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Como seria um mundo com os papeis de gênero invertidos?

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Saiu no site : Como seria um mundo com os papeis de gênero invertidos?

 

Por Linda Soares

 

Invertemos os papeis de gênero, de verdade. Vamos tentar imaginar que nessa sociedade onde vivemos são os homens que sofrem todos os dias diversos tipos de assédios, que são eles que sempre ficam com medo do que poderia acontecer com eles quando eles voltam tarde para casa depois do trabalho, que são eles que são os oprimidos em todos os lugares que passam e em todas es esferas de suas vidas.

Certo. Vamos começar? Estamos prontos? Conseguiram visualizar isso em suas mentes? Perfeito! Vamos lá, então! O que aconteceria se os papeis de gênero fossem invertidos? Como seria se de um dia para o outro as mulheres fossem enfim vistas como seres humanos e que os homens fossem os oprimidos na história? E se as mulheres andassem sem camisa na rua sem ser chamadas de “putas” ou “vadias”?

E se os homens usassem shorts curtos e escutassem na rua coisas do tipo “Aiii, que gato! ” ou “vem cá para eu te foder” ou então “oi princesa, vamos fazer neném”. E claro, não podemos esquecer o clássico “Olha, que bunda gostosa! ”. E se os homens fossem assediados fisicamente no metro no horário de pico? E quando algum deles respondesse: “NÃO! Parem com isso! Eu não quero que me toquem, vocês não têm esse direito! “ e que o que ele escutasse como resposta fosse: “Para de fazer o inocente, olha como você está vestido! É mais do que claro que você quer ser comido/estuprado! ”.

E se um dia você visse um comercial anunciando a mais nova invenção: a cueca anti-estupro (gente, mais uma vez, nesse caso aqui é o homem que é a maior vítima de estupro pois estamos nessa sociedade que imaginamos em nossa cabeça onde os papeis de gênero estão invertidos). Você não pensaria para si mesmo “Poxa, a cueca anti-estupro? É sério isso? ” Sinceramente, você enquanto homem não pensaria: “É realmente necessário inventar algo assim? Por que não (simplesmente) explicar para as mulheres que devem se comportar corretamente, faze-las entender que não devem (nem podem) estuprar ninguém? Por que não falar para elas que o corpo é meu e, eu e somente eu tenho direito e o poder de decidir o que eu faço e não faço com ele? Meu corpo é meu e de mais ninguém! Eu que decido se quero ou não ter relações sexuais com alguém. ” E se as taxas e estatísticas de estupro (na sua cidade, Província/Estado ou seu país) fossem tão altas que fosse normal escutar as pessoas falando: “Olha, você não deveria sair de noite, ainda mais vestido assim! Viu o tamanho do seu short/saia? É curto demais! Você parece um trabalhador do sexo (puto?). ” (Vamos combinar que se você sai ou não, de noite ou de dia, vestido ou não, isso não deveria ter relação com as taxas e estatísticas de estupro, mas infelizmente, em nossa sociedade patriarcal é “normal” que as pessoas usem essas “desculpas” quando se fala dos motivos pelos quais alguma mulher pode ter sido estuprada).

E se durante toda sua adolescência (por favor, não podemos esquecer que ainda estamos nessa sociedade invertida) sua irmã sempre tivesse tido o direito de sair quando ela quisesse enquanto você, para que pudesse sair, enquanto jovem garoto, tivesse que explicar em detalhes para onde queria ir e com quem, como e o porquê. Ainda assim, mesmo você dando todas essas informações para seus pais você ainda corria o risco que eles negassem a sua saída com seus amigos e amigas simplesmente porque você é um menino (ou seja, seus pais sempre estão preocupados com você e você sempre será novo demais para poder sair por causa do seu gênero). E se você sempre fosse visto como o sexo frágil e fraco, incapaz de fazer qualquer coisa, que você fosse visto como o braço direito da mulher, sempre disposto a servi-la e a ajudá-la? E se sua família sempre te dissesse: “Você tem que ser virgem, pelo menos até o casamento! É o melhor para sua reputação! Ninguém vai querer se casar com um homem que já transou por aí. ” Como você se sentiria em relação a isso? Não seria um discurso injusto?

E se, no meio acadêmico, você nunca tivesse o direito de voz ou o direito a sua própria opinião? E se a gente apagasse a História e silenciasse tudo o que os homens escreveram ou descobriram até hoje? E se as mulheres fossem as únicas a fazerem parte da história e que vocês homens fossem esquecidos e deixados de fora como se nunca tivessem falado, escrito ou descoberto algo? E se nas escolas os professores sempre falassem das mulheres importantes da história sempre tornando vocês homens como uma parte marginal desta e de qualquer possibilidade do desenvolvimento da inteligência e da sabedoria? E se, em qualquer meio, qualquer situação, tudo que você dissesse não fosse levado a sério ou em consideração ou que as pessoas nunca te dessem ouvidos simplesmente por causa do seu gênero? E que quando se trata de uma mulher (na falsa sociedade que inventamos no início desse texto) que diz a mesma coisa que você, ela sim fosse escutada e levasse todo o credito do que você falou como se você nunca tivesse dito nada e que a ideia fosse dela desde o início?

