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Veja publicação original: Como favela na zona oeste de SP virou exemplo de bairro sustentável
Sob a liderança de Maria de Lourdes Andrade de Souza, 57 anos, conhecida na Vila Nova Esperança como Lia, cerca de três mil moradores que compõem as 600 famílias do bairro da Zona Oeste de São Paulo, nas proximidades do município de Taboão da Serra, hoje vivem em moldes sustentáveis, com energia elétrica regularizada e coleta seletiva de lixo.
Uma realidade totalmente diferente do que Lia encontrou ali quando chegou para morar, em 2003. De um local com fiação exposta — os ‘gatos’ – e sem asfalto, a mobilização da moradora na comunidade gerou frutos para além da infraestrutura básica: cisterna, biblioteca, cozinha coletiva, brinquedoteca.
A ação rendeu a Lia, em 2014, o Prêmio Milton Santos na categoria Consolidação de Direitos Territoriais e Culturais, outorgado pela Câmara Municipal de São Paulo.
O que ela fez de diferente? Usou a própria experiência, ouviu quem vive na região e somou conhecimentos. “A prefeitura, quando vai urbanizar uma favela, não chama o morador para opinar sobre como ele quer a casa dele”, diz ela. “Uma coisa que acho muito linda do ser humano é quando alguém sabe de algo e não guarda para si. Se você sabe de algo legal, passa para o teu vizinho.”
Começo da mudança
Lia de Lourdes é natural de Itaberaba, Bahia. Veio para São Paulo em 1994, fugida de um primeiro marido opressivo com quem se casara muito nova, antes de completar 16 anos. Na capital, até virar líder comunitária, foi costureira, florista e caixa de supermercado. Em 1996, conheceu o atual marido, Wagner, e foi por meio dele que acabou tomando o inicial contato, dois anos depois, com a Vila Nova Esperança. “A mãe do Wagner se mudou para cá, e foi assim que entrei pela primeira vez numa favela. Eu tinha medo. As pessoas me falavam muita coisa ruim da comunidade”, conta ela.
“A gente tinha um apartamento, mas era muito pequeno, três vezes menor do que a minha casa atual. Vendemos, e com o dinheiro comprei um terreno na vila. Em 2006, descobri que tinha um processo para remover todas as famílias, e aí, como já tinha gastado todas as nossas economias aqui, decidi que precisava tomar uma atitude e ver o que podia fazer. Não só para me ajudar, mas também às pessoas que já viviam na região.”
Desesperada com a possibilidade de despejo, Lia relata que juntou um grupo de moradores para iniciar as primeiras ações transformadoras. “Chamei o pessoal e disse assim: ‘Estamos morando num espaço que não é regularizado pelo Estado, mas a gente não é porco nem barata para viver no meio do lixo. Quem faz o lugar que a gente vive somos nós mesmos. Que tal um mutirão? A primeira coisa que temos que fazer dentro da comunidade é cuidar da limpeza, não jogar lixo em qualquer lugar’.”
“O pessoal jogava o lixo na lixeira, na caçamba que a prefeitura deixou, os cachorros vinham e espalhavam tudo no chão, ficava aquela porcaria. Aí eu disse: ‘Vamos limpar todo o lixo da comunidade e fazer um abrigo, deixar fechadinho, e os cachorros não vão mexer.’ Aí nós fizemos isso com a ajuda de estudantes da USP (Universidade de São Paulo) e da ONG TETO, que constrói casas de madeira”, conta. Era o início de uma grande mudança.
A Vila Nova Esperança começou a ser ocupada no final dos anos 1960, quando as primeiras moradias foram construídas em uma fração da Fazenda Tizo, perto de uma Zona Especial de Proteção Ambiental, composta de mata atlântica. A posse oficial das terras pertence à comunidade desde que a primeira habitante, Dona Sebastiana, recebeu a escritura pública de cessão de direitos da propriedade. Em 2001, contudo, a CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano) efetuou a compra da Fazenda Tizo, como consta no histórico da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo.
A CDHU formulou um projeto de inauguração do Parque Tizo, desde julho de 2019 chamado Parque Jequitibá. Sendo assim, alegava que as famílias, por estarem dentro do parque, deveriam abandonar suas casas. A companhia emitiu uma sentença decisiva e efetiva e, em 17 de maio de 2011, se apresentou na comunidade com uma força armada intimando os moradores a saírem antes que as máquinas de demolição entrassem em cena.
Lia registrou tudo em imagens e se dirigiu, acompanhada de outros moradores da favela, ao Tribunal de Justiça. Não demorou muito para que o juiz Paulo Jorge Scartezzini sentenciasse que não existia motivo para o desalojo das famílias e que a Vila Nova Esperança não pertencia à área do parque. Desde aquele momento, ela segue em luta para manter a posse legal das terras.