Saiu no site da Vogue.
Veja publicação original. Depressão e tristeza: os impasses da pandemia na saúde mental
Michelle Obama, em esse podcast, levantou a questão. Aqui, o psiquiatra Filipe Batista vai além e insere o debate sobre saúde mental no campo social e político
Na segunda edição de seu podcast, que foi ao ar na última quarta-feira, Michelle Obama disse estar passando por uma depressão leve. “Não apenas por causa da quarentena, mas por causa da disputa racial, e apenas ver este governo, observar a hipocrisia dele, dia após dia, é desanimador.” Seu depoimento lança luz à necessidade de tratarmos abertamente sobre depressão, mas vai além, ao inserir o debate sobre saúde mental no campo social e político.
Algo soa familiar no relato de Michelle. Brasil e Estados Unidos atravessam a pandemia liderados por presidentes que insistem negar e reduzir sua gravidade, e cujas gestões desastrosas no controle da Covid-19 levaram ambos países aos mais altos números de mortos no mundo. O assassinato de George Floyd também possui seus espelhos aqui. Marielle Franco, João Pedro, Ágatha Félix e tantos outras vidas perdidas. Muito já foi dito sobre os possíveis impactos da pandemia em nossas emoções, mas será que já falamos o suficiente a respeito das consequências do racismo e seus desdobramentos na saúde mental de pessoas negras? E quanto aos danos psicológicos causados por uma liderança política que não acolhe a saúde pública como prioridade e não reconhece o grave momento que estamos atravessando?
Michelle disse estar passando por uma depressão leve. A depressão pode manifestar-se de diferentes formas e em intensidades distintas, mas jamais deve ser ignorada, mesmo em casos menos graves. O surgimento de sintomas como tristeza, falta de energia, perda da vontade e do prazer, alterações do sono e do apetite, que se estendem por semanas e prejudicam de maneira significativa a sua vida devem ser avaliados sempre, e quanto mais precocemente instituído tratamento melhor. Mas como endereçar esse tipo de depressão causada por tamanhas mazelas sociais nas quais estamos mergulhados, uns mais que outros? E como tratar pessoas cuja esperança no pacto social foi rompida?
Além do luto pela perda de mais de 100 mil vítimas, é preciso falar também sobre a morte simbólica da ideia de pertencimento coletivo, que se esgarça mais a cada dia, e testa o limite da barbárie que somos capazes de tolerar e compactuar. Diante da escalada ascendente de subtração da dignidade humana, cabem as perguntas: é possível sentir-se bem? Como não deprimir? Não devemos confundir depressão com tristeza, e nesse cenário, sentir-se triste em algum grau é absolutamente normal e também uma maneira de expressar saúde mental, se pensarmos que o momento que atravessamos inspira tantas preocupações e dificuldades. A própria cobrança por estar bem quando tudo vai mal também pode levar à depressão. Abraçar a frustração e tentar lidar com ela como é possível, às vezes, é tudo que nos cabe. Como diz o provérbio, não há bem que sempre dure, nem mal que nunca acabe. Vai passar.