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É hora de assumir as consequências

Saiu no site O GLOBO:

 

Veja publicação original: É hora de assumir as consequências

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Por Marina Ganzarolli

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Weinstein perdeu prestígio, foi demitido e caiu no ostracismo. E, finalmente, foi criminalmente acusado de estupro

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Por meses, Harvey Weinstein, um dos produtores mais poderosos de Hollywood, foi acusado de estupro e assédio sexual por múltiplas vítimas. Ele chegou a receber o apoio de figuras importantes do cinema, mesmo sendo de conhecimento geral que era um abusador recorrente de mulheres — até “piada” em cerimônia do Oscar já tinha sido feita sobre o assunto. Mas logo surgiram outras denúncias dentro e fora da indústria cinematográfica, e foi ficando cada vez mais difícil defendê-lo. Weinstein perdeu prestígio, foi demitido de sua empresa e caiu no ostracismo. Na sexta-feira, ele finalmente foi criminalmente acusado de estupro, abuso sexual e outros crimes, e conduzido algemado para responder às acusações perante um tribunal da cidade de Nova York. Algumas horas depois, pagou fiança e vai responder ao processo em liberdade.

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Aqui no Brasil, muito provavelmente, ele também responderia em liberdade e não seria conduzido em algemas. Ainda assim, este caso tem consequências importantes não apenas para a indústria cinematográfica dos EUA, tampouco somente para a vida destas sobreviventes. O caso Weinstein afeta a vida de todas as mulheres e, principalmente, de todos os homens. Não à toa, outras denúncias não relacionadas a Weinstein surgiram logo depois, e o movimento #MeToo eclodiu nos EUA, levando para a esfera pública um amplo debate sobre violência sexual e assédio.

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O fato de que as vozes destas sobreviventes estão ecoando tem consequências reais que ultrapassam este caso específico. O sentimento de falta de poder e total impotência que as vítimas de violência sexual experimentam diante dos seus agressores é uma das principais causas da subnotificação. As estatísticas e notificações criminais de estupro não equivalem ao número de crimes sexuais que de fato ocorrem.

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Diferentemente do que acontece com os crimes patrimoniais, as vítimas de violência baseada no gênero sofrem algo que chamamos de revitimização. Ao denunciar seus agressores, as sobreviventes são colocadas em primeiro plano e passam a ser o foco das atenções: quem é ela, o que faz, o que fazia à época, quais suas reais intenções. Quando, na verdade, o índice de falsa notificação nos casos de violência sexual é exatamente igual ao de outros crimes. Por que alguém passaria por tudo isso de novo ao ter que contar e recontar uma experiência tão traumática? Deslocar o foco para o comportamento da vítima não daria tão certo se a cultura e o machismo estrutural não corroborassem esta narrativa, cujos pressupostos são os estereótipos de gênero: “Como posso denunciá-lo se ele é tão poderoso?” ou “Ela é louca, quer aparecer”.

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Rose McGowan, Gwyneth Paltrow, Ashley Judd e outras dezenas de mulheres de todos os tipos, atrizes, cineastas, produtoras, algumas mais poderosas que outras, são todas sobreviventes — expressão americana usada no tratamento de vítimas de violência sexual. Quando o sistema de Justiça responde de forma eficaz à violência cometida contra a mulher, isso encoraja outras a fazerem o mesmo. Mas as maiores vítimas de violência baseada no gênero, seja ela doméstica e familiar ou sexual, continuam sendo as mulheres negras, periféricas, trans, lésbicas, imigrantes, rurais, indígenas. Mas estas histórias não são contadas em lugar algum. Assim como é bom lembrar que os agressores que terminam presos também têm cor e endereço: são negros, não podem pagar fiança e advogados como Weinstein.

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Seja nos EUA, seja no Brasil, este caso ajuda a desconstruir mitos. O primeiro mito — além do já citado mito do falso testemunho — é de que a vítima é uma mulher fraca, vulnerável. Não. Elas também são mulheres bem-sucedidas, inteligentes, fortes. Quando uma vítima em situação de vulnerabilidade social e econômica vê sua história representada na grande mídia, ela enxerga validação: “Você não está sozinha”.

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Outro mito é que os homens agem por instinto. Que eles são assim por natureza. O machismo é estrutural e estruturante, e estes estereótipos de gênero (“Os meninos são assim, e meninas devem entender”) são reproduzidos e transmitidos graças a uma educação sexista, que reforça a desigualdade de poder e privilégios. Mas talvez o mais importante dos mitos que este caso — e muitos outros de grande repercussão — ajuda a desconstruir é de que o estuprador de mulheres é um homem doente. Não. Ele é um cara normal, é seu colega de trabalho, o pai de família. Essa é a história de milhares de mulheres.

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Quebrar o silêncio não vai só mudar a vida de nossas filhas e filhos. Vai mudar nossas próprias vidas e, principalmente, a vida dos homens: dos que amamos e de todos os outros. O futuro é feminista.

 

 

 

 

 

 

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