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Como reduzir a violência doméstica? Tratando os agressores!

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A maneira como a sociedade lida com o autor da violência atinge, e muito, a vida das mulheres. Especialistas alertam: precisamos pensar além do punir.
“Nós, mulheres, recebemos apoio e tratamento e isso é muito importante. Mas os doentes são os homens e a gente precisa tratá-los, senão eles vão continuar violentos”.

Foram 15 anos de relacionamento recheados de tortura psicológica, ameaças e muita violência física, chegando a uma tentativa de afogamento. Um dia, Goretti Bússollo, 49 anos, ganhou coragem para se separar do ex-marido, mas isso não resolveu a vida dela. “Mesmo depois que eu saí de casa, ele continuou me perseguindo, fazendo escândalo na rua, mandando mensagens e me ameaçando. Denunciei várias vezes. Ele continuou me intimidando, foi preso, mas pagou a fiança e saiu. Mesmo com a ordem restritiva, ele continuou me perseguindo. Eu teria que fazer denúncia quase todo dia se quisesse me livrar dele”, conta a publicitária.

O caso dela não é isolado e retrata um dos maiores problemas da violência doméstica no Brasil: a reincidência e continuação da violência mesmo após a denúncia por parte da vítima.

Segundo o Mapa da Violência de 2015, em 49% dos casos de atendimento de violência contra a mulher, acontece repetição da violência – e são 405 mulheres que procuram ajuda por violência doméstica por dia. Ou seja, a forma como o sistema tem lidado com o agressor não está sendo efetiva.

“Estamos inseridas na cultura punitivista: a nossa maior preocupação é sempre a punição do agressor, sendo que a violência doméstica é uma questão muito mais complexa, estrutural, que não se resolverá caso a caso”, explica a advogada Juliana Mercuri, que atua com a defesa de vítimas de violência. “Precisamos de uma ampla conscientização da sociedade para transformarmos a cultura machista e atacar o problema pela raiz”.

Ela destaca que a Lei Maria da Penha melhorou, e muito, a questão por criar ações focadas na mulher-vítima e não só no autor da agressão. No entanto, ainda existe muito a melhorar, como ressalta a professora de direito da UERJ e criadora da pesquisa “Violência contra a mulher e as práticas institucionais”, Cristiane Brandão: “Precisamos usar mais instrumentos de prevenção à violência doméstica, investir em uma política pública séria, contínua e articulada em rede”. O que significa, segundo ela, investir também em grupos socioeducativos para os homens autores de violência.

Leia mais: O agressor mora no homem comum

Após a experiência traumática com o ex-marido, Goretti fundou o Instituto Todas Marias, no qual presta apoio a vítimas de violência doméstica. Atendendo a cerca de 180 mulheres, ela chegou ao mesmo raciocínio que Cristiane: a denúncia e as medidas protetivas não resolvem o problema. Ela milita pela adoção de uma política pública efetiva de adoção de grupos para o tratamento dos homens.

“Nós, mulheres, recebemos apoio e tratamento e isso é muito importante. Mas os doentes são os homens e a gente precisa tratá-los, senão eles vão continuar violentos”.

Mas o que exatamente são esses grupos?

Para explicar os grupos, precisamos olhar, antes, para a origem da violência doméstica: ela é estrutural, mais um fruto do machismo da sociedade brasileira. Em 2013, o Instituto Avon e o Data Popular realizaram a pesquisa Percepções dos Homens Sobre a Violência Doméstica Contra a Mulher, que conversou tanto com homens autores de violência quanto com homens e mulheres da população em geral. Os dados levantados comprovam que a violência doméstica tem uma forte base cultural. Enquanto 41% dos brasileiros conhecem um homem que já foi violento com sua parceira, apenas 16% dos homens admitem terem sido violentos. Isso porque eles nem percebem que suas atitudes são, de fato, violentas. A maioria acha que os seguintes atos não configuram violências dignas de denúncia: xingar, empurrar, humilhar em público, impedir de sair de casa, ameaçar com palavras ou obrigar a fazer sexo sem vontade.

