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Veja publicação original: Ela rejeitou colocar próteses nos braços e cuida do filho com os pés
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Por Bárbara Therrier
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A psicóloga Lucinéia Baltazar, 36, nasceu sem o braço direito e parcialmente com o esquerdo. Sem aceitar sua deficiência, o sonho dela era colocar próteses nos braços para ser “normal”. Quando estava perto de realizar esse desejo, porém, desistiu de tudo. Nesse depoimento, ela explica por que tomou essa decisão e conta como cuida do filho pequeno.
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Não aceitava minha deficiência e entrei em depressão
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“Nasci com a malformação congênita dos membros superiores. Aprendi a desenvolver habilidades com a mão e os pés. Na infância, minha mãe era super protetora e fazia tudo por mim. Me levava ao banheiro, me dava banho, me arrumava.
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Na adolescência, não aceitava a minha condição. Minha família não me deixava sair, passear, namorar, porque eles achavam que alguém poderia se aproveitar de mim. Eu me questionava por que todo mundo podia ser normal, e eu não. Evitava me olhar no espelho porque me achava feia. Eu só tirava foto do rosto e usava blusa de manga. Nessa fase eu entrei em depressão e tentei o suicídio. A única solução que eu via para mim era a morte. Cheguei no fundo do poço.
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Um tempo depois, minha tia Marinalva e minha prima Luciana me visitaram no Paraná e falaram que iriam conseguir dois braços mecânicos para mim. Era meu sonho. Fui para São Paulo e fiquei seis meses morando com a minha tia até fazer todos os testes e treinamentos.
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Não eram dois braços que determinariam o meu valor e a minha felicidade
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No dia em que experimentei as próteses, tive uma sensação ruim, me senti um robô. Era como se aquilo não fizesse parte de mim. Tive um insight e desisti de tudo. Cheguei à conclusão de que se Deus me criou assim é porque ele tem um propósito. Percebi que não seriam dois braços que determinariam o meu valor e a minha felicidade. Decidi continuar do que jeito que eu era.
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Voltei para o Paraná e fui em busca da minha independência. Comecei a estudar, a trabalhar, fui morar sozinha. Fiz duas faculdades, de Serviço Social e de Psicologia. Na universidade, fui vítima de preconceito. Durante uma discussão, uma colega usou a minha deficiência para me xingar e ofender. Fiquei profundamente magoada.
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Em 2013, conheci o meu marido, o Osvalmir, pelas redes sociais. Antes de marcar o primeiro encontro, eu perguntei a ele: “Você viu como eu sou?”. Inicialmente ele não tinha entendido a pergunta. Ele reviu as minhas fotos e disse que só tinha reparado no meu sorriso. Me falou que não se importava de eu não ter os braços.
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Trocava a fralda, roupa e dava banho no meu filho com os pés. Ele se moldou a mim
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Com cinco meses de namoro, descobri que eu estava grávida do Khauã. Na gestação, eu a passava a mão na minha barriga e conversava com o meu filho sobre a minha deficiência. Dizia que a mamãe era diferente e que precisaria da colaboração dele. Falava que o amava e que cuidaria dele mesmo com as minhas limitações.
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Quando o Khauã nasceu, tive de lidar com a desconfiança das pessoas. A primeira situação aconteceu no hospital. Ele estava chorando com cólica e a enfermeira não quis colocá-lo no meu colo com receio de eu derrubá-lo. Eu insisti e o coloquei entre o meu pescoço e o meu braço esquerdo. Ele sentiu o calor do meu corpo, se acalmou e parou de chorar. Eu falei para ela nunca julgar uma pessoa pela aparência.
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No início, minha família também ficou com medo de eu não dar conta. Meu irmão insistiu que eu deveria contratar uma babá, mas eu disse que ele estava tirando o meu direito de ser mãe e que eu tinha condições de cuidar do meu filho. Com cinco dias de vida do Khauã, pedi ao meu marido para pegar algo e aproveitei para trocar a fralda dele com os meus pés. Ele nem estava sujo, mas fiz isso para provar que eu era capaz.
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Nosso vínculo de mãe e filho era tão forte que ele sempre colaborou comigo desde bebê. Para trocá-lo, eu colocava um travesseiro e um colchão forrado no chão e o deitava. Sentava num banquinho e trocava a roupa dele com os pés. Ele ficava quietinho. Era como se ele entendesse que eu precisava da ajuda dele. Ele se moldou a mim. Quando o meu marido o trocava, ele ficava agitado.
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Minha maior realização foi dar banho nele pela primeira vez quando ele tinha três meses. Minha vizinha dava um banho à tarde e o meu marido à noite. Um dia ele estava com febre e nós estávamos sozinhos. Levei a banheira para o quarto, enchi de água, coloquei ele deitado em cima do meu pé esquerdo e lavei com o direito. Liguei para o meu marido e contei o que tinha feito. Ele ficou feliz. Sempre me apoiou e confiou em mim como mãe.
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O amor próprio fez eu me aceitar e me tornar independente
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Hoje o Khauã está com três anos e nove meses e é muito comportado e carinhoso. Quando saímos, ele não corre, segura na minha mão, não faz birra para comer e limpa a minha boca com o guardanapo quando eu termino uma refeição. Ele é meu companheiro.
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Apesar de não ter os braços, faço tudo que uma pessoa faz. Cuido da minha família, limpo a casa e tenho a minha profissão. Não sinto mais vergonha da minha aparência, me acho bonita e sou bastante vaidosa. Faço a minha unha, sobrancelha, maquiagem e escova no cabelo.
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Criei um canal no YouTube (Lucinéia Baltazar) para mostrar um pouco do meu dia a dia e incentivar as pessoas com deficiência a serem independentes. Passei a me aceitar quando entendi que precisava me amar para depois ser amada. Ao fazer isso, vemos o mundo com outros olhos e temos força para superar todos os obstáculos e buscar nossa felicidade”.
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