Saiu no site ANA MARIA BRAGA:
Veja publicação original: Conhece alguém que sofre violência doméstica? Saiba o que fazer!
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Por Fernanda Carpegiani
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Conheça a história da Lei Maria da Penha e saiba como denunciar violência doméstica
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A cada dois segundos uma mulher é vítima de violência física ou verbal no Brasil. Esse é um dos dados do projeto
Relógios da Violência, do
Instituto Maria da Penha. Você já deve saber que a Lei Maria da Penha protege vítimas de violência doméstica, mas sabe como a lei funciona? E a história por trás da sua criação, você conhece?
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A cearense Maria da Penha levou um tiro do então marido Marco Antonio Heredia Viveros em 1983 e ficou paraplégica.
Ele simulou um assalto para tentar se livrar da prisão e ela lutou 19 anos e seis meses por justiça. Hoje, Maria trabalha para combater a violência doméstica e conta sua história sempre que pode. Em março, Mês Internacional da Mulher, sua agenda fica agitadíssima. Mesmo assim, ela encontrou um tempo para conversar com a gente sobre
violência doméstica.
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A luta de Maria da Penha
Hoje com 73 anos, Maria da Penha continua morando em Fortaleza, Ceará. Ela era farmacêutica até se aposentar por invalidez, depois que o marido tentou matá-la. Foram 19 anos e seis meses de luta para finalizar o processo contra Marco Antonio e obrigar as autoridades brasileiras a reconhecer a violência doméstica como crime hediondo. Ela escreveu um livro contando sua história em 1994 e, em 2009, criou o Instituto Maria da Penha.
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“Na época em que fui vítima não existia nem Delegacia da Mulher no País. A primeira foi criada em 1985. Foi quando o movimento de mulheres começou a dar visibilidade para o alto índice de assassinato de mulheres que decidiam se separar de seus companheiros. E para o fato de que muitos desses homens não eram punidos”, lembra Maria.
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Seu caso foi justamente esse: ela não queria continuar o casamento, porque o marido já era agressivo, mas ele não aceitava a
separação. “E
le simulou um assalto e contou para a polícia a versão de que tinha encontrado um assaltante dentro de casa, que tinha lutado com ele. Essa versão ficou valendo durante os quatro meses em que fiquei hospitalizada”, conta.
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Quando voltou para casa, Marco Antonio a manteve presa, em cárcere privado, e tentou mais uma vez atacar a esposa. “Tive que providenciar um documento chamado separação de corpos, que era o que eu precisava na época para conseguir sair de casa sem perder a guarda das nossas três filhas.” Maria então fugiu para a casa dos pais.
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A história por trás da lei
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A justiça tardou – e muito! “Duas vezes ele foi condenado e duas vezes ele saiu da audiência em liberdade por conta de recursos. O segundo júri foi oito anos depois da tentativa de homicídio e, por mais que eu esperasse, doeu muito. Foi uma decepção enorme”, conta. Marco Antonio ficou dois anos preso.
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O processo só acabou quando virou assunto internacional. Com a ajuda de ONGs especializadas, Maria da Penha levou seu caso para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos(OEA), que condenou o Brasil por negligência à violência doméstica contra as mulheres, em 2001.
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O governo brasileiro foi obrigado a investigar e finalizar o processo de Maria e a criar políticas públicas contra esse tipo de violência. Uma delas foi a Lei Maria da Penha, aprovada em 2006 pelo então presidente Luís Inácio Lula da Silva. Maria também recebeu uma indenização simbólica por tudo o que passou.
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Além das barreiras judiciais, ela enfrentou também o julgamento e o preconceito das pessoas. “Na sala de espera do médico, as pessoas me reconheciam e faziam perguntas como: ‘Para que fazer isso? Bastava separar e cada um fosse pro seu lado’.
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Um repórter me perguntou, depois que eu contei minha história, o que eu tinha feito para merecer esse tiro. Isso era muito comum, muito presente.”
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Hoje, Maria da Penha é conhecida no Brasil e no mundo. E sempre ouve agradecimentos das mulheres que encontra por aí.
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“Muitas dizem para mim que foram salvas pela lei, que se não fosse pela lei elas estariam mortas.”
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Por que a Lei Maria da Penha é tão importante?
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Uma pesquisa do
Instituto Locomotiva mostrou que 18% dos homens reconhecem que já foram violentos com mulheres. Entre os 1.000 entrevistados, homens e mulheres, 54% disseram que conhecem uma mulher que já foi agredida pelo parceiro, em todas as classes sociais. E 85% acham que mulheres que denunciam seus agressores podem ser assassinadas por eles.
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Daí a importância da Lei 11.340, a
Lei Maria da Penha. Ela ajuda a resolver casos como o de Maria com mais rapidez e eficiência e foi considerada pela ONU uma das melhores leis do mundo contra a violência doméstica.
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Essa lei mudou a forma como a polícia e a justiça lidam com casos de violência doméstica. Antes da sua aprovação, era muito mais difícil e perigoso para a mulher denunciar casos de agressão. Junto com a lei, também foram criados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. “Mas por enquanto só temos esses juizados na capital de São Paulo”, afirma a delegada Renata Lima de Andrade Cruppi, da Delegacia da Mulher de Diadema (Demacro), na Grande São Paulo.