Para modificar essa visão, é preciso uma transformação cultural. O que significa educar os meninos desde pequenos, mas sem ignorar os homens já formados dentro desta cultura. Para o último caso, a maior parte dos especialistas é a favor de espaços de reabilitação dos agressores: os tais grupos.

De maneira geral, esses grupos reúnem homens indicados pelo sistema judiciário ou que buscaram ajuda voluntariamente, para um trabalho de reconstrução de olhares. “Nós trabalhamos com o acolhimento desses homens, para um processo de desconstrução dos estereótipos de gênero e criação de novos modelos de masculinidade”, explica o psicólogo Tales Furtado Mistura, que coordena há cinco anos grupos de trabalho com autores de violência na ONG feminista Sexualidade e Saúde, em São Paulo.

Ele explica que, no primeiro momento, os homens chegam aos encontros raivosos, culpando as mulheres pela agressão e pela denúncia e, com a identificação e a conversa, eles se abrem para um diálogo e mudam, lentamente, a forma como enxergam gênero e a relação homem e mulher. Segundo o psicólogo, os espaços de socialização dos homens na sociedade são muito pobres e criam modelos de masculinidade hegemônica, em que o homem não sabe dialogar e também não sabe lidar com a perda do seu “poder” para a mulher que vem conquistando direitos e liberdades. “Como eles não têm habilidade para o diálogo, esses homens encontram saídas violentas para os conflitos. A gente quer que eles aprendam a conversar”.

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E de fato, a pesquisa Percepções do Homem Sobre a Violência Contra a Mulher levantou que 73% dos homens acreditam que falar sobre seus problemas com os outros é coisa de mulher, ao mesmo tempo que 85% acham inaceitável que a mulher fique bêbada, 69% que elas saiam sem o marido e 46% que usem roupas curtas. Se não estão preparados para conversar sobre o que consideram problemas, como eles vão resolver os conflitos, então?

Apenas 25 grupos em todo o Brasil

Infelizmente, não existe nenhuma política oficial para a formação desses grupos. Ainda há poucas iniciativas do tipo no país. Segundo um levantamento realizado pelo psicólogo Adriano Beiras, para o Instituto Noos, existem 25 projetos de atenção a homens autores de violência contra a mulher no Brasil, distribuídos em nove estados. O mapeamento, que traçou um perfil dos grupos, destacou ainda a falta de diretrizes para a atuação dos grupos e de políticas públicas contínuas, apesar de a Lei Maria da Penha prever a sua existência.

Mas a questão é espinhosa e bate na escolha de direcionamento de recursos. “O movimento feminista, mesmo, é muito reticente quanto a isso. Se existem poucas políticas públicas voltadas para as mulheres, por que investir nos homens? O que, no meu ponto de vista, não é uma visão adequada, porque aquele homem vai repetir o comportamento em outras relações”, defende Ana Paula Lewin, defensora pública e Coordenadora do Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher (NUDEM) do Estado de São Paulo.

Hoje, o que acontece com o acusado de agressão?

Quando a mulher consegue romper com o ciclo de violência e fazer a denúncia, a primeira medida tomada é de proteção da vítima. Se houver flagrante, o acusado pode ser preso, caso contrário, o que pode ser determinado é uma medida protetiva, como a retirada do agressor da casa, a proibição de se aproximar ou falar com a vítima, ou o afastamento dos filhos. Esse é o principal trunfo da Lei Maria da Penha: garantir a segurança da mulher durante o processo.

Porque, após a denúncia, o que acontece é um processo. São colhidos depoimentos e ocorre a investigação, para levar ao julgamento, o que pode levar meses ou anos para atingir uma conclusão.

Já as possíveis punições caso o agressor seja considerado culpado variam de acordo com a violência cometida, seguindo o Código Penal. Se houve assassinato, lesão corporal grave ou estupro, é comum haver prisão do acusado. Mas para crimes mais leves, cuja pena não ultrapassa dois anos, o encarceramento é raro. Além disso, as coisas nem sempre funcionam muito bem na prática.