Se você nunca fosse reconhecido enquanto cientista/filosofo/escritor/historiador (etc.) mas que quando se trata da sua mulher, ela se torna uma escritora reconhecida mundialmente e admirada por todos e todas enquanto você simplesmente é a pessoa que está do lado dela, acompanhando-a no seu processo de crescimento profissional sendo que você também tem sua carreira profissional? Como foi o caso com a Simone de Beauvoir e seu companheiro Jean-Paul Sartre, por exemplo, onde a sociedade daquela época não via Simone como uma mulher realizada e bem-sucedida ou mesmo como uma escritora filosofa e feminista importante na história e no meio acadêmico, mas sim como a simples companheira de Jean-Paul Sartre, o grande filosofo e escritor da França, reconhecido no mundo inteiro. Essa visão pode ter mudado um pouco hoje, nesse caso especifico, porem Simone ainda é vista por alguns dessa forma, e quando não, normalmente são as mulheres que a veem como uma grande figura da história.

E se, desde criança as pessoas te disseram que você não podia jogar futebol, pois é um esporte para mulheres e que você deveria ficar em casa brincando de boneca para que isso possa te preparar para ser um “dono de casa”. E se, desde seu nascimento você tenha escutado a sua família dizer que você tem que aprender a cozinhar para que sua mulher se sinta feliz quando chegar do trabalho? Quantas vezes você não ouviu “Nem pensa em estudar. Universidade para quê se você pode encontrar uma esposa rica para te sustentar? A única coisa que você tem que fazer é ficar em casa cuidando das tarefas domesticas e das crianças. ” E se você tivesse então que ficar em casa, cozinhando, dando banho nas crianças, levando-as para escola e tendo que ir busca-las todos os dias, limpando a casa, lavando a roupa e louça, enquanto a sua esposa sai todos os dias de casa para ir trabalhar e controla então toda a sua vida e a vida de seus filhos? Sem esquecer que é ela que controla as finanças da casa e que dá ou não dinheiro para você, quando convém ou quando ela quer, pois é ela que recebe um salário e não você. Você acaba se encontrando numa situação onde você acaba se submetendo as vontades de sua esposa e não direito de decidir as coisas por si mesmo porque você é financeiramente depende dela e não consegue sair dessa situação porque ela não quer que você trabalhe fora de casa; claro que para ela isso é conveniente, não? Dessa forma, ela pode ir tranquila trabalhar e voltar para casa e ter todas a tarefas da casa feitas por você, ela não precisa então dividir nenhuma tarefa domestica com você e não precisa se cansar tanto com tudo isso.

E se você não tivesse direito a sua liberdade sexual, por exemplo? Se você não tivesse vontade de estar em num  relacionamento monogâmico e que você gostasse de sair com pessoas diferentes sem que isso se torne um relacionamento mais sério, mas que o simples fato de ter mais de uma parceira (sexual) fizesse com que as pessoas se sentissem no direito de te julgar por isso, dizendo que você é um “trabalhador do sexo [ou puto]” enquanto quando se trata de uma mulher na mesma situação que você, agindo da mesma forma que você, ela acaba sendo vista como um ídolo perante suas amigas e amigos: “Nossa, com quantos caras você transou essa semana? Sério? Tudo isso? Que maneiro! Arrasou! ” ou então “Estou orgulhosa de você!”. Também não é só questão de ser bem vista ou não pelas pessoas em sua volta, mas também uma questão de ser respeitada e nunca ser julgada pela sua vida sexual ou então pelos seus desejos sexuais.

 

 

Falemos agora do meio profissional. E se você não tivesse ainda, depois de longas e difíceis lutas, conseguido o direito ao mesmo salário que a mulher? Se, por exemplo, você tivesse o mesmo tempo de experiência no seu meio profissional e você tivesse a mesma capacidade intelectual de uma mulher e que você sempre acabasse tendo um salário inferior ao dela por causa do seu gênero? Me desculpa companheiro, mas eu realmente não acho que isso seria muito agradável para você, não é? Isso não seria justo, estou certa? Agora, tirando o salário, não podemos esquecer de dizer que se você é um homem cozinheiro (mais uma vez, estamos no mundo imaginário que criamos em nossas cabeças), você não seria (normalmente) visto como um “cozinheiro reconhecido” pois você cozinha (é o que a sociedade nos diz) somente para a sua família, mas a mulher, ela, seria sempre vista como a “cozinheira Chef de renom”. Citemos outros exemplos: enquanto homem, você é o enfermeiro e a mulher a médica especialista; você é o técnico de engenharia e a mulher a engenheira renomada de sucesso e por aí vai. Como você se sente quando dá de cara com esse tipo de situação, quando sente isso na pele? Vamos supor que você tenha estudado muito e tenha conseguido entrar na faculdade para cursar engenharia, e que tenha se desempenhado tanto na graduação que logo após ter se formado tenha sido chamado rapidamente para um estágio em uma ótima empresa do seu ramo e finalmente, após longos meses de esforço e de trabalho duro, quando você finalmente conseguiu ser efetivado só escutou pelos corredores seus colegas de trabalho (muitas vezes invejosos) falando: “Mas ele só conseguiu esse cargo porque transou com a diretora da empresa”. Claro, você certamente não conseguiu esse emprego por mérito seu ou por ter trabalhado duro para isso, você não conseguiu esse cargo ou essa promoção pelo seu conhecimento e habilidades de trabalho, pois isso não conta. Não foi também pelos seus esforços e seu suor ou por causa da sua capacidade profissional e intelectual, não é?

