias vai participar do grande encontro de um clube de leitura que mobiliza as periferias de São Paulo. “Ler é um divisor de águas para a mulher periférica”, diz a empresária do grupo Racionais MC´s

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Por Stéffanie Mota, especial para o blog MULHERIAS 

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Há cinco meses as periferias da cidade de São Paulo passaram a ser sacudidas por palavras, páginas, versos e prosas. O Circuito Literário das Periferias (CLIPE) tem reunido amantes dos livros para trocar ideias, dúvidas e experiências de leitura em bairros das cinco macrorregiões da cidade(Zonas Sul, Leste, Oeste, Norte e Centro), o projeto surgiu de uma parceria da fundação Tide Setubal, ONG que fomenta iniciativas para enfrentamento das desigualdades socioespaciais das periferias, com a editora de livros Companhia das Letras.

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O circuito recrutou um articulador cultural que já atua em cada região para mobilizar leitores nas atividades. No boca-a-boca, nas redes sociais ou em outros eventos literários, cada mediador convidou os leitores como achou melhor. “Foram sugeridos os livros que gostaríamos de debater e o prazo para ler. Eu não tinha as obras em casa e isso não foi problema porque a organização do circuito nos emprestava e os livros circularam entre os grupos da cidade”, conta Patrícia Sodré, professora de história que não pretende mais parar de frequentar clubes de leitura.

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O encontro dos cinco clubes de leitura acontece no próximo dia 15, na Ocupação Cultural Ermelino Matarazzo e contará com a presença de Eliane Dias. A advogada decidiu cursar direito depois de ler “Quarto de Despejo”, livro de Carolina Maria de Jesus, uma das mais importantes autoras da literatura periférica. Hoje está perto de ter sua autobiografia publicada. “Olho para trás e me vejo trabalhando desde a infância e estou escrevendo sobre como comecei a trabalhar aos 9 anos e nunca mais parei”, conta Eliane que enxerga na leitura uma possibilidade de transformação social.

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“Quando você começa a ler é como se estivesse usando um óculos de sol e chegasse ao fim do livro com óculos de grau, você passa a enxergar coisas que antes não podia ver.”

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Além de conversar sobre as obras, quem participa do clube de leitura pode também conhecer os autores. Amélia Dalomba, escritora angolana, e Bianca Santana, representante do Brasil na Feira do Livro de Frankfurt neste ano, que está escrevendo a biografia da filósofa, escritora e ativista Sueli Carneiro – fundadora do Geledés, Instituto da Mulher Negra – também estarão presentes no dia 15 para falar de suas experiências como escritoras e da importância da literatura periférica.

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Com o sucesso do circuito os organizadores já estão pensando na agenda do próximo ano. Para participar basta ter mais de 18 anos e ficar ligado nas redespara mais informações de datas e locais. Confira os depoimentos de quem viveu essa  experiência.

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Dos gibis da patroa aos clubes de leitura

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Em agosto um amigo convidou a Patrícia Sodré, professora de história de 29 anos, para participar de um encontro de leitura e debates, no bairro do Campo Limpo. “Achei incrível a ideia de um clube de leitura nas periferias, principalmente porque apesar de temos bibliotecas por aqui há uma grande diferença entre ter um lugar fixo para leitura solitária e ser incentivado a frequentar um espaço com outras pessoas que leram o mesmo livro que você”, lembra Patrícia. “Desde o primeiro encontro senti que todos eram muito receptivos e abertos a discutir. Depois participamos de encontros com autores de outros livros também e eu não parei mais de ir nos encontros.” De lá pra cá, Patrícia já esteve em cinco encontros do CLIPE, cruzando a cidade de quebrada em quebrada para compartilhar o gosto pela leitura.

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Alfabetizada aos 7 anos, entre o corre-corre e as brincadeiras com outras crianças nas ruas de Paraisópolis onde nasceu, a moradora de Paraisópolis, na periferia da Zona Sul de São Paulo, Patrícia sempre encontrava um tempo para ler os gibis doados que sua mãe trazia da casa da patroa, onde trabalhava como babá. “Sempre gostei de ler e tive professores marcantes que me inspiraram e incentivaram a minha leitura”, conta ela, que é professora de história.  Quando ela e os filhos da patroa cresceram, os gibis pararam de chegar e Patrícia passou a frequentar a biblioteca comunitária do bairro. Alimentada com doações de moradores, aquelas prateleiras eram seu único local de acesso à livros.

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No primeiro ano da faculdade de história, Jéssica começou a trabalhar em uma biblioteca num bairro próximo de sua casa. Como jovem monitora, participava de saraus e outros ambientes dedicados a literatura oral e leituras compartilhadas. Apaixonada por poesia periférica, a professora pretende continuar a frequentar clubes e sarais, segundo ela “a leitura é fundamental, quando leio uma poesia periférica consigo me ver ali também, assim como enxergo meus amigos, vizinhos e meu próprio bairro nas histórias”.

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“Procuro despertar nos meus alunos o gosto pela leitura”

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Do boca a boca nas redes sociais veio a ideia de participar de um clube de leitura pela primeira vez. Apaixonada por histórias, quando soube do CLIPE Michelle Ribniker, professora de geografia, foi uma das primeiras a ir buscar uma cópia do livro com o organizador do clube, o articulador cultural Jaime Diko Lopes, que organiza o Sarau Verso em Versos na Zona Sul. “Como moradora da periferia, às vezes sentia como se eu lesse sozinha, não tinha com quem compartilhar ideias sobre a leitura ou perguntar pra um colega o que ele entendeu de um parte da história”, conta Michelle. “Então, eu pude finalmente trocar ideia sobre uma leitura e sai do primeiro encontro já ansiosa pelo segundo”.

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Indo aos sebos na infância Michelle se encantou pelas palavras. “Meu pai me levava ao sebo e falava que eu podia pegar o que quiser, os livros eram muito baratos e eu me divertia muito com a possibilidade de ler o que eu quisesse”, ela conta que durante boa parte de sua infância sua mãe sustentou a casa sozinha com bicos como costureira, enquanto o pai desempregado se ocupava em passar aos filhos dicas de leitura.

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Na casa no Parque Regina tinha sempre uma discussão, “enquanto todos queriam as luzes apagadas pra dormir, eu queria a luz acesa pra ler mais uma página”, lembra aos risos. “Os livros me ensinaram aceitar e amar outras pessoas, acho que por isso escolhi a geografia, pelo meu desejo de mudar o mundo. Hoje sei que não posso mudar o mundo, mas posso mudar muita gente”.

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Entre as horas de busão e trabalho, a professora não consegue mais ler como antes, os livros andam em sua bolsa até que ela possa encontrar um momento tranquilo para viajar nas histórias. Mas o clube do livro veio para ficar e a ideia de mudar o mundo ganhou cara nova, como professora de alunos da rede pública Michelle deixa sempre um livro sobre sua mesa, “tem sempre um aluno que vem perguntar porque aquele livro está ali, e assim nasce um leitor.

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