Saiu no site UNIVERSA:
Veja publicação original: Dez coisas que você não deve dizer a uma vítima de abuso sexual
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Por Talyta Vespa
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As pessoas acham que sabem o que eu estou sentindo
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A frase é da historiadora Carolina, 30 anos, vítima de abuso sexual aos 20. À Universa, ela revelou que já ouviu de pessoas com quem não tinha intimidade diversos “conselhos” que a chatearam. “Por mais que todas as mulheres imaginem a dor de um abuso, ninguém pode mensurar o que sinto hoje.”
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Segundo a psicóloga e psicopedagoga Adriane Nascimento, tentar amenizar a dor de uma vítima desse tipo de violência pode ser um gatilho. Por isso, entenda exatamente como ajudar as pessoas que passam por esse problema.
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“Eu sei o que você está sentindo”
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“Não, não sabe”, garante Adriane. “Quem nunca sofreu abuso sexual não tem ideia do que uma vítima sente. Dizer isso pode fazer com que essa pessoa se sinta incompreendida. Se a intenção for ajudar uma vítima, ofereça apenas colo”, afirma Fernanda, 26, violentada quando tinha 11 anos.
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“Pode me contar com mais detalhes?”
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De acordo com Adriane, pedir detalhes do crime pode fazer com que a vítima reviva a sensação do abuso. “Os detalhes são íntimos, pessoais e podem se tornar um gatilho, fazendo com que a pessoa volte para aquela situação. Precisamos ouvir o que o outro tem a dizer, se ele quiser dizer. Caso não queira, se mostrar disponível é suficiente”, explica a psicóloga.
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Aproximação invasiva
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“Se a pessoa estiver sofrendo, não posso abraçá-la intuitivamente. É preciso se aproximar aos poucos e tocá-la devagar. Deixe que ela te abrace, caso queira. Como a violência sexual deixa muitas marcas, nem sempre o toque é bem-vindo e, muitas vezes, pode trazer lembranças ruins à vítima.”
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“Não precisa chorar”
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De acordo com Carolina, chorar é importante. “Não adianta dizer que a gente não precisa chorar, é lógico que precisa. É um trauma que sempre vai se manifestar na nossa cabeça, é impossível não chorar por causa disso”, diz a jovem, que não consegue conter as lágrimas sempre que as lembranças se manifestam.
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“Você precisa ser forte”
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“Não, eu não preciso de força. Tenho o direito de me revoltar, de viver esse sentimento”, diz Fernanda. A psicóloga explica que a função dos amigos, em momentos de desespero por parte da vítima é a de se mostrar ao lado dela. “Diga que está disponível caso ela queira conversar”, conta Adriane.
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“Você estava bêbada?”
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Marcela*, de 27 anos, sofreu abuso aos 18. Desde então, a pergunta “você estava bêbada” foi feita a ela mais de dez vezes. “É insano e triste. Eu não estava bêbada, mas e se eu estivesse? O estuprador teria direito de encostar no meu corpo? Sempre que alguém me pergunta isso, me sinto culpada pelo abuso, mesmo sabendo que fui só uma vítima. A culpa nunca é da vítima”, afirma a jovem.
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“E aí, tudo bem?”
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A psicóloga sugere que a corriqueira pergunta “tudo bem?” seja substituída por “como você está hoje?”. “Desta forma, a mulher não se sente pressionada a ficar bem. Cada vítima tem seu tempo, mas ele deve ser natural”, afirma a especialista. “Perguntando sobre a evolução do sentimento, ela vai se sentir protegida ao seu lado.”
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“Que tipo de roupa você estava usando?”
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“Eu usava um moletom largo. Estava a caminho do mercado em uma quarta-feira à noite. A calça era grossa e mal encostava no meu corpo, enquanto o blusão desvalorizava minha cintura. Parem de culpar a vítima. Questionar a roupa é uma forma de fazer isso”, diz a vítima Carolina.
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“Vai passar”
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A psicóloga Adriane garante: “Não vai passar. O que pode acontecer é a pessoa aprender a lidar com o trauma, mas esquecer, jamais. É algo que vai acompanhá-la para o resto da vida. Por isso, relativizar e dizer que ‘vai passar’, além de ser mentiroso, pode fazer a vítima se sentir incapaz de superar o abuso”.
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“Você não reagiu?”
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“Eu respondi que não. Me olharam feio, como se eu fosse responsável por aquilo. Era um homem muito mais forte que eu, como eu reagiria? Mas ninguém se preocupou comigo, só quis saber se eu não tentei evitar o abuso. É triste quando duvidam de você. Nunca questione uma vítima sobre a tentativa de se proteger, é óbvio que ela não queria aquilo”, afirmou Marcela.
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* O nome divulgado nesta reportagem é fictício para preservar a identidade da personagem.
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