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Ela diz que um dos benefícios mais brilhantes da Lei Maria da Penha é que a vítima pode pedir uma medida de proteção, que impede quem a agrediu de se aproximar dela. “Essa medida pode ser solicitada na delegacia a qualquer momento, não precisa ser na hora da denúncia”, explica. Em alguns casos, é a própria equipe da delegacia que sugere a medida protetiva, que pode ser pedida mesmo que a mulher decida não processar seu agressor. A lei prevê que a medida protetiva seja dada por um juiz em até 48 horas.
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Se souber que não pode se aproximar da vítima e descumprir a ordem judicial, o agressor pode ser preso de forma preventiva. Além da possibilidade de prisão preventiva, a lei também permite a prisão em flagrante, na hora em que está acontecendo a violência. O tempo máximo de detenção também aumentou com a Lei Maria da Penha: foi de um para três anos.
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Como identificar a violência doméstica
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A primeira e maior dificuldade é reconhecer a violência em todas as suas formas. As vítimas e até as pessoas à sua volta demoram para entender e aceitar que uma agressão está, de fato, acontecendo. Nem sempre ela é física, ou deixa marcas. Podem ser empurrões e sacudidas, ou ameaças, xingamentos, chantagens emocionais, e também diferentes tipos de violência sexual.
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É mais fácil identificar e denunciar uma agressão física extrema, como um soco ou até um espancamento. Mas essas marcas só aparecem na segunda fase do ciclo de violência, que normalmente é quando a mulher procura ajuda, segundo a delegada.
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“A violência começa muito antes e pode ficar anos na primeira fase do ciclo, que é a da tensão, onde acontecem agressões verbais e psicológicas. O tempo médio do ciclo de violência é de 10 anos.”
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Existe ainda uma terceira fase, chamada de “lua de mel”. É quando o agressor se arrepende do que fez, pede perdão e faz promessas de todo tipo, inclusive de que nunca mais será violento. Isso faz com que a mulher continue no ciclo de violência, que logo volta para a primeira fase e pode durar muitos anos. “Existem casos de relacionamentos de 20 anos em que a violência verbal e psicológica existe por 10, 15 anos até se tornar física”, diz Renata.
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Outra forma de identificar a violência doméstica é pelos animais de estimação. “A violência muita vezes começa pelos pets. O marido não quer bater na mulher, então agride o bicho dela”, explica a delegada. Ela está aplicando essa tese na Delegacia da Mulher de Diadema em parceria com uma veterinária e está dando certo. “O que percebemos é que as pessoas têm mais coragem de denunciar violência contra um animal do que de homem contra uma mulher.”
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Como denunciar: nas delegacias e pelo Ligue 180
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Qualquer pessoa pode denunciar um caso de violência doméstica, não precisa ser a vítima ou um familiar. Se você suspeita de um caso de agressão, onde quer que ele aconteça, é só ir até a Delegacias de Defesa da Mulher (DDM) ou Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (DEAM) da sua região ou ligar para a
Central de Atendimento à Mulher, o Ligue 180. É só discar o número 180 de qualquer telefone. Se não tiver uma delegacia especializada na sua região, você pode procurar uma delegacia comum e ter prioridade no atendimento.
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O prazo para fazer a denúncia varia de acordo com o tipo de violência, mas em geral é de 6 meses. “A mulher pode fazer só o registro ou abrir um processo de investigação. A gente orienta fazer a investigação, mas muitas vezes ela não autoriza. Só em casos de lesão grave ou estupro nós podemos dar continuidade ao processo mesmo que a mulher não queira”, explica Renata. Ela conta que em muitos casos de feminicídio, que é o assassinato de mulheres, já existia um ou mais registros de violência.
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As delegacias e a central telefônica também oferecem orientações e informações gerais sobre violência doméstica. Então se você tiver alguma dúvida ou precisar de auxílio para além da denúncia, pode entrar em contato por esses canais. Na delegacia, a mulher pode pedir indicação de médicos e psicólogos, ou até mesmo solicitar que um policial vá com ela até sua casa, se ela tiver medo de voltar sozinha e ser agredida de novo.
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Consciência para toda a família
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É normal que as mulheres sintam vergonha e medo de falar sobre as agressões que sofreram, mas é muito importante denunciar. Cada vez mais vítimas têm procurado ajuda.
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“Existe um aumento nos índices de violência doméstica porque as pessoas estão começando a identificar e denunciar esses casos”, diz a delegada Renata Cruppi.
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Desde que foi criado, em 2005, o Ligue 180 já recebeu mais de 7 milhões de telefonemas. Em 2017, o canal recebeu 156.236 relatos de violência. O número só aumentou nos últimos anos: foram 76.651 atendimentos em 2015 e 140.350 em 2016.
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Renata explica que é preciso ter um olhar humano para esse tipo de violência. “Aqui a gente não lida com bandidos, e sim com famílias desestruturadas. Não dá para olhar só para o crime. Tem que olhar e acolher tanto a pessoa que está informando quanto a família.” É por isso que a Demacro criou um programa para homens que são potenciais agressores.
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A atenção para esse contexto familiar é fundamental para quebrar de vez o ciclo de violência. Nas palavras de Maria da Penha: “A melhor coisa que um pai pode fazer por seus filhos é respeitar a mãe deles quando amar não for mais possível. Essa educação que a criança vê em casa vai ser reproduzida. Mas a gente sabe que ainda hoje essa reprodução se dá pela violência. A criança repete a violência que vê em casa”.
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