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Denunciar assédio não é linchamento: É a única resposta possível

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Veja publicação original:  Denunciar assédio não é linchamento: É a única resposta possível

 

Expor casos de assédio é uma resposta não violenta das mulheres quando o sistema de justiça falha conosco.

 

Por Feminismo na Prática

 

A banda Apanhador Só suspendeu suas atividades após relato de abuso da ex-esposa de um de seus integrantes.

*Por Helô D’Angelo

Nas últimas semanas, meu feed de notícias foi um exemplo perfeito do que acontece quando mulheres se unem para denunciar abuso. Primeiro, a rede feminista se uniu em torno de Clara Corleone, ex-esposa de um dos integrantes da banda Apanhador Só, que publicou um relato sincero narrando cinco anos de um relacionamento extremamente abusivo.

Depois, outras mulheres, indignadas, decidiram criar uma lista de bandas cujos integrantes haviam sido machistas ou abusivos no passado. A ideia era deixar bem claro que, mesmo com discurso humanitário, homens não estão livres do machismo.

E aí veio a reação: questionando a lista, apareceu um texto chamado “A militância irresponsável que você deveria evitar” que, resumidamente, chamava atenção para a “irresponsabilidade” da lista. A justificativa da autora, que é “escritora e profissional de redação e jornalismo”, é que “os casos não foram averiguados”. A autora reclama: “Vale a pena por a vida pessoal de pessoas em xeque de maneira irresponsável?”.

Compreendo a visão. É empático se colocar no lugar dos músicos, e faz parte da noção de democracia entender que uma pessoa é inocente até que se prove o contrário. De certa forma, concordo com ela – afinal, sou jornalista também. Mas vi este texto compartilhado por muitos amigos homens que, em vez de adotar a postura crítica da autora sobre a forma de tratar o assunto, simplesmente reclamavam da “exposição” desnecessária, questionando a veracidade dos relatos. Um deles chegou a usar um termo interessante: estaria acontecendo um “linchamento virtual” contra os músicos.

Vamos separar as coisas. No Brasil, estima-se que 90% dos casos de estupro não cheguem a ser denunciados, segundo o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Entre os motivos, dois se destacam: primeiro, porque a vítima, em 70% dos casos, é próxima ao agressor, o que dificulta a denúncia.

Segundo, porque elas não acreditam no sistema de justiça. Isso porque boa parte das delegacias não está preparada para receber uma vítima de violência sexual – um tipo de violência que deixa marcas em apenas 10% dos casos, de acordo com o Sinan. E porque a punição é rara: o número de presos por este crime é 3,5 vezes menor do que o número de boletins de ocorrência, segundo dados da Agência Lupa.

Estou falando do extremo, que é o estupro. Imagine, então, outras violências menos visíveis ainda, mais difíceis de comprovar e mais espaçadas no tempo, como o abuso psicológico, o assédio sexual ou a agressão doméstica?

Essas formas de violência, além estarem de naturalizadas, muito raramente saem da casa, do trabalho ou do âmbito familiar da vítima. Elas são mantidas no mundo privado, por medo, vergonha ou descrédito na justiça. E, muito mais raramente ainda, são punidas. Justamente porque discursos como “ela está exagerando”, “não há como provar isso”, “deixa disso” permanecem.

O irônico é que o que nós mais queremos é que esses casos de violência e abuso sejam levados à justiça. O que nós mais queremos é que eles sejam comprovados, e que os culpados sejam punidos. Mas como, se a nossa justiça é dominada por homens? Como, se mesmo entre quem deveria nos proteger, reina a mentalidade da cultura do estupro e do machismo que faz duvidar da vítima?

Já que o sistema de justiça é falho em casos como esses, não consigo entender como uma lista de acusações de machismo pode ser irresponsável (ou, pelo menos, mais irresponsável do que nosso sistema de justiça já é em relação às mulheres).

A ideia da lista era simples: deixar bem claro que o machismo não passará em lugar nenhum – nem mesmo entre os homens que cantam letras feministas. O que se pedia era o boicote dessas bandas e, no lugar delas, o enaltecimento de bandas formadas por mulheres. Só isso.

Nenhuma mulher que compartilhou a lista espera que estes homens sejam mortos ou, como meu amigo apontou, linchados. A lista é uma resposta não violenta de nós, mulheres, classe oprimida. E não é equivalente a um linchamento. É apenas um grito que diz: não aguentamos mais e vai ter troco. É a única resposta que podemos dar nas condições em que vivemos.

Linchamento, em seu sentido mais amplo de empurrar voluntariamente para a morte, é o que fazem os homens ao afirmar que a resposta das mulheres ao assédio é um exagero, algo a ser “avaliado” por uma “justiça” criada e mantida por homens brancos. Uma justiça construída e mantida, também, sobre o linchamento de mulheres, pobres, negros, LGBTs e outros grupos oprimidos.

Acusar as mulheres de “linchar” homens simplesmente porque elas os denunciaram é fazer coro às vozes que chamam mulheres de loucas, negros de naturalmente violentos, pobres de ignorantes. É deslegitimar. É, figurativamente falando, linchar.

A sociedade nos relega à execução quando duvida de nós. Nos relegam ao estupro, ao abuso e à violência física e psicológica. Isso, e não a criação de uma lista de bandas para boicote, é irresponsabilidade.

Volto ao texto da autora que questionou a lista de bandas machistas e lanço a mesma pergunta: vale a pena por a vida de pessoas em xeque de maneira irresponsável? Porque é isso que tem sido feito com mulheres.

*Este texto foi escrito por Helô D’Angelo e publicado originalmente no blog Eu, Tu, Elas – Feminismo na Prática.

*Este artigo é de autoria de colaboradores ou articulistas do HuffPost Brasil e não representa ideias ou opiniões do veículo. Mundialmente, o HuffPost oferece espaço para vozes diversas da esfera pública, garantindo assim a pluralidade do debate na sociedade.

 

 

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