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Veja a publicação original: Como falar sobre racismo com crianças e criá-las como antirracistas?
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Por Nathália Geraldo
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Se ser um adulto antirracista ativamente já não é uma tarefa fácil, ensinar sobre as questões raciais — no Brasil e no mundo — para as crianças pode ser um desafio ainda maior. Seja no núcleo familiar ou na escola, quem se propõe a educar os pequenos na primeira infância (até seis anos) pode ter que lidar com a explicação de conceitos, como o racismo (ou os xingamentos, categorizados como injúria racial) e os estereótipos atribuídos a negros e negras, sem, no entanto, perder a ternura. É possível?
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Dar nome às coisas, conversar sobre a presença (ou a falta) de pessoas negras no cotidiano infantil e se atentar ao fato de que, entre os pequenos, chamar o outro de “macaco”, por exemplo, é racismo, e não apenas bullying fazem parte de algumas estratégias para que a discussão sobre como a população negra é vítima de racismo na sociedade não vire um elefante na sala — nem de casa, nem de aula.
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Como fazer isso? Perguntamos à diretora da EMEI Nelson Mandela Jaqueline Cibele Vioto Rinaldo, unidade da rede municipal de São Paulo (SP) referência na educação antirracista para crianças de 4 a 6 anos, e à psicóloga com abordagem psicanalítica Marleide Soares, que atua na humanização antirracista no atendimento a famílias negras e brancas, sobre o tema.
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Racismo, identidade negra, representatividade
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De onde vem o racismo da criança?
É comum ouvirmos que “crianças não são racistas”. Mas, e quando um pequeno não quer sentar na cadeirinha em que um colega negro estava, ou se nega a brincar com uma criança negra no parquinho?
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“A criança não é capaz de ser racista por si só, mas ela reproduz coisas que ela viu ou ouviu”, analisa Jaqueline. Como estamos todos dentro de uma sociedade em que o racismo é estrutural, é possível que os adultos que a cercam tenham práticas racistas. Daí a necessidade de se despertar para o antirracismo.
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“Ser antirracista é ter ação, que é individual; mas, o resultado é coletivo. Acontece que o racismo estrutural é uma grande cilada, porque você pode querer dar uma educação antirracista e ter uma ação racista mesmo assim”, comenta a psicóloga.
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Ok, não quero que meu filho seja racista. O que fazer?
Antes de tudo, estender a educação antirracista: em casa e na escola. Se a família é branca, entenda que destruir o racismo — que atinge, atribui desvantagens e até mata a população negra — também é seu trabalho.
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“A gente sabe que não é nosso lugar de fala, mas precisamos arregaçar as mangas; não pode partir apenas dos negros”, diz Jaqueline, que é branca. Marleide, que é negra, sugere que analisar o núcleo social que é a escola pode ser uma boa estratégia para abordar a questão racial com os mais jovens.
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“Converse com a criança com o objetivo de estimular a convivência com pessoas negras. Em escolas em que as famílias têm um padrão financeiro maior, é possível que não se tenha crianças negras. De toda forma, vale perguntar: tem coleguinhas negros na sua escola?”, orienta. “E pode falar a palavra negro, com naturalidade, não precisa ser ‘criança que não é da sua cor'”.
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Dependendo da vivência da criança, pode ser que venha a pergunta: “O que é criança negra?”. Então, é a hora de apresentar referências.
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Brinquedos, livros, bonecas e bonecos
Para crianças brancas, os brinquedos e materiais que apresentem personagens negros são fundamentais para mostrar a elas que há diferentes tons de pele entre as pessoas — e que isso não é motivo para existirem hierarquias raciais. Com didática, é possível explicar porque o racismo é algo negativo e tirar o estereótipo de que pessoas negras só podem ter determinadas profissões ou lugares sociais no mundo.
Para as crianças negras, bonecos e bonecas negros e livros, que devem ser analisados pelos adultos, entre outras ferramentas, significam representatividade. “Tem que empoderar e trabalhar a autoestima dela: dizer que é linda, que o mundo é dela também”, afirma Jaqueline, dando o exemplo das ações antirracistas da escola Nelson Mandela, que foram implantadas pela diretora da gestão anterior, Cibele Racy.
“Nós temos lá uma família de bonecos em tamanho real: o príncipe Azizi Abayomi é negro, e se casou com a Sofia, uma boneca branca; ela engravidou e teve gêmeos, que têm cor de peles diferentes: o Enrique e a Dayó. Eles são figuras de afeto”.
Que tal adaptar a proposta da escola e formar uma família de bonecos também em casa?
Pessoas negras que já estão no cotidiano da criança
Pais brancos, ainda há tempo
A geração que foi criada com o “padrão” da boneca Barbie, loira, branca e de olhos claros, agora, se tornou a de adultos que têm nas mãos a criação de quem nasceu ou está se desenvolvendo frente a pautas de igualdade racial. Isso significa que, por vezes, as pessoas brancas que se propõem a oferecer educação antirracista às crianças ainda está se formando como antirracista também. Travar no sentimento de “eu devia ter pensado nisto antes”, contudo, não é a melhor saída, como explica a psicóloga Marleide Soares.
“Os pais brancos podem ficar decepcionados por até então não terem visto a necessidade de uma educação antirracista. Mas não é bom que fiquem presos nesse lugar; é preciso ter ação. Como diz Angela Davis, em uma sociedade racista é preciso ser antirracista”.