E se as pessoas começassem a [hiper]sexualizar seu corpo? E se você sempre fosse um objeto sexual nas propagandas de cerveja, de comida, de produtos para limpeza, de perfumes, etc.? Você agora é um objeto sexual em todas as esferas de sua vida, na verdade, você sempre foi. Você é visto dessa forma em qualquer âmbito de sua vida e em qualquer lugar que você frequente. Você anda pela rua e percebe que as pessoas te olham da cabeça até os pés, como se você fosse um pedaço de carne. Você é assediado por todos os lados (nas festas, nos transportes públicos, na rua, na escola e no trabalho) e todas as formas possíveis. E se as normas instauradas pela sociedade impusessem a você uma certa forma de se vestir e/ou de se comportar? Se você fosse obrigado a raspar todos os cantos do seu corpo para entrar para os padrões da moda de hoje? Se você não usa certas roupas ou certos acessórios, você não é visto como um “homem de verdade”. Na verdade, você nunca pode decidir pela sua própria e livre vontade como se vestir. (Aqui, podemos usar o exemplo de mulheres que por não usar maquiagem são julgadas como não sendo “femininas” o suficiente aos olhos da sociedade. Na realidade, a mulher na sociedade patriarcal é julgada de todas as formas. Se ela não usa maquiagem, não é feminina o suficiente, se ela usa muita maquiagem, é uma puta e por aí vai.)

E que o falar das relações afetivas/amorosas? Vamos dizer que a sua esposa começa a te trair e mentir para você o tempo todo; ela vai ser incentivada continuar agindo dessa foram pelas suas amigas pois ela é uma mulher e você é “só um homem”. Você vai sempre estar em casa esperando por ela e sempre vai perdoa-la, porque você é o sexo frágil da história. (Você vai ser incentivado pelos seus amigos e família a esquecer os erros de sua esposa e os sofrimentos que ela possa ter causado com suas atitudes e comportamentos. Nas relações afetivas/amorosas, mesmo tendo um relacionamento aberto ou fechado, nada impede que você sofra uma ou várias formas de opressões ou que o relacionamento seja abusivo de uma forma ou de outra.

Nos relacionamentos monogâmicos, você pode ser traído e também enganado. No relacionamento aberto, você nem sempre pode estar de acordo com as atitudes da sua companheira/o e isso pode vir a ser abusivo e opressor e você poderá se sentir controlado por essa pessoa. Às vezes, você acaba aceitando um relacionamento aberto pois é a escolha ou a vontade da outra pessoa e não por ser necessariamente o que você deseja para si, ou seja, nem sempre você sente que você tem voz nessa relação. Isso pode acontecer quando você tem medo de perder sua companheira e que você quer faze-la feliz custe o que custar, ou que você não queira a contrariar, pois a ama muito e a quer sempre por perto. Não podemos esquecer que as vezes a pessoa nos obriga a aceitar esse tipo de situação seja em nos manipulando/controlando ou usando chantagem emocional. Às vezes, a sua companheira pode até fazer você acreditar que você tem os mesmos direitos que ela nesse relacionamento, que você também “ficar” com outras pessoas, mas você sabe que no fundo, não é exatamente verdade, pois o que é bom para ela nem sempre vale para você também.

Enfim, o que vocês diriam se, nos relacionamentos afetivos/amorosos, vocês notassem que a taxa de homens que sofrem violência conjugal ou homens violentados e/ou mortos pelas suas companheiras fossem extremamente altas e estivessem sempre aumentando em vários países?

 

Por fim, essas poucas hipóteses (claro que não pude mencionar todas as opressões que vivem as mulheres em nossa sociedade patriarcal) são muito complicadas a imaginar, pois a realidade é que somos nós mulheres que passamos por todas essas dificuldades e opressões em nosso cotidiano. É complicado tentar imaginar um mundo onde os homens são os que vivem essas opressões pois vivemos nesse mundo onde a sociedade onde vivemos é patriarcal. É realmente difícil falar sobre isso e principalmente escrever sobre esse assunto. Bem, eu sei que o texto não esta exatamente completo e que teriam muitas outras coisas a adicionar e eu peco desculpas as minhas amigas e companheiras [de luta] feministas por isso. Peço a vocês, companheiros homens que tentem um pouco se colocar no lugar da mulher, como foi o propósito desse texto para tentar entender um pouco mais o que vivemos e que não merecemos ser tratadas como somos agora.

 

 

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