Cristina Ribeiro*, 33 anos, sofreu uma forte violência por parte de seu namorado há alguns meses. “Sempre houve agressão no nosso relacionamento, mas eu achava que ele tinha problemas psicológicos e ficava com dó. No último Dia dos Namorados, ao chegar em casa, eu fui mexer no computador e ele me acusou de estar falando com outros homens e veio me xingando e ameaçando me bater”. E, de fato, a agrediu fisicamente: segurou-a pelos cabelos e chutou-a diversas vezes, quebrando seu nariz. Um vizinho ouviu o barulho e chamou a polícia. Ele foi liberado na mesma noite, mas com a proibição de procurá-la. Mesmo assim, três meses depois, ele ligou para Cristina, fazendo ameaças e ofensas. Com medo, ela fez nova denúncia e ele passou três dias na cadeia, mas pagou fiança e saiu. Desde então, ela vive com medo enquanto aguarda a audiência e a sentença dele.

Esse tipo de história é comum por uma série de fatores, inclusive a lentidão no sistema judiciário em tomar medidas. “Percebi que algumas juízas e alguns juízes ainda consideram necessárias mudanças legislativas e administrativas para que sejam permitidas medidas mais rápidas e eficientes para punir criminalmente o agressor e prevenir novas violências”, afirma Cristiane Brandão. Ela cita como exemplos dos problemas encontrados pelos juízes a dificuldade de fiscalizar o cumprimento das medidas protetivas e a impossibilidade de acelerar o processo para casos de lesão corporal e ameaça, os delitos mais comuns.

Além de sua pesquisa, Cristiane lançou, no último dia 8 de março, o documentário Juizados.doc, que explora as práticas institucionais ligadas à violência de gênero, no qual é possível saber mais sobre essas questões.

A cadeia não resolve

No entanto, falar apenas em mais agilidade do judiciário e penas mais rigorosas não resolve o problema. A advogada Marina Fideles explica: “A judicialização burocratiza a dor e, muitas vezes, não contempla a vítima, até porque seguimos um sistema penal punitivista, onde o foco acaba sendo o agressor. E, muitas vezes, essa mesma mulher vai ter que visitar o agressor na cadeia e assumir os custos sobre ele – não nos esquecemos que estamos falando de relação familiar, a dependência econômica e afetiva muitas vezes não se resolve com a sentença”, explica. “Não estamos desestimulando as mulheres vítimas de violência a procurarem as autoridades e as instituições. O que estamos propondo é que tentemos outras formas de lidar com a violência contra mulher. Existem métodos alternativos de solução de conflitos já em prática dentro do Poder Judiciário, como a justiça restaurativa e outros métodos aplicados em justiças comunitárias, que podem ser mais efetivos nos casos em que existe uma relação afetiva e emocional entre os envolvidos”.

Apesar de a cadeia ser a maneira mais efetiva de afastar o agressor da vítima, ela tem outras consequências. Além de envolver a mulher-vítima ou outras parentes do agressor, como mãe ou irmã, em visitas à cadeia, com revista vexatória e direitos violados, a prisão pode piorar o caso.

“Nosso sistema carcerário é falido, ele não trabalha para reeducar e recolocar na sociedade. Nenhum homem vai deixar de ser machista porque foi preso”, destaca Ana Paula Meirelles Lewin, o que pode ser confirmado nos depoimentos dados por autores de violência nesta reportagem.

Inevitavelmente, esses homens serão soltos em algum momento e vão se envolver com outras mulheres. Por isso, é cada vez mais forte a percepção de que é necessária uma política pública que viabilize tais grupos a nível nacional e crie diretrizes para sua atuação. Enquanto os homens não mudarem a forma como enxergam as mulheres e deixarem de usar a violência, as vítimas vamos continuar sendo nós.

*nome fictício

 

 

Veja publicação original: Como reduzir a violência doméstica? Tratando os agressores!

 

 

 

 

 

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