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Veja publicação original: Dançarina foi abusada por padrinho e parceiro: “Arte é válvula de escape”
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Por Luiza Souto
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Enquanto fala de sua participação no recente clipe “Trocando em Miúdos”, música de Chico Buarque e Francis Hime regravada por Zezé Motta, a bailarina e pesquisadora em dança Andrea Raw repete o trecho que mais lhe toca: “Devo dizer que não vou lhe dar o enorme prazer de me ver chorar”. E não viram mesmo. Aos 11, sofreu abuso de um padrinho.
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Na fase adulta, perdeu mais de 10 kg e operou duas hérnias após sair de um relacionamento abusivo. Aos 41, a moradora da Taquara, zona oeste do Rio, usa a dança como válvula de escape, e para ajudar jovens carentes.
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“No clipe, sou eu ali vivendo um trauma da vida pessoal. A pessoa, na canção, está devastada mas exerce uma dignidade e superação. É um exercício de amor próprio. Quantas mulheres não ficam assim após uma relação abusiva?”, questiona Andrea, que é professora e coreógrafa.
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Abuso na infância
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Andrea tinha 11 anos quando um padrinho passou a mão em seu corpo. Não foi só uma vez. A tia percebeu que a menina mudou o comportamento e a questionou.
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“Eu falei: ‘Não quero ficar perto do meu padrinho porque ele passa a mão em mim’. Era um assédio doentio. Tive sorte porque não se consumou o ato. Ele desapareceu depois que meu pai e meu avô o chamaram para uma conversa. Quase 20 anos depois, esse homem reapareceu e tentou me assediar, desta vez por e-mail. Mas logo cortei.
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Fiz terapia por quatro anos depois desse episódio e isso me trouxe muitos benefícios como estabelecer a minha personalidade”.
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Relacionamento abusivo
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Andrea voltou a ser agredida por outro homem, já na fase adulta.
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“Não teve agressão física, mas existiu o assédio moral, a falta de respeito. É abuso quando a pessoa te coloca para baixo, ridiculariza seu trabalho, diminui você. Chama-se bullying ou abuso narcisista. Fiquei um ano nesse relacionamento e perdi mais de 10kg. Parei numa mesa cirúrgica por causa de duas hérnias abdominais. Você sofre tanto que somatiza. E o corpo fala.”
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Superar, a gente não supera. É como a morte. Você tem que criar mecanismos para viver com aquela perda. E para passar por isso, tenho a arte. Arte é sempre válvula de escape pra vida.
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A dança
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Andrea começou a dançar aos 5 anos, por influência da mãe, a também dançarina Rebeca Raw, e da tia, Lourdes Iracema, dona de uma academia de dança. Dez anos depois, já era profissional. Formou-se ainda em Artes Cênicas e em Pedagogia. No mesmo ano em que perdeu suas duas maiores influências, em 2005, foi convidada para ser tradutora durante a turnê da Companhia de Dança Martha Graham, quando o grupo passou pelo Rio de Janeiro. Ganhou uma bolsa de estudos para atuar naquela escola, uma das referências da dança moderna no mundo, com sede em Nova Iorque.
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Mas a perdeu. Ela só chegou nos EUA pouco mais de um ano após o convite, tempo que levou para tirar o visto e aprovar o empréstimo que bancaria passagem e sustento por três anos. Ficaria na casa de uma amiga. Ao entrar na escola, descobriu que a bolsa não existia mais: ela demorou muito para se matricular.
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Sem pensar em voltar, fez cinco audições para ser aprovada na companhia, sob uma matrícula de 500 dólares ao mês. Mas ela tinha só 700 dólares no bolso.
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“Fui fazer faxina, tomar conta de criança, trabalhar num restaurante, e atuei como depiladora. Mas me formei. E só visitei a Times Square, a Broadway e o Central Park em 2012, depois que voltei para lá, já como empresária. Como não era mais a empregadinha latina, as pessoas me trataram de forma completamente diferente”.
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Ajuda a dançarinos carentes
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De volta ao Brasil em 2009, Andrea idealizou o Congresso Brasileiro de Dança Moderna, e o Prêmio Dança Moderna, que levava alunos para um estágio de um mês em Nova Iorque, com tudo pago. Entre 2013 a 2016, teve nove contemplados, entre eles o morador de Saquarema (RJ) Leonardo Brito, que hoje atua pelo Alvin Ailey American Dance Theater, e a russa naturalizada brasileira Ligia Mariz, no Limón Institute NYC, duas referências de dança moderna no mundo. Neste momento, está preparando uma para a Matha Graham.
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Sem patrocínio, o prêmio acabou em 2016, mas em junho ela conta que fará “de qualquer maneira” a primeira edição pan-americana do Congresso de Dança Moderna, no centro coreográfico do Rio:
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“Eu trabalho com a gratidão. O que eu gostaria de ter ganhado, faço com pessoas como o Leo e a Ligia. Eu quero abrir caminhos”.
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